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O que é o hidrogénio verde? E para que pode ser usado?

O hidrogénio, no seu estado puro e à temperatura ambiente, é um gás. É, aliás, o elemento químico mais simples que existe na natureza (ocupa o primeiro lugar na tabela periódica dos elementos) e também o mais abundante em todo o Universo: estima-se que 75% de toda a massa do Universo seja composta por átomos de hidrogénio. Identificado no século XVIII pelo químico inglês Henry Cavendish, o hidrogénio tem tido diversas utilizações ao longo dos últimos dois séculos — incluindo, por exemplo, para sustentar no ar os famosos zepelins do início do século XX, uma vez que é 14 vezes mais leve do que o ar.

Porém, apesar de ser a substância mais abundante do Universo e uma das mais abundantes que se encontram à face da Terra, as moléculas de hidrogénio (H2) são muito difíceis de encontrar isoladas (ou em estado livre) na natureza. Por isso, para o obter, é preciso separá-lo de outros elementos, recorrendo aos materiais onde ele existe. Essa separação pode ser feita através de vários métodos — e é aqui que entra a designação “hidrogénio verde”. A substância, embora seja sempre igual, recebe designações por cores consoante o método de produção que lhe deu origem. Hoje em dia, são dois os processos mais comuns de produção de hidrogénio:

  • O primeiro é a reformação. Expondo um hidrocarboneto (como o gás natural, o diesel ou o carvão) a altas temperaturas, a reação do combustível com o vapor de água vai produzir hidrogénio. Este é o processo mais comum e estima-se que 95% de todo o hidrogénio produzido atualmente seja feito com recurso ao gás natural. A este chama-se “hidrogénio cinzento”, uma vez que o processo de produção emite dióxido de carbono. Se a produção for acompanhada de processos de captura do carbono emitido, chama-se ao produto final “hidrogénio azul”.
  • Outro processo é a eletrólise da água, que consiste na separação direta do hidrogénio (H2) e do oxigénio (O2) a partir da água (H2O), utilizando uma corrente elétrica para estimular a divisão das moléculas. Se a energia elétrica usada no processo tiver origem em fontes renováveis, então o hidrogénio produzido chama-se “hidrogénio verde”, já que durante o processo de produção não foi emitido dióxido de carbono.
Hydrogen filling station in Thuringia

Alguns projetos-piloto já usam o hidrogénio como combustível sustentável para automóveis

A partir daí, o hidrogénio pode ser utilizado para diversas funções, sobretudo na produção industrial, mas também no armazenamento de energia. Do lado da indústria, destaca-se a utilização no fabrico de produtos químicos, na refinação dos combustíveis, na produção de metais e na produção de fertilizantes.

De acordo com a Associação Portuguesa para a Promoção do Hidrogénio (AP2H2), o hidrogénio é também “a forma mais eficiente de armazenar energia produzida por fontes renováveis” — o que significa que pode revolucionar também o setor da energia. Na sua página de internet, a AP2H2 explica que “a aplicação preferencial para o hidrogénio é em pilhas de combustível que são dispositivos capazes de converter, de forma limpa e eficiente, hidrogénio e oxigénio em eletricidade e calor”.

Por isso, assegura a associação, “o hidrogénio é um elemento chave do novo paradigma energético” e um “combustível alternativo aos hidrocarbonetos”. Numa pilha de combustível, composta por átomos de hidrogénio e de oxigénio, “o hidrogénio produz diretamente energia elétrica (reagindo com o oxigénio ao ar)” e “o subproduto da reação é a água”. Isto significa que uma pilha de hidrogénio pode alimentar o motor elétrico de um carro, comboio ou avião e a única coisa que vai emitir para a atmosfera é vapor de água — além de produzir uma pequena quantidade de calor.

Além de não ser poluente, o hidrogénio é ainda mais eficiente do que os habituais combustíveis fósseis. Ainda segundo a AP2H2, “a energia contida em 1 kg de H2 equivale a 2,84 kg de gasolina”.

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O hidrogénio já é usado hoje? Em quê?

A utilização de hidrogénio verde em massa para alimentar a indústria e a mobilidade em larga escala é ainda uma realidade do futuro, embora se multipliquem já por todo o mundo vários projetos-piloto que estão a testar esta possibilidade.

Contudo, o hidrogénio — embora não obtido de forma verde — tem vindo a ser usado em múltiplas aplicações ao longo dos últimos anos. Muitas destas não estão diretamente relacionadas com a produção e armazenamento de energia (por exemplo, para o processamento de alimentos, para a produção de fertilizantes ou para a refinação de petróleo).

