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O que é o Grupo Espírito Santo (GES)?

O Grupo tem as suas origens em 1869, ano em que José Maria do Espírito Santo e Silva fundou a Casa de Câmbios que, em 1920, daria origem ao Banco Espírito Santo. Nos anos 1930, a instituição financeira seria objeto de fusão com o Banco Comercial de Lisboa e passou a liderar o setor bancário em Portugal.

O BES, na época BESCL, iniciou a internacionalização na década de 1970, mas o Grupo sofreu um revés quando da nacionalização dos bancos e seguradoras em 1975. As operações foram reconstruidas a partir do estrangeiro, em mercados como a Suíça, Brasil, França e Estados Unidos e, em 1986, o Grupo fundou em Portugal o Banco Internacional de Crédito.

O processo de expansão na área financeira recebeu um forte impulso com a compra do BESCL, entre 1991 e 1992, durante a operação de privatização da instituição, e da seguradora Tranquilidade, também alienada pelo Estado. O Grupo detém, também, o Banco Espírito Santo de Investimento, além de diversas unidades que operam em países como Espanha ou Angola.

O crescimento do Grupo não se limitou ao setor financeiro. A RioForte, holding que, até há pouco tempo, tutelava os negócios não financeiros, acumulou posições no imobiliário, turismo, agropecuária, energia e saúde, com interesses em Portugal, Brasil e em diversos mercados africanos, como Angola e Moçambique. Entre as empresas do Grupo Espírito Santos encontram-se os Hóteis Tivoli, a Herdade da Comporta e a Espírito Santo Saúde.

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Quem manda no Grupo?

No topo da estrutura do Grupo estão cinco acionistas tradicionais, todos ligados por laços familiares, excepto aquele que é constituído pelos herdeiros de Mário Mosqueira Amaral, administrador do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa quando a instituição financeira foi nacionalizada, em 1975, e que ajudou a refundar o Grupo a partir do estrangeiro.

A família de Mário Mosqueira Amaral, gestor que faleceu em março de 2014, detém 15,57% da holding de topo do GES, a Espírito Santo Control (ESC). O ramo de Ricardo Salgado está na posse de 17,05% daquela empresa. António Ricciardi, pai de José Maria Ricciardi, por sua vez primo direito de Ricardo Salgado, é detentor de 17,84% e José Manuel Espírito Santo tem 18,53%.

A posição de maior dimensão está nas mãos de Maria do Carmo Moniz Galvão Espírito Santo Silva. Viúva de Manuel Ricardo Espírito Santo, antecessor de Ricardo Salgado na liderança do BES, controla 19,37% do capital da ESC. São estes cinco ramos familiares que constituem o núcleo duro do Grupo e que integram o respetivo Conselho Superior, onde são tomadas as decisões estratégicas e se discutem e decidem temas como a sucessão nos cargos mais relevantes.

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Como está organizado o Grupo?

A partir da Espírito Santo Control (ESC) desenvolve-se uma cascata de holdings que desce até ao BES e a outras empresas que atuam nas áreas financeira e não financeira do Grupo. A ESC detém 51% da Espírito Santo International (ESI), com o restante capital distribuído por investidores institucionais.

A ESI dispõe da totalidade das ações da Rio Forte, que está na posse de 49,4% da Espírito Santo Financial Group (ESFG), sociedade cotada na Euronext Lisbon. É esta holding que, finalmente, participa no capital social do BES, com 25,1%, sendo, também, detentora da totalidade das ações da seguradora Tranquilidade.

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Quais são os problemas que o BES enfrenta?

As situações mais graves foram reveladas através do prospeto de aumento de capital que o banco realizou em junho de 2014. O documento mostrou, num exercício que o Expresso apelidou de strip tease, os diversos riscos a que a instituição financeira está exposta, entre os quais o de incumprimento das obrigações de reembolso de empréstimos e pagamento de juros por parte de clientes.

No final de março, o crédito em risco representava 11,1% da carteira total do BES e o banco reconheceu que a sua exposição era “superior à média do setor”. Esta situação resultava de a carteira de crédito a empresas representar, em 2013, 73,4% do total de financiamento concedido, quando a média entre os bancos portugueses era de 53,3%, numa área de negócio afetada pela crise económica e em que o registo de incumprimentos pelos devedores é “superior” ao que se verifica no crédito a particulares.

Entre 2011 e 2013, o banco efetuou provisões para perdas relacionadas com o crédito malparado num valor superior a 2.420 milhões de euros. Mas os problemas não terminavam aqui. O prospeto da operação que permitiu ao BES ir ao mercado recolher mil milhões de euros para reforçar a solvabilidade, acrescentou haver uma “significativa concentração” de crédito em “determinados grupos de clientes”.

