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A Catalunha quer ser independente. Desde quando?

Quer ser independente há quase tanto tempo como a idade de Portugal. A Catalunha sempre foi uma região com características muito próprias. Nasceu, politicamente, há mais de mil anos, como uma região mediadora entre árabes e cristãos. Na Idade Média consolidou essa posição e expandiu a sua influência muito além das suas fronteiras, dominando o comércio no Mediterrâneo. Aragão foi um mini-império comercial.

Durante o Renascimento, a dinastia catalã perdeu o seu trono para a Casa Real de Castela por não ter descendentes – ainda assim, a Catalunha manteve sempre um espírito político próprio de uma nação independente. Não participou na expansão marítima empreendida por Castela e, por isso, foi perdendo a sua influência como potência comercial. Depois da guerra entre França e Castela, que os espanhóis venceram, em 1714, o garrote centralizador do governo esmagou ainda mais o espírito dos catalães, que se tinham aliado à França na Guerra da Sucessão.

Nos cem anos seguintes, a Catalunha tentou reavivar as suas características, mas até falar catalão tinha sido proibido. Foi o desenvolvimento industrial que voltou a dar alento aos catalães que se mantém hoje como o seu grande trunfo frente ao governo espanhol.

Até 1931, os sucessivos governos espanhóis tentaram sempre dominar a Catalunha, mas nesse ano a Generalitat (o nome do governo autónomo catalão) foi reconduzida ao poder. Em 1936 a Espanha mergulhou numa Guerra Civil que haveria de desaguar numa ditadura militar que se prolongaria ao longo de mais de 40 anos. De novo a Catalunha se viu sacrificada pelo poder ditatorial, mais de 3,500 catalães foram assassinados, o dialeto foi novamente a proibido e os seus músicos, escritores e pintores perseguidos pela permanente oposição cultural que faziam ao franquismo.

Em 1977, o franquismo caiu, mas a Catalunha não queria ter nada a ver com Espanha. Começou uma onda de reivindicações pela total independência que nunca mais abrandou. Em 2010, o Tribunal Constitucional espanhol rescindiu parte do estatuto de autonomia que tinha sido dado à Catalunha de Artur Mas, então Presidente, em 2006, e sublinhou não haver base legal para o reconhecimento da Catalunha como um país independente porque isso colocaria em causa a unidade territorial de Espanha.

Os protestos foram imediatos e a crise de 2008 só veio aprofundar as divisões: a região da Catalunha, com uma economia que, sozinha, representa 20% do PIB espanhol, considerou injusto ter que ir em socorro de um país mais pobre, com menos emprego, do qual não consideram fazer parte. Em 2012, Mas tentou de novo aplacar a insurgência pedindo a Mariano Rajoy que revisse as contribuições da região para o bolo orçamental espanhol — perto dos 16 mil milhões de euros anuais pelas estimativas mais conservadoras. A braços com uma crise financeira sem precedentes, Madrid disse “não”.

Nos últimos anos, a adesão à causa independentista tem aumentado. Todos os anos, a 11 de setembro, o dia Nacional da Catalunha, manifestantes enchem as ruas a pedir a independência, mas basta olhar para as varandas espalhadas pelas várias províncias catalãs: a “Estrelada”, bandeira da região, pende de varandas e parapeitos.

Miquel Iceta, líder do Partido Socialista Catalão, acha que isso se deve ao medo: ao medo das crises económicas, ao medo do populismo mas, também, ao medo do que é estranho, como o terrorismo: “As pessoas têm medo. São tempos incertos e muitas consideram que, se se concentrarem em comunidades pequenas, estarão protegidas”, disse o político ao jornal Financial Times.

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O referendo agendado para dia 1 de outubro vai para a frente?

Pode ir, mesmo sem o aval do governo central, que se opõe, desde 2009, a qualquer referendo sobre a independência.

Em junho de 2017, o Governo catalão voltou à carga anunciando a realização de um novo referendo a 1 de outubro de 2017. Este novo plebiscito da Catalunha foi colocado em marcha pelo Governo regional liderado por Carles Puigdemont, e o Parlamento catalão tem, de facto, uma maioria de deputados separatistas que, nesta quarta-feira, dia 6 de setembro, aprovou a lei que permite realizar o referendo. O projeto de lei para a realização deste referendo independentista na Catalunha passou com o voto a favor dos 72 deputados das coligações Junts pel Sí e Candidatura de Unidade Popular e 11 abstenções.