Por outro lado, desde a década de 1950 que a NASA utiliza o hidrogénio líquido, que é altamente inflamável, como combustível para os veículos espaciais. E, mais próximo ainda da utilização que se pretende dar hoje à substância, já se utilizam células de hidrogénio há vários anos para fornecer energia aos sistemas elétricos dos veículos espaciais.

Atualmente, as principais aplicações do hidrogénio já consolidadas relacionam-se essencialmente com a utilização direta da substância na indústria e na produção de combustíveis fósseis — e trata-se quase sempre de hidrogénio produzido com emissão de dióxido de carbono. O uso de hidrogénio verde com o objetivo de descarbonizar a indústria e, acima de tudo, a mobilidade, é ainda um processo em desenvolvimento.

Um dos principais projetos-piloto está em curso na cidade de Linz, na Áustria, onde, em novembro do ano passado, entrou em funcionamento uma das maiores fábricas de hidrogénio verde do mundo. A central, que consegue produzir mais de 6 megawatts (MW), foi construída enquanto protótipo para testar a capacidade do hidrogénio verde para alimentar um complexo industrial: neste caso, uma unidade de produção de aço. A fábrica produz hidrogénio através do processo de eletrólise com recurso a tecnologia da Siemens e recebeu um financiamento de 18 milhões de euros em fundos europeus.

Hydrogen production plant opened

As instalações utilizam eletricidade produzida através de métodos renováveis para produzir o hidrogénio

A central austríaca viria a ser destronada já em março deste ano como a maior do mundo pelo complexo instalado em Fukushima, no Japão, perto do local onde ocorreu o desastre nuclear de 2011. Ali, um consórcio que inclui a Toshiba, a energética Tohoku e a agência pública japonesa de promoção das energias renováveis construiu uma fábrica de produção de hidrogénio verde a partir de energia solar que consegue produzir até 100 kg de hidrogénio numa hora.

Também este é um projeto-piloto, mas focado na mobilidade: o objetivo é produzir células capazes de alimentar protótipos de carros movidos a hidrogénio e também os autocarros que seriam usados nos Jogos Olímpicos de Tóquio deste verão (que a pandemia da Covid-19 obrigou a adiar e que ainda podem acabar por ser cancelados).

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Portugal vai produzir hidrogénio?

É essa a vontade do Governo português. Em novembro de 2019, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, anunciou a intenção do Governo de instalar uma unidade de produção de hidrogénio verde em Sines alimentada a energia solar. O projeto pretende ser uma unidade de produção de hidrogénio 100% sustentável: a energia elétrica usada para a eletrólise será toda produzida num parque fotovoltaico que vai ser instalado no local.

A localização não surge do acaso: é ali que se encontra uma das duas últimas centrais a carvão do país. A central termoelétrica de Sines vai fechar portas em janeiro de 2021, depois de a EDP ter antecipado o encerramento das centrais a carvão que explora na Península Ibérica (a outra, do Pego, que não é da EDP, fecha no final de 2021). É nos terrenos daquela central que o Governo pretende instalar a nova unidade de produção de hidrogénio — embora não seja ainda clara a forma como as instalações podem ser reaproveitadas. O Governo pretende, na medida do possível, que haja uma reconversão dos equipamentos, mas a EDP já disse que, por motivos técnicos e económicos, não será possível aproveitar as instalações usadas para a queima do carvão para a eletrólise da água.

O principal projeto em cima da mesa, o H2Sines, resulta de um consórcio encabeçado pela EDP, Galp e outras empresas nacionais e tem como objetivo a produção de hidrogénio para exportação. Uma das primeiras ideias equacionadas (no âmbito de um consórcio luso-holandês que não chegou a avançar) era exportar o hidrogénio verde produzido em Sines, por via marítima, para o porto de Roterdão, na Holanda. Ali, o hidrogénio deverá alimentar um dos principais centros industriais do mundo, que atualmente utiliza hidrogénio cinzento — ao mesmo tempo que, na ideia do Governo, Portugal se assume como o maior centro de produção de hidrogénio verde do sul da Europa.

