Há dois anos, construímos uma carteira de ações baseada no indicador bolsista mais antigo do mundo. Um ano depois, ganhou 21,04%. Nessa altura, desenhámos outra carteira que segue a estratégia simples de seleção de ações. Voltou a ganhar: 9,32%. Nos dois anos, a tática organizada pelo Observador acumulou uma rentabilidade de 32,33%, o equivalente a 14,88% por ano.

Modéstia à parte, é uma boa marca. Nenhum dos principais índices de bolsa conseguiu melhor no mesmo período. (O lisboeta PSI 20 perdeu 14,52%, por exemplo.) As ações mundiais renderam, em média, 22,32%, segundo a evolução do índice MSCI World. Os fundos de investimento em ações comercializados em Portugal ganharam, em média, 12,46%, quase menos 20 pontos percentuais do que o desempenho da carteira do Observador.

Na carteira recomendada há um ano, destaca-se a Navient, uma empresa norte-americana que gere e recupera créditos governamentais para educação. Embora já estivesse a ganhar na altura, a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos da América forneceu-lhe um novo alento. Registou um ganho de 59,27%.

Brexit e Trump não pararam a carteira
Metade das ações sugeridas em novembro de 2015 tiveram prejuízos, mas os ganhos das restantes mais do que compensaram as perdas.
Empresa Rácio preço-lucros Rentabilidade
17/11/2015 a 23/11/2016
Bolsa
17/11/2015 23/11/2016
Goodyear 3,15 7,70 -2,98% Nasdaq
United Continental Holdings 3,35 7,36 22,82% Nova Iorque
Land Securities 4,66 14,61 -33,68% Londres
Navient 4,88 7,17 59,27% Nasdaq
HP 5,45 9,52 17,42% Nova Iorque
Micron Technology 6,05 negativo 31,41% Nasdaq
GlaxoSmithKline 6,51 246,48 -1,19% Londres
Tegna 7,08 10,75 -14,55% Nova Iorque
Valero Energy 7,33 13,21 -2,05% Nova Iorque
3i Group 7,70 3,92 16,75% Londres
Fonte: Bloomberg, Financial Times. Rentabilidade em euros incluindo reinvestimento dos dividendos.

De que precisam os investidores para replicar a estratégia do Observador? Além de dinheiro para aplicar e de acesso às principais bolsas mundiais através de um intermediário financeiro, apenas necessitam de pouco mais do que cinco minutos por ano.

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O mais antigo indicador de bolsa

Foi Benjamin Graham, o primeiro guru de bolsa, em conjunto com David Dodd, seu colega no corpo docente da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, quem lançou o rácio preço-lucros (P/L) para a ribalta das praças financeiras. No livro que publicaram em 1934, “Security Analysis”, os professores indicaram que um rácio de 16 “é o máximo que pode ser pago na compra de um investimento em ações”. Em 1949, no livro “The Intelligent Investor”, Graham calculou um indicador justo de 8,5 para as ações de uma empresa que não consiga crescer.

Como o nome indica, o rácio preço-lucros (também conhecido por price-earnings ratio, PER ou P/E) resulta da divisão da cotação da ação pelos lucros que lhe são atribuídos em um ano. Podem ser calculados dividindo o preço pelos resultados líquidos por ação ou dividindo o valor de mercado da empresa (número de ações multiplicadas pelo preço, também conhecido por capitalização bolsista) pelos lucros totais.

O rácio indica ao investidor que compre ações hoje quantos anos demoraria a recuperar o investimento assumindo que a empresa manteria os lucros anualmente e que os distribuiria integralmente como dividendos aos acionistas. Por isso, em princípio, quanto mais baixo o rácio P/L, mais barata está a ação. Não se desejam indicadores negativos, porque refletem prejuízos em vez de lucros.

Cinco minutos em contrarrelógio

O rácio preço-lucros pode ser uma métrica insuficiente na seleção de ações, porque ignora muitos aspetos dos negócios das empresas. Este indicador não incorpora, por exemplo, o endividamento das firmas ou a experiência dos administradores. No entanto, pode ser muito valioso para quem quer simplificar a escolha de títulos.

Face aos resultados dos dois últimos anos, o Observador voltou a concretizar a estratégia simples que usa o P/L como referência. A busca usou a ferramenta de pesquisa de ações do Financial Times, disponíveis a todos os leitores. Tal como nos dois últimos anos, investigámos títulos listados nas dez praças mais acessíveis aos portugueses (Lisboa, Madrid, Paris, Amesterdão, Bruxelas, Frankfurt, Milão, Zurique, Londres e Nova Iorque) e que são componentes dos principais índices mundiais. Filtrámos pelas sociedades com rácios P/L inferiores a dez, com valores de mercado superiores a dois mil milhões de euros e cujas ações tenham mais recomendações de compra do que de venda. Em cada setor, escolhemos a firma com o P/L mais baixo, de modo a garantir alguma diversificação à carteira. Limitámos a carteira a dez títulos.

Uma dezenas de ações de P/L baixo
Cinco minutos são suficientes para encontrar estes títulos através do portal do Financial Times.
Empresa Bolsa Rácio preço-lucros Descrição
General Motors Nova Iorque 3,87 É o maior construtor automóvel da América do Norte.
3i Group Londres 3,92 É uma empresa londrina de capital de risco.
American Airlines Nasdaq 4,95 É uma das grandes companhias aéreas dos Estados Unidos da América.
Fibria Celulose Nova Iorque 5,45 Esta empresa brasileira é a maior produtora de celulose branqueada de eucalipto.
UniCredit Milão 6,32 É o sétimo maior banco cotado na Europa por receitas.
Endo International Nasdaq 6,58 Comercializa produtos farmacêuticos, incluindo medicamentos genéricos.
Merlin Properties Madrid 6,75 É uma sociedade de investimento imobiliário focada no mercado ibérico.
Navient Nasdaq 7,17 Esta empresa gere e recupera créditos governamentais para formação nos EUA.
Magna International Nova Iorque 8,05 Produz componentes para a indústria automóvel.
Sabesp Nova Iorque 8,25 Gere o sistema de fornecimento de água no estado de São Paulo, no Brasil.
Fonte: Bloomberg, Financial Times, empresas. 23 de novembro de 2016

As ações do britânico 3i Group e da norte-americana Navient são as únicas que são repetentes face à carteira publicada no ano passado.

Antes de replicar esta estratégia, analise as empresas. A rentabilidade de 32,33% nos dois últimos anos não garante um bom desempenho no próximo ano. Investir no mercado acionista é arriscado, porque nem todos conseguem suportar a volatilidade de curto prazo. Seis meses depois de termos publicado a carteira anterior, a rentabilidade estava em -17,27%. Conseguiria ficar quieto com essa desvalorização?

David Almas é analista financeiro independente registado na CMVM com o número oito. O autor trabalha subordinado ao Código Deontológico dos Jornalistas.