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Uma campanha pouco convencional, que resultou numa vitória inesperada. Sem sede ou apoio partidário e com menos cobertura mediática do que outros candidatos, mas com vídeos em trajes tradicionais romenos montando num cavalo branco ou a correr numa pista de atletismo que fizeram sucesso entre os mais jovens, Călin Georgescu venceu a primeira volta das eleições presidenciais da Roménia. E isso colocou o TikTok, rede social na qual partilhava a sua visão ultranacionalista, pró-Rússia e anti-NATO, em xeque na União Europeia.
Pouco depois de serem conhecidos os resultados da primeira volta, no dia 25 de novembro, começaram os rumores de que bots tinham sido utilizados e influenciadores tinham sido pagos para impulsionar a campanha de Georgescu, aumentando as visualizações dos seus vídeos e o número de likes e comentários. As suspeitas de uma possível interferência eleitoral por parte do TikTok, devido ao seu algoritmo de recomendações, levaram a Roménia a pedir uma investigação à Comissão Europeia e os eurodeputados a pedirem uma audição a Shou Zi Chew, CEO da plataforma detida pela chinesa ByteDance.
Shou Zi Chew tornou-se na figura principal da luta do TikTok contra uma proibição nos Estados Unidos, que temem que a rede social seja utilizada como ferramenta de espionagem ao serviço de Pequim. No ano passado, passou cerca de cinco horas a garantir ao Congresso norte-americano que a aplicação não partilha dados dos utilizadores com a China. Na Europa, perante o Parlamento Europeu, o empresário não deu a cara e optou por delegar essa responsabilidade.
A missão de defender o TikTok em solo europeu foi atribuída a Caroline Greer, diretora de políticas públicas, e Brie Pegum, diretora global de produto, autenticidade e transparência. Durante pouco mais de uma hora, numa audição que decorreu esta terça-feira de manhã, as duas responsáveis tentaram assegurar que a plataforma de vídeos curtos cumpriu as suas obrigações e não favoreceu Georgescu, mas foram acusadas de não darem respostas concretas — criando um ambiente tenso e de “muita frustração” entre os eurodeputados.
Por sua vez, Călin Georgescu, que vai enfrentar Elena Lasconi (do partido União Salvar a Roménia) na segunda volta das eleições, no dia 8 de dezembro, negou ter utilizado as redes sociais para obter qualquer vantagem eleitoral. “Não foi o TikTok que foi votar, foram as pessoas que estão vivas, os seres humanos”, disse, em entrevista ao jornal Politico.
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“Estamos em diálogo com as autoridades”. Como se defende o TikTok?
O pedido feito na última semana de novembro era claro: os eurodeputados queriam ouvir o CEO do TikTok. Valérie Hayer, presidente do grupo parlamentar Renovar a Europa (Renew), foi a responsável por solicitar a presença de Shou Zi Chew no Parlamento Europeu para tentar ouvir garantias de que a plataforma “não comete qualquer infração ao abrigo do DSA [Digital Services Act ou Lei dos Serviços Digitais, em português]”, a legislação que obriga as gigantes tecnológicas a combaterem a desinformação e a “manipulação eleitoral”.
O apelo, que não produziu efeito, foi decidido depois de a Roménia se ter mostrado preocupada quanto a uma possível amplificação, por parte do algoritmo do TikTok, de conteúdos que favoreceram “desproporcionalmente” um candidato e depois de ter pedido à Comissão Europeia para investigar se a rede social está em conformidade com o DSA. Bruxelas confirmou, segundo o Politico, que tinha recebido um pedido para abrir uma “investigação formal ao papel do TikTok nas eleições romenas”.
A investigação não foi (ainda?) aberta porque a Comissão Europeia optou por, numa primeira fase, pedir informações adicionais à rede social sobre “a sua gestão dos riscos de manipulação da informação”. O TikTok tem até 13 de dezembro, prazo que acaba já depois da segunda volta das presidenciais (marcadas para dia 8), para responder às questões de Bruxelas. Só depois será decidido se são necessárias “mais medidas” contra a empresa, incluindo a abertura de uma investigação formal.