O secretário de Estado da Energia, João Galamba, tem sido o membro do Governo português responsável pela estratégia do hidrogénio

Segundo contas do Governo português, o projeto de Sines — que é um eixo fundamental da estratégia nacional para a transição energética — representa um investimento que já foi estimado entre os 2,85 e os 3,5 mil milhões de euros. A fábrica poderá criar 5 mil novos postos de trabalho e, quando estiver a funcionar, terá a capacidade para produzir 465 mil toneladas de hidrogénio verde por ano e para eliminar a emissão de 18,6 de toneladas de dióxido de carbono por ano.

Mas o Governo português pretende, em simultâneo, implementar iniciativas no setor dos transportes (rumo à descarbonização, com base no uso de células de hidrogénio e de combustíveis sintéticos à base de hidrogénio) e na indústria nacional, ao mesmo tempo que quer promover na academia e na indústria a investigação científica em torno das potencialidades do hidrogénio. Contudo, não há ainda informações concretas sobre como o país vai operacionalizar estas ambições.

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Quando vai ser possível ter esta tecnologia a funcionar?

Não é ainda certo quando é que o projeto-piloto português poderá arrancar. Numa entrevista ao Eco em janeiro, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, afirmou que se trata de “um grande projeto industrial com um horizonte de desenvolvimento até 2030 e além dessa data”. Classificando mesmo a fábrica de hidrogénio como “o maior projeto industrial em Portugal desde o 25 de Abril”, Galamba assegurou que a construção “nunca começará antes de 2021”. Recentemente, o Ministério do Ambiente admitiu que ambiciona que “as primeiras unidades de eletrolisadores entrem em operação em 2022”.

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E como vai ser financiada?

O Governo português pretende que a construção da fábrica para a produção de hidrogénio possa beneficiar de financiamento da União Europeia.

Numa entrevista ao Observador em fevereiro deste ano, João Galamba destacou que o objetivo é que o projeto seja considerado pela Comissão Europeia como um IPCEI (sigla inglesa para Projeto Importante de Interesse Comum Europeu), o que lhe permitirá ter acesso a fundos mais relevantes ligados à inovação. “O Governo quer garantir que este projeto existe em Portugal, mas quem o concretiza são as empresas”, alertou o secretário de Estado.

João Galamba: “O país não tem de se auto-mutilar economicamente para garantir a sustentabilidade”.

Se este projeto for considerado um IPCEI, cada subprojeto terá acesso a fundos europeus, geridos por Portugal e, sobretudo, pela própria Comissão Europeia. Portugal e Holanda estarão preparados para apresentar uma candidatura, mas depois cabe à empresa ou consórcios de empresas”, sublinhou Galamba, recordando que o financiamento do projeto poderá também passar pelo Banco Europeu de Investimentos (BEI), “que dá grande prioridade ao hidrogénio”.

Noutra entrevista, ao Eco, Galamba chegou a pôr em cima da mesa a possibilidade de o projeto — caso seja considerado um IPCEI — ser “financiado a 100%” pelo Innovation Fund.

No que toca a valores, no início do ano chegou a ser noticiado que a central de hidrogénio implicaria um investimento de 3,5 mil milhões de euros. Na Estratégia Nacional para o Hidrogénio, aprovada em maio, o Governo fixou o valor de 2,85 mil milhões de euros para o investimento base associado ao projeto.

Hybrid power plant Enertrag

O processo de eletrólise usa a eletricidade para separar os dois componentes fundamentais da água: o hidrogénio e o oxigénio

No mesmo documento, o Governo diz-se confiante na capacidade do projeto e que “a abrangência e a robustez industrial do projeto de Hidrogénio em Sines para a concretização dos objetivos da UE, vão ao encontro dos requisitos do estatuto IPCEI, já que o reforço da cooperação transfronteiriça e regional permitirá reduzir os preços de acesso à transição para as energias limpas, entre outras repercussões positivas no mercado interno e na sociedade Europeia”.

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O que é a estratégia nacional para o hidrogénio?

A Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2) é um documento de quase 100 páginas aprovado em maio deste ano pelo Governo com o objetivo de promover o recurso ao hidrogénio como fonte e armazenamento de energia e como matéria-prima para uma indústria mais sustentável. O documento encontra-se ainda em consulta pública, mas já é possível perceber, através da versão de trabalho, quais são os principais objetivos estratégicos do país neste âmbito. Sines é o projeto central para impulsionar o hidrogénio no país, mas a estratégia nacional vai além dele.

