— “Proibir a tauromaquia fere a liberdade individual?”;
— “Rui [Tavares], tens noção da quantidade de ‘memes’ que têm sido feitos sobre ti no rescaldo do debate com André Ventura?”;
— “Se fosse governo, quais seriam as primeiras medidas que iria implementar?”;
— “Preferes lutar com 100 cavalos do tamanho de patos ou com um pato do tamanho de um cavalo?!”
Estas são quatro das centenas de perguntas que, desde dezembro de 2021, utilizadores do Reddit, uma rede social concorrente do Twitter e Facebook, têm feito a candidatos nestas eleições legislativas. Tudo acontece no R/Portugal — um subfórum, ou “subreddit”, dessa plataforma — num “AMA” (siglas para “Ask Me Anything“, em português, “Pergunta-me tudo/qualquer coisa”).
Para lhe explicar o fenómeno falámos com os moderadores anónimos por detrás desta iniciativa e com os políticos que aqui foram fazer campanha. Mesmo que estranhe o formato, uma coisa parece ser certa — em futuras campanhas, os AMA do Reddit devem continuar também ser um palco para se ir atrás de votos.
O que é o Reddit?
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Criado em 2005, o Reddit – que SE autoapelidada e é conhecido como “the front page of the the internet” (a primeira página da internet) — tem sido até agora um espaço que tem conseguido fugir do foco de grandes polémicas de desinformação que atormentam outras tecnológicas como o Twitter o Facebook (detido pela Meta). Apesar de, em 2021, ter ficado conhecido por ter assustado Wall Street, nesta plataforma ainda é possível navegar-se com um username que permite o anonimato (nos fóruns antigos da internet, percursores da redes sociais, essa era a norma), e encontrar trocas de mensagens que não fogem só para insultos ou troca de galhardetes.
Depois de crescer com Gamestop, Reddit quer chegar aos “grandes anunciantes”
Por outras palavras, aqui não se partilham só fotografias ou procuram-se seguidores aos molhos como no Instagram. O que. é pretendido é que se partilhe conteúdos e, através de texto sem limites, discuta-se um assunto. Os utilizadores podem escolher temas dos quais gostm e seguir os sub-fóruns (subreddits) que existem sobre isso. E há de tudo — desde temas muito específicos, como isolamento acústico, a mais abrangentes, como política, ou então os simplesmente dedicados a países, caso do R/Portugal, que abrange tudo o que tenha a ver com o país.
Cada subreddit tem moderadores que gerem o que pode ser aí ou não partilhado. Se o utilizador não gostar, pode criar outro subreddit. Os subreddits com mais membros costumam ser os mais ativos, mas não é por isso que um com menos não o seja também. Depende do tema e da participação. No fundo, são como pequenas tribos dentro da internet à semelhança dos fóruns dos anos de 1990. Por isso é que aqui é que costumam aparecer primeiro algumas notícias — quem é aficionado sobre um tema facilmente encontra os seus pares nesta rede social.
Não acredita? Entre arruadas e comícios, Carlos Guimarães Pinto (candidato pelo Porto da IL), Tiago Matos Gomes (cabeça de lista do Volt em Lisboa), Joana Mendes (candidata do CDS-PP pelo círculo de Viana do Castelo), Rui Tavares (líder do Livre), Bruno Dias (deputado do PCP pelo círculo de Setúbal e atual candidato pela CDU no mesmo distrito), Miguel Costa Matos (secretário-geral da Juventude Socialista e candidato pelo PS) e João Faria-Ferreira (independente nas listas do MAS) decidiram gastar pelo menos duas horas do seu tempo atrás de um ecrã a responder a tudo. Vá, quase tudo, houve quem não respondesse a algumas (a tal do “pato”, que começa a ser da praxe, por vezes é ignorada, mas também algumas sérias).
No passado, também passaram por estes “AMA” no R/Portugal eurodeputadas como a Marisa Matias (BE) ou Sara Cerdas (PS), entre outros políticos, só para responder ao que os redditors (nome dado a quem utiliza o Reddit) portugueses queriam saber.
Ao Observador, todos os políticos contactados assumiram que voltavam a repetir o questionário dos anónimos que lhes deixaram perguntas. Tudo por um objetivo final de quem coordena a iniciativa: criar um “debate mais enriquecedor” e informar “quem vai votar”.
Mais de 216 mil “tugas” a “comer bacalhau”. Que R/Portugal é este, com um fundador anónimo, que quer um debate das eleições mais “enriquecedor”?
