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PAULO NOVAIS/LUSA

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Xavier Viegas: "Pedrógão, ou algo ainda pior, pode repetir-se. O que não podemos deixar que se repita é a perda de vidas"

Com o risco de incêndio no nível máximo, Xavier Viegas alerta para a possibilidade de repetição da catástrofe de 2017, "quer em termos de intensidade do fogo, quer em extensão de área".

Olhando para o país que existia antes dos incêndios de Pedrógão Grande, em 2017, e para o que existe neste momento, no que diz respeito ao combate e prevenção de incêndios, verificam-se progressos, mas também várias falhas que se insiste em não corrigir. Em entrevista ao Observador, Domingos Xavier Viegas, investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra — que foi membro do Observatório Técnico Independente –, aponta o que ainda está por fazer: o sistema SIRESP regista falhas, a gestão florestal continua por resolver, há falta de articulação — que afeta o combate aos incêndios –, e os programas dirigidos às populações surgem “com ações isoladas, que são feitas de vez em quando com entrega de materiais, com realização de simulacros, ou com alguma intervenção mais ou menos mediática“. No terreno “existe muita, muita preocupação” e há uma falha que o investigador elege como “principal”: “lidar com as pessoas”.

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Em relação à limpeza, quer dos terrenos públicos, quer dos terrenos privados, conseguimos traçar uma evolução desde os incêndios de 2017?
Em relação à limpeza da vegetação dos próprios terrenos foi mais visível em torno das habitações e um pouco também em volta das aldeias e de algumas estradas, sobretudo próximas das povoações e das cidades. E, nestes últimos cinco anos, nota-se uma diferença muito grande, quer no comportamento das pessoas, quer no das autoridades, com um trabalho muito mais intenso de limpeza. Já em relação ao restante território, estamos a falar de espaços florestais em que naturalmente não se pode esperar um grau de limpeza como este que temos junto das casas. Mas obviamente que tem de existir uma redução da carga de combustível, com a criação de faixas de descontinuidade em zonas em que não há uma vegetação de muito baixa combustibilidade. Isso é aquilo que falta fazer.

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Então, o ordenamento continua a ser um problema.
É verdade. É o caso da organização dos produtores florestais, que têm de se articular, porque há muitas pequenas propriedades. É preciso que haja a partilha dos recursos e também dos benefícios e dos encargos que houver para manter a gestão desse território e dessas áreas florestadas em boas condições.

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E quando falamos em ordenamento do território, falamos também de eucaliptos. A plantação de eucaliptos é, por si só um problema, ou a questão é a organização?
As duas coisas. Obviamente, o eucalipto é uma espécie que tem muita produtividade e produz valor acrescentado, embora seja discutível se não haverá outras espécies florestais que possam competir com essa. O problema é que é uma espécie que causa naturalmente perigos sérios na altura em que há incêndios. É uma árvore que, ao não estar gerida, pode suportar a propagação do fogo e a sua passagem para as copas. Quando as copas destas árvores ardem, não só libertam muita energia e produzem chamas com grande libertação calórica, como também libertam muitas partículas de diversa natureza. No caso desta espécie em particular, as partículas são conhecidas por poderem deslocar-se a grandes distâncias — estamos a falar de quilómetros e podem transportar o fogo para zonas muito afastadas e tornar completamente inúteis outras manobras, outras estratégias para conter o incêndio.

Foi isso que aconteceu em 2017. 
Claramente. Em particular na zona de Pedrógão, que tinha grandes extensões de eucalipto mal cuidado, mal gerido. Foi bastante visível o transporte de partículas de toda a espécie —  desde folhas, cascas, até ramos em combustão. E a projeção de novos focos que vinham do incêndio principal, que caíram a quilómetros de distância, deram até origem a novos focos de incêndio que foram inicialmente considerados como incêndios diferentes.

Continua a não se limitar muito a gestão e a expansão de eucalipto. Devia, naturalmente, ser plantado ou cultivado, mas em zonas relativamente restritas, que não fossem ampliadas e onde a espécie seja viável.

Esse cenário, em relação aos eucaliptos, é hoje ligeiramente diferente?
Infelizmente, creio que não. Continua a não se limitar muito a gestão e a expansão de eucalipto. Devia, naturalmente, ser plantado ou cultivado, mas em zonas relativamente restritas, que não fossem ampliadas e onde a espécie seja viável. Devia fazer-se uma gestão adequada também para ter mais rendimento do terreno que se está a ocupar. Ou seja, é possível ter mais produção de madeira por ano se os métodos forem bem conduzidos e bem cuidados, em vez de se deixar, como vemos muitas vezes na paisagem, crescer centenas ou milhares de pequenas árvores num pequeno terreno. Portanto, este tipo de melhor rendimento, seria uma coisa desejada, sem reduzir drasticamente a produção de madeira, que nós também precisamos.

Como é que isso pode ser feito?
Por um lado, em zonas relativamente circunscritas, onde o eucalipto possa, de facto, ser rentável. Por outro lado, devia estar compartimentado, e não estar em extensões contínuas de monocultura. Devia estar compartimentado com um mosaico de outras espécies, de zonas verdes, neste caso com zonas agrícolas e até extensões de água.