As preocupações quanto a uma possível interferência do TikTok têm sido levantadas pelo resultado da primeira volta das eleições romenas, para o qual as autoridades acreditam que pode ter contribuído um aumento das visualizações dos vídeos de Călin Georgescu (e o elevado número de comentários de apoio a este candidato nos perfis dos adversários) poucos dias antes de os eleitores romenos irem às urnas. O perfil de Georgescu, que foi criado em 2022, tem mais de 527 mil seguidores e mais de cinco milhões de likes. Na Roménia, o TikTok tem mais de oito milhões de utilizadores.
@calingeorgescuoficial Importanța sportului în viața noastră. Vorbim despre importanța sportului în viața noastră. Sportul este o poveste de dragoste care trebuie apreciat, respectat și practicat în fiecare zi. Sportul ne învață să nu renunțăm niciodată și să mergem până la capăt, să avem dorința de a câștiga și de a fi campioni. Am trăit bucuria alături de marii noștri campioni din gimnastică, handbal, fotbal, canotaj. România a avut și va avea campioni în viitor, iar noi trebuie să îi chemăm, să îi educăm, să îi formăm și să îi inspirăm pentru a putea deveni campioni. #sport #pasiune #campioni #România #disciplină #muncă #învingere #calingeorgescu #calingeorgescu2024 #românia #fy
Esta terça-feira, no Parlamento Europeu, as responsáveis escolhidas para defender o TikTok tiveram a oportunidade de tentar esclarecer as dúvidas dos eurodeputados e começaram por informar que desde setembro foram removidas “66 mil contas falsas, 7 milhões de likes falsos e 20 milhões de seguidores falsos” da plataforma. “Bloqueámos 260 mil publicações de spam e estamos constantemente a esforçar-nos para prevenir a desinformação e garantir um comportamento tão autêntico quanto possível”, acrescentaram.
Questionadas sobre o algoritmo de recomendações e as alegações de que tinha beneficiado Călin Georgescu por, uma vez que é independente, não ter sido “rotulado” como candidato às presidenciais, as responsáveis negaram. “Não fizemos uma distinção entre os candidatos que têm [apoio de] um partido e os que não têm”, garantiu Brie Pegum, diretora global de produto, autenticidade e transparência, acrescentando que a empresa conseguiu travar, entre outras, uma ação de propaganda lançada por uma rede composta por 78 contas (com 1.781 seguidores) para promover o ultranacionalista.
Por sua vez, Caroline Greer focou-se nos rumores de que influenciadores tinham sido pagos para impulsionar a campanha de Georgescu, explicando que “aceitar um pagamento para promover conteúdos políticos viola as regras” do TikTok. A diretora de políticas públicas notou ainda que tem estado em contacto com as autoridades romenas ao longo dos últimos meses, mesmo antes das eleições, e revelou que uma delegação do governo do país esteve no escritório da empresa em Dublin: “Estávamos em diálogo com as autoridades e continuamos a estar.”
Caroline Greer afirmou também que a plataforma não dá um destaque especial a conteúdo político ou a contas de figuras políticas e disse que qualquer publicação cuja “popularidade esteja a aumentar recebe atenção adicional, incluindo [em termos de] moderação para desinformação”. Quanto à legislação europeia, salientou que o TikTok está “muito comprometido” em estar em cumprimento.
Eurodeputados, com pouca “paciência”, voltam a pedir para ouvir CEO do TikTok
A audição do TikTok no Parlamento Europeu durou pouco mais de uma hora, mas foi o suficiente para deixar os eurodeputados inquietos. No final da segunda ronda de perguntas, Dirk Gotink, do Partido Popular Europeu, deu voz à insatisfação quanto às respostas e avisou que a paciência tinha “um limite”. E pediu ao Parlamento para “parar de ser tão paciente” com Brie Pegum e Caroline Greer. Ainda assim, e apesar de pedidos para as responsáveis serem mais claras e “precisas”, nada mudou durante a terceira e última ronda de questões.
