Teve “uma noite feliz“, esta sexta-feira, o presidente do Montepio, Virgílio Lima. O líder da maior associação mutualista do País foi reconduzido num cargo que já ocupava desde que o “herdou” de Tomás Correia, o banqueiro multado pelo Banco de Portugal e investigado pela Judiciária. Mesmo com todas essas controvérsias, Tomás Correia continua a ter influência na instituição e apoiava outra lista, a Lista D, o que não impediu que Virgílio Lima tenha conseguido uma votação confortável. Quem é o discreto “Lima do Montepio” e como conseguiu ganhar?
Virgílio Manuel Boavista Lima tem 67 anos, nasceu numa freguesia do concelho de Tomar mas, depois de tirar o curso comercial na cidade ribatejana, foi para Lisboa ainda jovem. Tem mais de 40 anos de Montepio – “comecei a trabalhar na área de controlo, um ano depois concorri para agente de organização e métodos e fui subindo para agente funcional, orgânico e finalmente analista de sistemas, que era a carreira possível neste domínio”, recordou, num perfil feito por uma publicação oficial do Montepio.
Ao mesmo tempo que trabalhava, licenciou-se em Gestão no ISEG e assim que se formou foi enviado para o balcão de Sintra, nos anos 80, com a missão de rentabilizar uma dependência importante para a caixa económica (hoje Banco Montepio) que tinha resultados abaixo do desejado.
Correu bem. “O Lima”, como é conhecido, conseguiu dinamizar a sucursal e fez mais do que isso, transformou o balcão de Sintra numa “escola” por onde passaram muitos bancários, como recordou uma ex-colaboradora citada num perfil feito pelo jornal Eco. “Sempre tratou os clientes por igual: tanto recebia o pedreiro que entrava no balcão como o presidente da câmara”, recorda essa mesma colaboradora.
Montepio. Virgílio Lima reconduzido para novo mandato à frente da maior mutualista do país
A “promoção” com a passagem para a Lusitania
Conhecido pelo trato afável e voz pausada (monocórdica, para alguns), o bom desempenho de Virgílio Lima em Sintra levou a que, em 1986, fosse novamente chamado para a gestão da caixa económica, onde passou a dirigir o departamento de marketing. “Depois fui rodando: diretor de planeamento, diretor comercial…”. Um dos seus sucessores em vários cargos foi Pedro Gouveia Alves, agora o seu principal opositor nestas eleições, que veio do marketing do Banco Espírito Santo em 2000.
À medida que Pedro Gouveia Alves subia na estrutura, aproximando-se cada vez mais de Tomás Correia, em 2008 Virgílio Lima acabou por ser enviado por Tomás Correia para a seguradora Lusitania – em teoria uma promoção, porque passou a ser administrador de uma empresa do grupo, mas uma viragem estranha numa carreira que tinha sido feita apenas na banca, não nos seguros.
Ainda assim, Virgílio Lima manteve ligação à caixa económica como membro do antigo conselho geral do banco. E em 2015, em plena separação entre banco e mutualista (forçada pelo Banco de Portugal), Tomás Correia chama-o para uma lista para concorrer à casa-mãe, no que viria a ser um triénio atribulado sobretudo devido às auditorias e às suspeitas que se começaram a formar em torno do presidente.
Ao contrário de outros administradores, como Fernando Ribeiro Mendes e Miguel Coelho (que nas eleições de 2018 formaram uma lista concorrente), Virgílio Lima manteve-se ao lado de Tomás Correia, tal como Carlos Beato, que foi presidente da câmara de Grândola. Ambos voltaram a integrar a lista institucional, que voltaria a vencer, em 2018, embora perdendo a maioria.
Tomás Correia acabaria, porém, por retirar-se antes de terminar o ano seguinte, 2019, na iminência de ver o supervisor ASF recusar-lhe o registo de idoneidade para o cargo. O conselho de administração ficou reduzido a quatro pessoas, e o ex-líder moveu esforços no sentido de garantir que seria o administrador Luís Almeida a suceder-lhe na presidência, um banqueiro cujo perfil o Observador traçou em janeiro de 2020 à luz do alegado envolvimento nas operações suspeitas que levaram a buscas da Polícia Judiciária nessa altura.
Os outros três administradores, Virgílio Lima, Carlos Beato e Idália Serrão uniram-se contra a nomeação de Luís Almeida para a presidência, alegando que essa nomeação seria uma forma de Tomás Correia continuar a mandar na instituição mesmo após a saída. A Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF) acabaria por dar o registo a Luís Almeida, apenas para administrador, apesar das dúvidas em torno deste banqueiro cujo percurso já tinha levado a uma recusa (oficiosa) por parte do Banco de Portugal para um cargo importante no banco, pouco tempo antes.
Isolado, Luís Almeida acabou por permanecer como administrador mas trabalhando sempre à margem do restante conselho de administração que se uniu em torno do nome de Virgílio Lima para a presidência. Com a formação desta nova lista, como seria de esperar, o recandidato Virgílio Lima não convidou Luís Almeida para fazer parte da chamada “lista institucional”, assim chamada porque emerge do conselho de administração em funções.