Passando agora para o plano das decisões políticas. O que é que continua a falhar ainda hoje?
É difícil dizer, porque têm sido tomadas muitas decisões políticas, sobretudo ao nível da legislação, da produção de leis e de normas e ao nível da reorganização das entidades. Há, no entanto, uma questão que me parece delicada na estruturação e na articulação das várias entidades: a organização do território em termos de distritos.

Pode detalhar melhor essa questão?
A certa altura, o nosso país encaminhou-se para abandonar os distritos e passar a ter todas as entidades e toda a estrutura de gestão dos incêndios, desde a prevenção até ao combate, baseada nas nuts iii (regiões). Aquilo que se verifica é que nem todas as entidades que estão a trabalhar no sistema adotaram essa nova forma de organização. E isso tem criado algumas dificuldades quando se trata de conjugar e de reunir capacidades a nível territorial. Há entidades que acabam por ter de estar em dois ou três sítios, porque a sua organização territorial não coincide com as que estão ao lado. Essa é uma dificuldade que nós, no Observatório Técnico Independente da Assembleia da República, de que fiz parte, tínhamos avisado e previsto e que agora constatamos, como seria de esperar, que há algumas dificuldades exatamente neste campo. Não sei como é que isso será resolvido, mas há uma dificuldade, certamente, para se fazer esta articulação de modo mais estreito e que é fundamental para que no terreno todos se encontrem.

Falamos apenas das mudanças na estrutura da Proteção Civil?
Não é só a Proteção Civil. Por exemplo, a GNR tem uma estrutura, a Proteção Civil tem outra. Enfim, as câmaras municipais estão inseridas nas comunidades intermunicipais, que coincidem com as nuts iii. Há algum desacerto entre as várias divisões territoriais quando se passa do nível nacional para o nível regional e depois para o nível intermunicpal, que eram antes os distritos. Aí é onde existe uma falta de acerto na organização das várias entidades.

Esta falta de articulação verifica-se no combate aos incêndios que têm deflagrado nas últimas horas?
Admito que sim. É claro que agora não se pode pôr isso em evidência, até porque estamos na altura do combate, portanto têm de se juntar todas as forças possíveis, independentemente destas discrepâncias. Mas seguramente na fase de preparação — em que se estiveram a fazer reuniões, a fazer preparativos, até se calhar treinos, vários simulacros –, entre várias entidades e instituições, pode ter havido dificuldades. Espero que agora, na altura da intervenção, elas não venham ao de cima, mas claramente é uma dificuldade que tem de ser suprida e que tem de ser ultrapassada o quanto antes. E isso são decisões políticas que têm de ser tomadas. Não podemos ter uma instituição a ir por um lado e outra a ir por outro. Alguma coisa tem de ser feita para ultrapassar esta dificuldade.

Aquilo que eu noto, e tenho acompanhado a atividade deste ministério nos últimos anos, é que não há propriamente alterações ou mudanças significativas nas orientações e no que se propõe fazer.

E como viu as mudanças no Ministério da Administração Interna? Acha, por exemplo, que poderão ter provocado alguma instabilidade? 
Acho que essas mudanças foram surgindo naturalmente, embora fossem consequência, muitas vezes, das crises que houve, nomeadamente dos incêndios. Claro que este Ministério da Administração Interna é um ministério muito difícil, que tem muitos problemas, que lida com imensas situações complicadas. Portanto, é muito fácil que se crie um desgaste nas estruturas e nas pessoas. Parece-me perfeitamente natural que haja essas mudanças. Agora, aquilo que eu noto, e tenho acompanhado a atividade deste ministério nos últimos anos, é que não há propriamente alterações ou mudanças significativas nas orientações e no que se propõe fazer.

Para não fugirmos do campo das decisões políticas: o SIRESP continua a falhar? 
Este é um assunto muito técnico. Sei que em 2017 houve falhas desta natureza. Entre outras razões, pela falta de transmissores ou retransmissores, que permitiam que houvesse zonas sombra no território. Isso, creio, foi de alguma forma colmatado com a aquisição e utilização de meios móveis, de veículos que fazem a retransmissão do sinal. Houve também, e julgo que na altura isso foi reportado, falhas devido à deficiente utilização do equipamento. Neste caso, pela falta de preparação e de formação dos próprios agentes e, naturalmente, houve falhas devido à destruição provocada pelo próprio incêndio, casos em que as torres eram destruídas. Tanto quanto sei, e julgo que a situação está bastante melhor, tenho ouvido reportar algumas falhas mais pontuais. Não creio que tenha havido uma falha tão generalizada como era apontada aqui há quatro, cinco anos.