A “muita frustração na sala”, que se sentiu até ao final da audição, continuou depois nas redes sociais. Dan Barna, do grupo Renovar a Europa, partilhou no Facebook uma mensagem em que acusou o TikTok de não assumir “qualquer responsabilidade pela manipulação clara e documentada a favor do candidato pró-russo Călin Georgescu” e disse que “as respostas das representantes da empresa foram mais evasivas do que as de um político confrontado com um assunto incómodo na televisão”.
O eurodeputado não foi o único a mostrar descontentamento. Valérie Hayer, presidente do Renovar a Europa, enviou uma carta à presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, para reiterar o pedido de audição ao CEO do TikTok, Shou Zi Chew. No documento, essa inquirição é justificada pelas “importantes preocupações [que têm sido levantadas] relativamente ao papel do TikTok no processo eleitoral”. “As alegações sugerem que os algoritmos do TikTok podem ter amplificado conteúdos do candidato de extrema-direita e pró-Rússia Călin Georgescu, potencialmente influenciando o resultado das eleições”, lê-se no documento, que defende que “o que aconteceu na Roménia é mais um sinal de alerta: a desinformação pode acontecer em toda a Europa com consequências muito prejudiciais”.
O TikTok volta à agenda do Parlamento Europeu numa reunião plenária que está marcada para o próximo dia 17. Nessa altura, os eurodeputados deverão debater a “desinformação e informações falsas nas redes sociais, como X e TikTok”, bem como “riscos relacionados com a integridade eleitoral na Europa”.
O que tem dito Călin Georgescu?
A campanha de Călin Georgescu apoiou-se no TikTok para conquistar o voto dos mais jovens e dos imigrantes. Em declarações à BBC, o candidato disse que o seu orçamento era “zero” e que contou com a ajuda de uma “equipa muito pequena — no máximo 10 pessoas, não mais”. “Mas tínhamos milhões de pessoas a apoiar-nos”, assegurou, acrescentando que a população da Roménia precisa de “liberdade”.
Dias depois, em entrevista ao Politico, a partir da casa de um amigo nos arredores de Bucareste, Călin Georgescu comparou-se a Donald Trump, Presidente eleito dos EUA, afirmando que os principais meios de comunicação social do país não o estavam a retratar corretamente por questionarem e colocarem em causa o apoio dos eleitores às suas causas.
Desta forma, quando foi questionado sobre o possível papel de russos no financiamento da sua campanha, uma hipótese levantada pela autoridades romenas, disse que a pergunta era “padrão” e que já tinha sido feita a Trump. “Mudaram [o nome] Trump para Georgescu. É a mesma coisa que disseram sobre o Trump. É inútil. Não se apercebem de que o povo pode ter poder de voto. As pessoas estão habituadas a isso: ‘O teu voto não interessa’. Bem, [neste caso] importou”, respondeu.
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As dúvidas quanto ao financiamento da campanha de Călin Georgescu têm sido levantadas ao longo da última semana. Uma investigação feita pelo site romeno G4media avançou que existe uma “máquina de propaganda” por detrás da vitória inesperada e que o perfil do candidato é promovido por uma rede de “voluntários” que são encorajados a destacar os seus ideais e as suas mensagens em troca de um pagamento (cujo valor não é revelado).
Organizados em grupos de Telegram, onde recebem vídeos editados e prontos a publicar, bem como instruções sobre que comentários deixar nas redes sociais ou as hashtags a utilizar (como “Călin Georgescu Presidente” ou “Vota Călin Georgescu”), os “voluntários” são responsáveis por centenas de contas de apoio ao candidato no TikTok. De acordo com a investigação feita pela imprensa romena, esta estratégia contribuiu para o aumento significativo das visualizações dos vídeos partilhados no perfil do candidato. Já o elevado número de comentários colocados em publicações de outros candidatos, como Elena Lasconi, ajudaram, alega, a “manipular” o algoritmo da aplicação da ByteDance — que terá passado a sugerir o nome de Georgescu na barra de pesquisa.