No final de 2013, os 20 maiores clientes do banco, excluindo outras instituições financeiras e devedores soberanos, representavam 12,6% da exposição global do BES ao risco de crédito. A somar a esta situação, o banco também revelou estar especialmente vulnerável aos setores dos serviços prestados às empresas e ao imobiliário, áreas de atividade em que o valor dos créditos vivos era superior a 13 mil milhões de euros no final do ano passado, isto é, um quarto do valor total do crédito a clientes, de acordo com o balanço e as demonstrações financeiras.

A crise “bateu forte” no BES, afirmou Ricardo Salgado, presidente executivo da instituição, numa entrevista ao Jornal de Negócios. E os resultados ilustram as palavras do banqueiro. A instituição não distribui dividendos desde 2010 e os resultados de 2013 foram negativos em 517,6 milhões de euros.

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Qual é a situação da Espírito Santo International?

Esta holding está envolvida em situações de natureza diversa. Com o objectivo de se financiar, a empresa emitiu dívida de curto prazo, em forma de papel comercial, que foi subscrita por subsidiárias do BES, entre as quais dois fundos de investimento geridos pela ESAF, a gestora de ativos do Grupo, e colocada junto de clientes do banco.

Aqueles fundos, ES Liquidez e ES Rendimento, chegaram a ter 80,95% e 55,8%, respetivamente, do valor total das suas carteiras aplicadas em papel comercial emitido por empresas do Grupo, num total de 1.808 milhões de euros, segundo o Jornal de Negócios. A legislação que entrou em vigor a 1 de novembro de 2013 veio impedir os fundos de deterem mais de 20% da carteira aplicada em ativos emitidos ou garantidos por empresas relacionadas com a sociedade gestora, neste caso a ESAF.

No final de 2013, o valor daqueles instrumentos que estava ainda por reembolsar superava três mil milhões de euros e mais de metade referia-se a investidores não institucionais, grupo que engloba os clientes que aplicaram dinheiro através da rede comercial do BES. No relatório de auditoria às contas da ESI relativas a 2013, a KPMG alertou para esta situação e para as potenciais dificuldades de reembolso.

Na sequência, a Espírito Santo Financial Group emitiu uma garantia e constituiu uma provisão no valor de 700 milhões de euros destinada a assegurar que a ESI conseguiria cumprir as obrigações com que se comprometeu perante os aforradores. Em meados de maio, o papel comercial detido por investidores institucionais tinha o valor de 564 milhões de euros, enquanto os credores particulares estavam na posse de instrumentos de dívida avaliados em 395 milhões de euros.

 

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Que irregularidades foram detetadas na ESI?

Os problemas da ESI não se esgotam nas emissões de papel comercial e nos respetivos riscos de incumprimento de uma holding com endividamento elevado, que totalizava 7.300 milhões de euros no final de 2013 e na qual tem um peso importante a dívida de curto prazo.

A auditoria da KPMG também detetou “irregularidades” nas contas relativas a 2013 e chegou à conclusão que a empresa apresenta uma “situação financeira grave”, com a ocultação de passivos e a sobrevalorização de ativos. Uma inspeção realizada pela Espírito Santo Financial Group também detetou “irregularidades materialmente relevantes”.

No prospeto do aumento de capital concretizado em junho de 2014, o BES reconheceu que aquela situação poderia “afetar a reputação” do banco, tendo em conta que “alguns dos anteriores membros do conselho de administração da ESI são administradores da ESFG e do BES” e que “a ESI detém participação qualificada, ainda que de forma indireta, no capital do BES”.

Os problemas nas contas da “holding” familiar começaram em 2008, quando da eclosão da crise financeira. De acordo com a versão que o ex-contabilista do Grupo, Francisco Machado da Cruz, contou ao Expresso, foi decidido camuflar 180 milhões de euros do passivo daquela sociedade gestora de participações sociais e o buraco contabilístico agravou-se até atingir, em 2013, 1,3 mil milhões de euros. Francisco Machado da Cruz foi, entretanto, afastado do cargo.

A pedido do Banco de Portugal, a ESI foi alvo da auditoria pela KPMG e esta empresa detetou as irregularidades praticadas, que comunicou, em janeiro passado, à autoridade de supervisão.