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As falhas mais recentes podem colocar em causa o trabalho no terreno? 
Admito que sim. Por aquilo que tenho ouvido dizer, numa determinada localização, houve uma ocasião em que o sistema SIRESP não respondeu, ou não estava a dar uma boa cobertura das comunicações. Mas em quase todo o território existe cobertura da rede de telemóvel e, mesmo não sendo propriamente uma ferramenta de trabalho, todos nós temos um telemóvel. Em último recurso, pode utilizar-se, desde que naturalmente essa rede não tenha sido danificada.

Agora indo ao programa Aldeia Segura, Pessoas Seguras, que começou a ser implementado depois dos incêndios de 2017 — está a ter resultados?
De um modo geral, daquilo que conheço e acompanhei, estou convencido de que é um programa que não teve a projeção que devia. É um programa que se destina a criar condições de segurança para a população em geral e, em particular, para a população que reside nos espaços do interior do país, nas aldeias que possam estar mais sujeitas ao risco de incêndio. Estas populações deviam ter uma atenção prioritária e devia haver um grande investimento em termos humanos e até em termos financeiros para criar essas condições. Aquilo a que tenho assistido, pelo menos nos primeiros anos de intervenção deste programa, é bastante insuficiente face ao que se devia fazer com estes territórios. Recordo-me daquilo que é feito noutros países, em que há programas semelhantes. Trabalha-se com as comunidades, preparam-se e formam-se pessoas nas comunidades, mas de forma continuada, não apenas com ações isoladas, que são feitas de vez em quando com entrega de materiais, com realização de simulacros, ou com alguma intervenção mais ou menos mediática. Não sei se agora, com estas verbas que estão a ser aplicadas, o projeto vai ter uma expansão e uma dimensão maior. Espero que sim.

Relativamente às condições em que estamos, existe muita, muita preocupação, exatamente por estas coisas que temos estado a falar -- das necessidades de mudança, de transformação da paisagem e da gestão da floresta. Continuam a não ver grandes alterações. Há realmente apreensão e preocupação. 

Em 2017, falou-se da manutenção das instalações elétricas. Continuamos a ter esta falha?
Pelo menos em 2018 e em 2019, continuaram os registos de casos de ignições de incêndios pela linha elétrica. Quero crer que terá havido já alguma mudança neste campo e também um maior cuidado em relação à necessidade de fazer a manutenção das linhas de média tensão. Creio que tem havido alguma mudança de atitude.

Tem certamente contacto com quem está no terreno. Quais são as preocupações destes profissionais?
Contacto muito com bombeiros que praticam nas nossas ações de formação, que visitam o nosso laboratório e, naturalmente procuro sair e vou ao terreno para falar com as pessoas. Relativamente às condições em que estamos, existe muita, muita preocupação, exatamente por estas coisas que temos estado a falar — das necessidades de mudança, de transformação da paisagem e da gestão da floresta. Continuam a não ver grandes alterações. Há realmente apreensão e preocupação.

Tendo em conta tudo o que foi dito, que erros é que foram cometidos em 2017 que ainda continuam a existir? 
É difícil dizer. Já nessa altura dizia que o mais importante era chegar às pessoas. É claro que se têm feito algumas campanhas de sensibilização e tem-se procurado aproveitar a mudança de mentalidade que as pessoas tiveram após 2017, mas esse trabalho não foi suficiente.

Temos, em boa parte, ainda um pouco de negligência. Por exemplo, na defesa do espaço envolvente das casas, na preparação e até na forma como as pessoas vão, com muito boa vontade, ajudar a defender o fogo de calções, em tronco nu, portanto, sem a mínima preparação.

O que é preciso fazer?
Devia haver um trabalho mais aprofundado com as pessoas, no sentido de as preparar para a realidade das mudanças climáticas que estamos a ter. E de as preparar para o facto de termos este tipo de problemas com maior gravidade e que temos de nos habituar a conviver com ele, mas de uma forma um pouco mais ativa, no sentido de evitar a negligência e aquela indiferença, de pensar que o problema é com os outros e que nunca nos acontece.

Isso ainda acontece?
Continuamos a ver através das imagens que são transmitidas dos incêndios deste ano pessoas a dizer que nunca pensaram que isto lhes iria acontecer a elas. Temos, em boa parte, ainda um pouco de negligência. Por exemplo, na defesa do espaço envolvente das casas, na preparação e até na forma como as pessoas vão, com muito boa vontade, ajudar a defender o fogo — de calções, em tronco nu, portanto, sem a mínima preparação. São este tipo de coisas que temos, a pouco e pouco, de mudar. Essa foi a principal falha: lidar com as pessoas.

Independente de tudo o que pode ser feito, o risco de incêndio vai continuar a aumentar. Tendo em conta os meios e planos que temos neste momento, Pedrógão pode repetir-se? 
Infelizmente, sim. Pedrógão, ou algo ainda pior, pode repetir-se. Quer em termos de intensidade do fogo, quer em extensão de área ardida e, digamos, em efeitos e circunstâncias do fogo. Agora, o que não podemos deixar que se repita é a tragédia, a perda de vidas, isso é que não podemos deixar que aconteça. Mas todos os cenários de mudança climática vão no sentido de que estas coisas tendem a ser cada vez mais frequentes.

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