A organizar esta iniciativa do R/Portugal — que já junta 216 mil redditors aderentes, ou “tugas”, como esta comunidade os apelidada — está uma pessoa: “u/raviolli_ninja”. Apesar de falar abertamente com o Observador, pediu para manter neste artigo o anonimato que o cognome, ou username (daí o “u” antes de “raviolli_ninja”), lhe dá na rede social. Esse pedido “protege de certa forma” quando está online neste subreddit — ou a “comer bacalhau” (uma descrição humorística que a plataforma utiliza para se saber quantos membros estão ligados) –, assume. Mesmo assim, não é por §estar por trás de um nome de massa italiana que não vai atrás de todos os partidos e convenceu muitos a participarem no fórum com uma missão: “Estamos a tentar que todos [os partidos] venham cá”.
Para promover este debate eleitoral mais consciente, desde que as legislativas foram anunciadas que, na “Megathread Amarela” (cada publicação chama-se thread, a “mega” é a principal que surge no topo ao abrir o subreddit), os moderadores têm garantido que os programas eleitorais estão acessíveis, assim como a informação dos debates.
Além disso, há hiperligações e anúncios para cada um destes AMA que têm estado a organizar. “Queremos que as pessoas saibam debater política e não seja como se estivessem a falar de futebol”, diz este responsável, dizendo que, este ano, se tem conseguido promover “um debate mais enriquecedor” entre os utilizadores.
Apesar de ser raviolli_ninja o coordenador dos AMA das legislativas de 2022, não é este moderador quem “manda” no R/Portugal. Esse posto, que traz o poder de controlar tudo no subreddit, inclusive fechá-lo, é do fundador, “u/cavadela”.
Em setembro de 2008, Cavadela criou a comunidade. Inicialmente, o subreddit era “arquivo de notícias que ia lendo”. Contudo, foi crescendo para aquilo que é hoje — uma plataforma onde os políticos querem ir. Como com grande poder vem grande responsabilidade, o papel que tem no Reddit foi mudando. Juntou mais moderadores — são nove, ao todo, e “ninguém é pago”, fazem tudo por “carolice”, diz — e foi vendo comunidade crescer.
Mesmo após insistência, o criador do subreddit mais conhecido sobre Portugal não diz quem está por detrás do ecrã. Para validar ao Observador que é o criador do subreddit utilizou a rede social para nos enviar uma mensagem e a conversa foi feita por Discord, uma plataforma online de conversação.
Atualmente, para tentar manter imparcialidade — um factor que se tem tornado mais importante quando o seu subreddit é também palco de campanhas –, Cavadela refere que se “abstém de comentar”. Mesmo tendo R/Portugal algumas regras mais apertadas — há publicações que só podem ser feitas em certos dias da semana e temas que são proibidos, como o incentivo ao ódio — o responsável tenta manter abertura neste espaço para portugueses ou para quem gosta de Portugal.
Na prática, os moderadores apagam comentários proibidos, como insultos gratuitos ou difamatórios, e garantem que o debate no fórum não o torna “num local tóxico”. Além disso, banem do subreddit utilizadores que não cumpram as regras. “Somos acusados de ser mandatados pela extrema direita ou pela extrema esquerda — há pessoas que não gostam do que nós decidimos”, desabafa, dizendo que tem de ser assim. “Tivemos imensas contas a ser criadas só para o insulto gratuito”, assume. Por mais que queira “promover a transparência e a abertura” na comunidade, se alguém perguntar “será que Portugal seria melhor sem estrangeiros?”, a publicação “vai diretamente para o lixo”, exemplifica.
É graças a esse trabalho que o subreddit tem ganhado novos membros e legitimidade para que estes políticos queiram por aqui passar. Carlos Guimarães Pinto ou Rui Tavares, por exemplo, já começam a ser habitués em AMAs no R/Portugal, tendo participado noutros momentos neste tipo de questionários, tendo sido convidados por outros utilizadores ou pela moderação.
No caso dos AMA das legislativas, o trabalho tem sido mais intenso tendo em conta o interesse. “Ele [Raviolli_Ninja] avisa quando é que são e pede-nos [ao moderadores] para ajudar na moderação”, diz Cavadela. Como são momentos mais sérios, a equipa tem um trabalho acrescido nas cerca de duas horas que os políticos disponibilizam para responder a questões. E há uma garantia: mesmo com perguntas sobre patos, há “um certo nível de civilidade”. “É como convidar alguém para vir a nossa casa”, refere Raviolli_Ninja.