Em entrevista ao Jornal de Negócios, Ricardo Salgado disse desconhecer a situação mas, nas declarações que prestou ao semanário da Impresa, Machado da Cruz garantiu que o banqueiro sabia de tudo desde 2008, assim como o controller financeiro do grupo, José Castella. Os dois responsáveis, revelou o contabilista, aprovavam as contas da ESI, que se encontra em situação de falência técnica, antes de serem submetidas aos restantes administradores.

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Por que quis o Banco de Portugal o afastamento de Ricardo Salgado?

A prioridade do Banco de Portugal tem sido a de tentar assegurar que o BES fica protegido dos problemas financeiros que estão concentrados na ESI e que os seus responsáveis estejam livres de terem de vir a responder pelas irregularidades encontradas nas contas daquela holding.

Desde que teve conhecimento das irregularidades na ESI e da situação financeira alarmante desta empresa, a autoridade de supervisão exerceu pressão para que o banco procedesse à eleição de uma nova administração no BES, integrada por gestores independentes, sem ligações aos cinco ramos familiares que se confrontam pelo poder no braço financeiro do Grupo, ao mesmo tempo que pediu a saída de todos os elementos que representassem os acionistas tradicionais.

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Por que falhou a tentativa de José Maria Ricciardi de tomar conta do BES?

Numa reunião do conselho superior do Grupo Espírito Santo realizada a 8 de junho, José Maria Ricciardi, presidente do Banco Espírito Santo de Investimento (BESI), tentou garantir a sua nomeação como sucessor de Ricardo Salgado no comando do BES. Mas os cinco ramos familiares estão divididos e o banqueiro, que recusa responsabilidades nos problemas da ESI, apenas conseguiu ter do seu lado três dos respetivos representantes.

Ricardo Salgado, que mantém um braço-de ferro com Ricciardi, mostrou-se desfavorável à solução, assim como José Manuel Espírito Santo. Os restantes ramos da família manifestaram apoio à saída protagonizada pelo líder do BESI que mais tarde explicaria ser indispensável, “para fazer face aos desafios que o Grupo enfrenta (…) não só a coesão de todos os ramos familiares representados no Conselho Superior, como ainda a unanimidade do seu voto”.

José Maria Ricciardi acabaria por renunciar a todos os cargos de gestão no Grupo, incluindo aquele que ocupava no BES, a pretexto de se dedicar em exclusivo ao desenvolvimento da instituição a que preside.

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Como surgiu o nome de Amílcar Morais Pires para a liderança do BES?

Com o Grupo incapaz de encontrar uma solução consensual para a eleição de um novo órgão de gestão, o Banco de Portugal manteve a pressão para a saída de Ricardo Salgado, e de todos os membros da família, e para o desenho de uma solução rápida de sucessão.

A 19 de junho, depois de um encontro com o governador do banco central, Carlos Costa, o conselho superior voltou a reunir-se. Desta vez, o ainda presidente executivo do BES tinha uma carta na manga.

Ricardo Salgado anunciou a renúncia à presidência do BES e sugeriu, como seu sucessor no cargo, o administrador com o pelouro financeiro, Amílcar Morais Pires. Quatro ramos da família deram apoio, exceto aquele que é liderado por António Ricciardi.

O gestor favorito de Ricardo Salgado, que é visto como uma solução de continuidade, não tem ainda a “luz verde” do Banco de Portugal. A autoridade de supervisão só se pronunciará após a assembleia geral de acionistas do banco que está agendada para 31 de julho de 2014 e disse-o num comunicado emitido logo após a divulgação dos nomes propostos para a gestão do BES.

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Para que queria Ricardo Salgado os 2,5 mil milhões de euros que tentou angariar?

Na semana que antecedeu a renúncia à liderança do BES e a proposta de sucessão de Morais Pires, Ricardo Salgado tentou encontrar financiamentos no valor de 2,5 mil milhões de euros. O Observador noticiou que o banqueiro pediu, pessoalmente, ajuda ao primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que a negou ao considerar que o Estado não devia envolver-se nos problemas de um grupo privado.

O Expresso revelou que Salgado fez uma tentativa de conseguir financiamento em Angola, mas a resposta foi, igualmente, negativa. Os contactos com o Governo português terão começado em maio, com a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, escreveu o semanário.

O objetivo era o de a Caixa liderar um sindicato bancário nacional que investisse na Espírito Santo International e na Rioforte, que é hoje a holding central do grupo. A pretensão de Ricardo Salgado era a de obter um empréstimo, com juros bonificados, de 2,5 mil milhões de euros, que ajudaria o grupo a respirar de alívio para fazer face a compromissos de curto prazo. A demissão de líder do grupo aconteceu depois das duas recusas.