Também não continuou Carlos Beato, “Capitão de Abril”, de idade mais avançada, mas manteve-se Idália Serrão, ex-deputada socialista. Por outro lado, Virgílio Lima reforçou a lista com João Carvalho das Neves, professor catedrático no ISEG, faculdade onde Virgílio Lima além de se licenciar também fez um mestrado e um MBA. O quinteto de administradores inclui, ainda, Rui Heitor, que é administrador não-executivo do Banco Montepio, e Fernando Centeno Amaro, um quadro do banco.
Além destes, Virgílio Lima recrutou também dois “nomes de peso” para vogais não-executivos na administração: Alípio Dias, ex-administrador do BCP que em 2018 tinha concorrido numa lista concorrente, e Luís Patrão, um histórico socialista que foi chefe de gabinete de dois primeiros-ministros do PS – António Guterres e José Sócrates – e era muito próximo de Jorge Coelho.
Talvez os apoios mais importantes, porém, terão sido os de Maria de Belém Roseira, ex-ministra socialista que vai ser a próxima presidente da Mesa da Assembleia-Geral, e, sobretudo, Vítor Melícias, que será o líder da “bancada” da Lista A na nova assembleia de representantes, um órgão decisivo onde Virgílio Lima conquistou 15 dos 30 lugares – ou seja, falhou a maioria absoluta por pouco.
De onde vem a influência de Vítor Melícias, o padre “malandreco” que manda no Montepio
Mas o candidato não se acantonou na esquerda socialista. Virgílio Lima contou com o apoio de José Eduardo Martins, advogado ligado ao PSD que foi secretário de Estado de Durão Barroso e de Santana Lopes, que é, também, um dos promotores dos festivais de verão de Paredes de Coura e do Primavera Sound (ambos patrocinados pela Associação Mutualista). José Eduardo Martins foi um dos 15 eleitos para a assembleia de representantes, pela Lista A.
15 eleitos para a nova Assembleia de Representantes
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A lista de Virgílio Lima conseguiu 15 dos 30 lugares na assembleia de representantes, um organismo que vai funcionar como uma espécie de parlamento da mutualista. Por pouco não conseguiu, portanto, a maioria absoluta nesse órgão que vai ter poderes como votar as contas e aprovar a política de remunerações.
A Lista A terá 15 representantes, a Lista D sete, a Lista C cinco e a Lista D três. Pela Lista A o Padre Vítor Melícias foi eleito como cabeça de lista, com Edmundo Martinho, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, como número 2.
Noutra perspetiva, Virgílio Lima também tem contado com a colaboração de Ricardo Arroja. O economista ligado à direita e à Iniciativa Liberal tem trabalhado com a mutualista na preparação do “veículo” que poderá vir a absorver alguns créditos tóxicos que estão no balanço do Banco Montepio.
O lançamento desse veículo, em termos que têm de ser aprovados pela tutela e pelos supervisores, será uma das principais prioridades da presidência de Virgílio Lima, como admitiu o próprio na entrevista que concedeu ao Observador, no início da campanha eleitoral.
A “energia” e a “confiança” de um workaholic
O presidente é conhecido por ser “workaholic” e muito protetor da vida familiar (muito raramente a mulher ou os filhos são envolvidos em eventos do Montepio). É alto, muito acima da média para a sua geração, o que lhe terá sido útil no ténis, um dos desportos que jogava quando era mais jovem – hoje prefere o golfe. Também por ser alto, tem uma figura algo curvada que ajuda a dar à sua linguagem corporal um elemento de deferência, reforçado com a voz baixa e pausada.
Na entrevista ao Observador, afirmou que se candidatava a novo mandato porque “há necessidade de prosseguir e consolidar o diálogo construtivo com os supervisores”, também sobre o plano que o Montepio tem 10 anos para cumprir que é a convergência com as regras das seguradoras – um plano que ainda não foi aprovado pela ASF e, por isso, já foi novamente recambiado para a tutela do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Também nessa entrevista, onde disse que apenas “coincidiu no tempo” com Tomás Correia, Lima admitiu pela primeira vez que no horizonte do Banco Montepio poderá estar a abertura do capital a um “parceiro de desenvolvimento” (que poderá ser estrangeiro). Essa venda de parte do banco só poderá acontecer, porém, depois de se conseguir fazer uma recuperação de imparidades que, a acontecer, será um benefício para os associados, garantiu.
Montepio. Os 7 desafios que inquietam a maior mutualista do país, em eleições até sexta-feira
O trabalho não se afigura fácil. E os críticos de Virgílio Lima duvidam que este tenha a “energia” para resolver todos os desafios que a mutualista enfrenta – talvez o maior dos quais seja o alheamento dos associados que ficou patente no facto de apenas terem votado cerca de 25 mil dos cerca de 480 mil que tinham direito a votar nestas eleições.
Porém, há quem lhe sublinhe as outras qualidades. Uma fonte do setor financeiro, ligada ao mundo dos fundos comunitários e que participou em alguns projetos com a mutualista e com Virgílio Lima, sublinha que “até hoje sempre teve um comportamento acima de qualquer suspeita”. “Nos bancos a energia é útil, mas a confiança é o ativo mais importante“, atira.