Governo estima que produção de hidrogénio mobilize investimentos de 7 mil milhões até 2030

Até 2030, o Governo espera que a produção de hidrogénio mobilize investimentos de até 7 mil milhões de euros. A EN-H2 enquadra-se num outro documento, de âmbito mais abrangente, que detalha os objetivos nacionais no que toca à política ambiental para a próxima década — o Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030. De acordo com esse plano, o país pretende reduzir, até 2030, as emissões de gases com efeito de estufa entre 45% e 55% (um passo rumo ao objetivo assumido nas Nações Unidas de alcançar a neutralidade carbónica até 2050).

Até ao final da próxima década, de acordo com os grandes objetivos da EN-H2, o Governo quer que 5% do consumo final de energia em Portugal tenha origem no hidrogénio, bem como 5% do consumo no transporte rodoviário, 5% do consumo na indústria e 15% do injetado nas redes de gás natural. O Governo prevê ainda que em 2030 existam em território nacional entre 50 e 100 postos de abastecimento de H2 e que a produção de hidrogénio no país permita reforçar a indústria do gás natural ao ponto de reduzir em entre 300 e 600 milhões de euros as importações de gás natural. No total, o Governo prevê gastar até 900 milhões de euros em apoios ao investimento e à produção de hidrogénio em Portugal.

De acordo com o comunicado do Governo a propósito da aprovação da EN-H2, o objetivo da estratégia é “promover a introdução gradual do hidrogénio, enquanto pilar sustentável e integrado, numa estratégia mais abrangente de transição para uma economia descarbonizada”.

A estratégia coloca a central de Sines como “projeto âncora à escala industrial” para fomentar a produção de hidrogénio em Portugal, mas inclui — embora sem detalhes — outros objetivos.

Primeiro, a “descarbonização do setor dos transportes”: o Governo diz querer “promover e apoiar o hidrogénio e os combustíveis sintéticos produzidos a partir de hidrogénio, em complemento com a eletricidade e os biocombustíveis avançados”. A ideia é o hidrogénio contribuir como “solução para alcançar a descarbonização deste setor”.

O hidrogénio deverá também assumir um papel preponderante na indústria nacional, por representar “uma oportunidade para a descarbonização de muitos subsetores”, como a “metalúrgica, química, extrativa, vidro e cerâmica, cimento”.

Por fim, a estratégia prevê a criação de um “laboratório colaborativo para o Hidrogénio”, que seja uma “referência a nível nacional e internacional” para desenvolver investigação “em torno das principais componentes relevantes da cadeia de valor do hidrogénio, e que potencie o desenvolvimento de novas indústrias e serviços, alicerçada em recursos humanos altamente qualificados”.

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E a nível europeu, o que vai ser feito?

A estratégia portuguesa para o hidrogénio enquadra-se — e até se destaca — numa estratégia europeia: a Aliança Europeia para o Hidrogénio Limpo. A ideia desta aliança foi anunciada pela primeira vez em março, no âmbito da estratégia industrial europeia, como iniciativa destinada a “acelerar a descarbonização da indústria e manter a liderança industrial” da União Europeia.

De acordo com a declaração fundadora da aliança — que foi lançada já em julho —, o objetivo é que o hidrogénio seja progressivamente introduzido na produção de energia e na indústria da União Europeia de modo a contribuir para a neutralidade carbónica até 2050. E há metas concretas: até 2024, Bruxelas quer que exista na União Europeia a capacidade instalada para 6 gigawatts a partir de hidrogénio verde; em 2030, a UE espera que a potência gerada a partir de hidrogénio verde seja já de 40 gigawatts.

Uma primeira estimativa produzida pela indústria do setor a nível europeu prevê que, até 2030, sejam feitos investimentos na ordem dos 430 mil milhões de euros em toda a União Europeia em projetos relacionados com o hidrogénio verde. Os esforços de introdução do hidrogénio verde na rede energética europeia deverão ser coordenados por esta aliança, que junta os Estados-membros, a indústria, os sindicatos, a academia, as empresas tecnológicas, os investidores e organizações não-governamentais.

Portugal, e especialmente o projeto pensado para Sines, ocupa um lugar central na estratégia da UE. Até 2030, Portugal prevê construir eletrolisadores (os equipamentos responsáveis pela eletrólise, o processo sustentável de produção de hidrogénio) com capacidade para 2 gigawatts. Metade desta potência (1 GW) estará instalada na fábrica de Sines.