O que dizem os candidatos que foram ao Reddit responder a perguntas sobre “tudo”. Um foi desafiado pelo irmão redditor
O primeiro político a ir nestas legislativas aos AMA no R/Portugal foi Tiago Matos Gomes, a 12 de dezembro. “Foi-me proposto por um elemento da área de comunicação do Volt, o Bruno Faria [que abordou os moderares]”, explica ao Observador, dizendo: “Falou comigo e aceitei logo”. O antigo jornalista assume que “é muito raro” um partido negar “a participação em qualquer que seja a plataforma”. Porém, o sucesso da iniciativa faz com que tenha tentado ir a um segundo AMA no R/Portugal ainda em campanha, pedido que a equipa de moderação adiou para após a campanha porque nem todos os partidos tinham passado por lá.
Depois, a 2 de janeiro, foi a vez de Joana Mendes. A participação no AMA não passou pelo Conselho Nacional do CDS-PP e chegou-lhe por desafio do irmão — um redditor –, confirma ao Observador. Depois do processo de validação, vieram as perguntas. “Preferias lutar contra um pato do tamanho dum cavalo ou 100 cavalos do tamanho de patos?!”, escreve um utilizador. “Já ouvi dizer que esta é a pergunta que REALMENTE interessa e que ficou por responder no último AMA. Vamos a isso: prefiro lutar contra 100 cavalos do tamanho de patos“, respondeu Joana. “Não faço muitas intenções de votar no cds, mas gosto que os candidatos também tenham sentido de humor. Parabéns e boa sorte!”, escreveu abaixo outro redditor.
“Quem se propõe a participar neste tipo de plataformas, neste tipo de questionário, tem de estar disposto a responder a tudo”, diz a candidata democrata-cristã. Apesar de haver perguntas com tom humorístico, a maioria são mais sérias: “Qual é a posição do CDS-PP relativamente às questões de “ideologia de género”? São as mesmas da Margarida Bentes Penedo?”, perguntou outro utilizador deixando uma hiperligação para um vídeo polémico de um dos braços direitos do líder do CDS-PP. Explicando a posição do partido, Joana Mendes respondeu.
A 15 de janeiro, quando chega a vez de Carlos Guimarães Pinto, a campanha legislativa está quase a começar e surge um dos AMA que juntou mais comentários (mais de 500). Numa das perguntas com mais upvotes — é possível classificar com um voto positivo ou negativo cada comentário no Reddit –, surge a questão que tem sido feita várias vezes ao partido: “A IL está disponível para viabilizar um governo que inclua algum partido de esquerda como acontece no governo alemão onde existe um acordo entre liberais, socialistas e verdes? Se sim, com que partidos é que estariam dispostos a negociar?”.
“Não me chocaria nada que um dia a IL viabilizasse um governo com Sérgio Sousa Pinto, Francisco Assis e António José Seguro”, responde o candidato. Mas afirma: “Com este PS acho impossível porque nunca haveria pontos de entendimento mínimos e, honestamente, é urgente para o país livrar-se de um partido tão infiltrado na máquina do estado. É uma questão de higiene”.
Sem rodeios, continuou a responder ao que lhe foi perguntado. Ao Observador, Guimarães Pinto assume que o convite lhe foi feito pela equipa de moderação. Inicialmente, o mesmo tinha sido feito a João Cotrim de Figueiredo, cabeça de lista do partido por Lisboa, mas que não pôde aceitar. Porém, para o liberal do Norte o desafio também seria mais fácil: não só já fez outros AMA no Reddit, como lhe permitiu que respondesse a tudo por escrito — “domino mais”, assume.
O Livre, que foi fazer um AMA a 24 de janeiro, foi o único partido que não foi representado só por um candidato. Em vez disso, responderam quatro: Rui Tavares, Isabel Mendes Lopes, Jorge Pinto e Paulo Muacho. “O Livre é um partido partilhado, construído por muitas pessoas e achámos que seria interessante espelhar isso e dar o máximo de respostas possíveis”, explica Isabel Mendes Lopes, segunda na lista do Livre em Lisboa. A ideia de serem vários a responder partiu do partido e a equipa de moderação “não levantou constrangimentos”, disse.
À semelhança dos outros candidatos, o processo de validação foi simples. Criaram uma conta no Reddit e, na conta oficial de Twitter de Rui Tavares, anunciaram o evento. Para os moderadores basta isso para garantir que as novas contas de Reddit são dos candidatos — todos os candidatos criaram-nas para estes AMA, não tendo outros acessos ou, tendo tido, terem perdido a palavra-passe.
[A equipa de moderação pede aos políticos que partilhem informação do AMA em espaços como Twitter para confirmar a identidade, como é possível ver no tweet abaixo]
A parede menos desarrumado da sede de 40m2 do @LIVREpt e candidatos por Lisboa e Setúbal (o @jopintopt vai juntar-se a nós a partir do distrito do Porto). pic.twitter.com/yYqD7VSuPW
— rui tavares (@ruitavares) January 15, 2022
O único problema levantado por quem respondeu ao AMA é a “limitação do tempo”, como também disse o deputado Bruno Dias. “Levou a deixar um número de perguntas por responder, precisamente porque a participação foi grande”, afirma. No caso deste candidato, as perguntas por responder tocavam em pontos mais sensíveis do partido que representa, como por exemplo: “Qual é a posição do PCP face às violações dos direitos humanos ocorridas na China?”.
O problema do tempo é transversal a todos. “Daqui a menos de 8 horas tenho que estar acordado. Obrigado a todos por estas duas horas e as minhas desculpas a todos os que não consegui responder. Obrigado pela atenção! Até à próxima!”, escreveu Carlos Guimarães Pinto assumindo que responder a “tudo” é, muitas vezes, um “quase tudo”. Porém, entre planos económicos e sociais para o país, deixou curiosidades como o candidato preferir arroz de cabidela ao de pato.
Rui Tavares e a sua equipa também enfrentaram a mesma dificuldade: “Pessoal, como seria de esperar foi impossível responder a todas as perguntas em mais de duas horas a oito mãos (!)”, disse Rui Tavares. Houve a promessa de ali voltar durante a campanha. À pergunta do pato? A essa, o candidato do Livre respondeu: ao contrário de Joana Mendes, o político preferia enfrentar um pato do tamanho de um cavalo.
Nestes questionários, ficam relatos daquilo que está a ser esta campanha. No caso de Miguel Costa Matos, o jovem candidato do PS utilizou um meme — o de um cão a beber café numa casa a arder — para ilustrar a pressão que é estar por detrás de um AMA na semana de eleições que envolveu duras críticas aos socialistas, como: “Sente-se confortável ao saber que está num partido que gera e tem gerado tanta corrupção ao longo dos anos”. Mas defendeu-se, como os outros políticos que aí passaram.
“O Reddit é como o Twitter mas sem jornalistas”. Os outros AMA que já foram ao R/Portugal
Carlos Guimarães Pinto diz que o “Reddit é como o Twitter mas sem jornalistas”. Apesar de achar que não ajudou a dar muitos votos ao seu partido — “é uma bolha relativamente fechada”, algo semelhante àquilo que os outros candidatos com quem o Observador falou disseram –, vê com bons olhos a plataforma. “As perguntas são inesperadas, coisas que não tínhamos pensado”. É por este motivo que, no passado, o R/Portugal recebeu outros AMA.
A eurodeputado Marisa Matias (BE) foi, em 2019, uma das primeiras políticas a aceitar o desafio de ir a esta plataforma durante uma campanha, nas europeias. “Houve uma troca de mails, recebi a proposta e agendámos a data e a hora que foi possível dentro da agenda da própria campanha [europeia], explica ao Observador. De acordo com a bloquista, “é importante esclarecer as pessoas” sobre “o trabalho” e “o programa”. “O que defendemos, quais são as propostas”, adianta. A precursora nestes AMA de política assume ainda que “a pressão era grande”. “Ainda não tinha respondido à primeira e já tinha mais cinco ou seis perguntas diferentes”.
Mesmo sem tudo ficar respondido, o movimento dos AMA continuou no R/Portugal. Sara Cedras também por aqui passou há cinco meses, ou até políticos menos conhecidos, como João Rodrigues, candidato pelo PURP (Partido Unidos dos Pensionistas e Reformados), que em 2019 também foi responder a “tudo”.
Os AMA não têm sido só feitos por políticos. Aliás, o fenómeno é inerente à cultura da internet. Em junho de 2020, Henrique Oliveira, criador de séries como “Major Alvega”, “Claxon”, “A Minha Sogra É Uma Bruxa”, “Mulheres De Abril”, “Vidago Palace” e do programa infantil “Batatoon”, também por aqui passou. E falou de um dos momentos na televisão que os redditors do R/Portugal mais querem ver: o momento em que o palhaço Batatinha terá batido em direto ao Companhia. Além de Henrique Oliveira, também houve AMA com uma Testemunha de Jeová ou com Dário Guerreiro (também conhecido como “Môce dum Cabréste”).
No futuro, os responsáveis pelo R/Portugal dizem que querem continuar a promover estas iniciativas. É do nosso interesse, diz Raviolli. Após as eleições, Cavadela quer continuar a promover esta “praça de ideias”. “Todos são bem-vindos desde que venham de mente aberta para aprender”, afirma. Neste caso, também têm de ir de mente aberta para responder a “tudo”: seja inconveniente, pertinente, importante para o país ou se se preferia lutar contra cavalos ou patos.