FRANCE-AUTO-HYDROGEN

A União Europeia espera que o hidrogénio possa entrar em massa na cadeia de produção e consumo de energia nas próximas décadas

Na apresentação da aliança europeia, em julho, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, que representou Portugal, afirmou que o país pretende lançar já este ano para financiar projetos de hidrogénio verde, com uma verba máxima de 40 milhões de euros. Galamba destacou que a ideia é que estes concursos se repitam anualmente até 2030, o que poderá representar uma verba de 400 milhões de euros investidos por Portugal em projetos de hidrogénio verde só nestes concursos.

Galamba adiantou que Portugal está disponível a ir mais longe na aposta no hidrogénio verde e a “comprometer-se com metas de produção mais ambiciosas que satisfaçam a procura europeia” se a aliança europeia for capaz de “criar condições para o transporte de longa distância e para a comercialização do hidrogénio”.

O Governo já recebeu 74 candidaturas a projetos para a produção de hidrogénio verde, num total de 16 mil milhões de euros. Estes projetos foram analisados por um comité especializado, que aprovou 37 para passarem à segunda fase.

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Porque é que este documento originou polémica?

Nas semanas seguintes à sua aprovação, a Estratégia Nacional para o Hidrogénio foi alvo de diversas críticas, com origem quer no setor ambientalista quer numa série de personalidades portuguesas.

A associação ambientalista Zero afirmou que a estratégia ficou “aquém” do objetivo de acelerar a descarbonização da economia portuguesa por manter uma “ligação demasiado forte” ao gás natural. Embora reconhecendo que o documento é um “contributo relevante” para a transição energética, os ambientalistas lamentam que a visão para o hidrogénio esteja ainda associada a usos pouco sustentáveis.

Ambientalistas da Zero dizem que estratégia do hidrogénio fica aquém do desejado

Queimar hidrogénio numa central térmica ou em equipamentos domésticos em casa é, como princípio e nas condições atuais, errado, e não é uma solução de futuro por razões de eficiência comparativamente com o recurso a eletricidade 100% renovável”, diz a associação ambientalista, num longo texto em que aponta várias críticas à estratégia e deixa 15 tópicos relativamente aos quais entende que é necessário fazer alterações.

Mas a face mais visível da crítica à EN-H2 surgiu do manifesto “Tertúlia Energia”, assinado por personalidades como Abel Mateus, Mira Amaral, Henrique Neto ou Ribeiro e Castro, a que se juntam diversos engenheiros, professores catedráticos e especialistas em energia. O manifesto propõe-se expor “os erros da Estratégia Nacional para o Hidrogénio” e aponta as “muitas incertezas do ponto de vista tecnológico” e acusa o Governo de “apostar em tecnologia emergentes e muito arriscadas para armazenar eletricidade à custa dos consumidores”.

Manifesto diz que estratégia do Governo para o hidrogénio é um “erro”

O manifesto teve um impacto tal que o secretário de Estado da Energia, João Galamba, entrou na discussão para mostrar a sua “total perplexidade” com o documento.

O manifesto é um manifesto anti-hidrogénio, anti-eólicas, anti-solar, anti-Europa e anti-fundos europeus. É colocar Portugal como uma espécie de Coreia do Norte, à margem das fontes de financiamento”, afirmou João Galamba durante uma conferência virtual organizada pela Ordem dos Engenheiros. “Seria uma profunda irresponsabilidade dizer não a todo o quadro de fundos da União Europeia.”

Galamba lamentou ainda que “engenheiros reputados do país não percebam” os benefícios de investir no hidrogénio verde e afirmou que “a descarbonização não é um devaneio do Governo português”.

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Quais são os argumentos contra e a favor?

O manifesto “Tertúlia Energia” aponta vários argumentos contra a estratégia portuguesa para o hidrogénio verde:

  • Em primeiro lugar, as “muitas incertezas do ponto de vista tecnológico” e o facto de as aplicações do hidrogénio serem ainda — e “nos próximos vinte anos” — as “mais caras”. Para os subscritores do manifesto, a estratégia “mantém as graves consequências do regime da Produção em Regime Especial, que apoiou precocemente tecnologias renováveis intermitentes e imaturas, continuando a apostar em tecnologias emergentes e muito arriscadas para armazenar eletricidade à custa dos consumidores”.
  • Os subscritores apontam também argumentos técnicos. Afirmam, por um lado, que ainda só existem protótipos de 5 megawatts “capazes de produzirem hidrogénio com pureza suficiente para abastecer células de combustíveis” — “muito abaixo” do 1 gigawatt previsto para Sines.
  • Por outro lado, é também argumentado que “não tem racionalidade económica investir na produção de hidrogénio a partir da eletrólise da água alimentada por renováveis intermitentes pelo menos nos próximos dez anos”, uma vez que tudo indica que o hidrogénio verde deverá ter um custo de entre 5 e 7,5 euros por quilograma (contra os 1,5 euros por quilograma do atual hidrogénio cinzento).
  • O manifesto ataca também a estratégia económica de redução das importações de gás natural pela via da utilização do hidrogénio juntamente com o gás natural. “Para um pequeno País de economia aberta não faz qualquer sentido uma estratégia de substituição de importações, e mesmo assim só teria mérito se reduzisse o custo para o utilizador final”, dizem, argumentando que “o consumidor final verá a sua fatura do gás subir entre 15 e 30%”.
  • Além de tudo isto, o manifesto explora a confusão entre o hidrogénio usado em combinação com outros gases para aquecimento e o hidrogénio destinado a pilhas de combustível para veículos, para destacar “o grau de imaturidade tecnológica”.
  • Por outro lado, os subscritores do manifesto afirmam que há vários custos associados à produção do hidrogénio que não foram tidos em conta pelo Governo, designadamente os associados à água usada (que tem de ser tratada antes do processo) e ao transporte para as cavernas de armazenamento.
  • “Não podemos repetir o maior erro na introdução maciça das renováveis na década dos anos 2000 que foi o investimento em tecnologias que ainda estavam imaturas. Entrar na economia do hidrogénio em força como o Governo pretende é repetir,  com custos ainda mais elevados, esse erro”, resume o manifesto.
  • Já no texto da Zero, os ambientalistas apontam algumas preocupações ambientais — nomeadamente no que toca ao excessivo enfoque do uso do hidrogénio com o gás natural — e também na exportação: “Muito antes de pensar em exportar hidrogénio é necessário utilizá-lo de modo a suprimir a utilização de combustíveis fósseis no território nacional”.
Government Announces National Hydrogen Strategy

Em Portugal, as opiniões sobre a estratégia para o hidrogénio dividem-se

Em resposta a estes argumentos, o Governo replicou, essencialmente, no que toca às questões económicas:

  • No Twitter, João Galamba rejeitou o argumento da incerteza e do risco do investimento, salientando que o financiamento será oriundo dos fundos europeus. “Quando se perceber que os fundos europeus e o BEI só financiam aquilo que 30 personalidades consideram ser um erro e um delírio, e que haverá fortes penalizações para quem não cumprir essa agenda, gostaria imenso de perceber que novo manifesto escreveriam essas 30 personalidades”, escreveu o secretário de Estado com a pasta da energia.

  • Numa conferência promovida pela Ordem dos Engenheiros, Galamba respondeu também ao argumento da falta de maturidade da tecnologia. “Se a tecnologia estivesse madura, comprava-se na Amazon. É exatamente por não estar madura que é uma oportunidade para as empresas e instituições portuguesas”, afirmou o secretário de Estado.
  • De um ponto de vista técnico, foi a Associação Portuguesa para a Promoção do Hidrogénio (AP2H2) que surgiu em defesa do projeto do Governo, com um documento intitulado “O erro do Manifesto para a recuperação do crescimento e estabilização económica pós-Covid19”. No texto, a associação diz respeitar os subscritores do manifesto, mas discorda “justificada e frontalmente” do conteúdo, que classifica como “simplista” e desconfiada.
  • A AP2H2 afirma que não seria “eticamente sustentável” que Portugal se marginalizasse de participar no “esforço coletivo” assumido pela União Europeia de “atingir a neutralidade carbónica em 2050”.
  • Salientando que também considera que a estratégia do Governo “fica aquém da ambição que se justifica já hoje”, a associação que reúne a indústria do hidrogénio diz que o manifesto contra a estratégia tem várias “lacunas de análise”, “imprecisões” e “afirmações não devidamente sustentadas sobre o atual estado da arte e sobre as projeções económicas que à data de hoje poderemos fazer”.
  • Relativamente aos custos financeiros de investir no hidrogénio enquanto a tecnologia ainda não está completamente desenvolvida, a associação afirma ainda que seria uma “falácia” e uma “afirmação puramente demagógica” considerar que o custo da descarbonização seria zero euros.

Explicador atualizado às 14h05 de 29 de julho com a correção de duas imprecisões relativas ao consórcio luso-holandês e ao uso do hidrogénio com o gás natural.