Mas a lei deve esbarrar no Tribunal Constitucional, do qual se espera ainda, nesta quinta-feira, uma decisão sobre se suspende ou não a lei. De acordo com a imprensa espanhola, o bloqueio à lei será o desfecho mais provável. Na ausência de sustentabilidade constitucional, a Generalitat invoca o direito à auto-determinação. Mas com Madrid não há entendimento. O governo do Partido Popular, liderado por Mariano Rajoy, não cede. Por outro lado, também o Conselho Europeu já disse que qualquer votação tem que estar “perfeitamente alinhada com a Constituição”, o que não é o caso.

O governo da região autónoma, porém, não se dá por vencido. Alguns analistas dizem que este pode ser o início de uma das mais profundas cisões na sociedade espanhola desde o tempo da ditadura. Uma sondagem do diário El Español mostra quão grandes podem revelar-se as cisões internas: 39,3% dos espanhóis considera que a suspensão total da autonomia da Catalunha é um castigo justo para os devaneios independentistas da região. É sintomático, mesmo que um número muito próximo (38,4%) rejeite esta opção.

A lei aprovada pelo parlamento regional dará “legalidade catalã” à realização do referendo (sem precisar da aprovação de Espanha), mas a vice-primeira-ministra, Soraya Saenz, veio retirar o tapete a Puigdemont, garantindo que Madrid anulará a lei assim que ela seja aprovada em Barcelona.

A todos os catalães, a todos os espanhóis, quero dizer que mantenham a confiança no futuro porque as ilusões autoritárias nunca derrubarão a serenidade e a harmonia do nosso estado democrático”, disse, por seu lado, o primeiro-ministro Mariano Rajoy.

Tal como já aconteceu antes, o governo de Madrid ameaçou abrir procedimentos legais contra os deputados que estão a promover um referendo que é em tudo proibido pela lei geral do país. Artur Mas, ex-presidente da Generalitat, foi afastado da política durante 21 meses depois de ter feito parte da organização do “referendo” de 2014.

Mantém-se, porém, uma figura central na política catalã e já repetiu várias vezes que não acredita que Espanha possa abrir processos a milhares de pessoas e que, por isso, “é preciso ir votar sem medo”. “Se eles virem milhares de pessoas nas ruas o que vão fazer, quem vão enviar?”. Uma pergunta desafiante deixada por Mas numa entrevista ao diário britânico Financial Times.

E se, até agora, ambos estavam a tentar resolver as coisas através do diálogo, o governo central começou a franzir o sobrolho: o fundo criado em 2012 para a ajudar as regiões autónomas com as suas dívidas está a ser monitorizado ao milímetro para garantir que nem um euro é usado na organização do referendo. Também têm sido feitos mais interrogatórios por parte da polícia a alguns dos membros mais “radicais” do movimento secessionista. Sobre quem é questionado pende a potencial acusação de sedição.

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Já houve outros referendos?

Nenhum oficial. Houve duas consultas populares sem força legal, mas com grande peso simbólico e que deram ao movimento separatista uma força que não teriam se estas consultas não se tivessem realizado. Sem elas, não teria sido possível tomar o pulso à vontade do povo, que alinhou, em ambas as ocasiões, ao lado dos independentistas.

Uma destas consultas realizou-se em 2009, na cidade de Arenys de Munt. No boletim de voto perguntava-se aos 8.600 habitantes da montanhosa região se queriam ser independentes de Espanha: 96,2% disseram que sim. Dois meses depois, a 13 de dezembro, realizou-se um outro referendo popular, em 167 municípios da Catalunha, no qual os seus habitantes foram convocados a responder à seguinte pergunta: “É a favor que a Catalunha seja um Estado de direito, independente, democrático e social, integrado na União Europeia?”. Foram convocados às urnas 700 mil votantes e participaram na consulta 200 mil pessoas. O “sim” venceu com valores pouco abaixo de 95% dos votos, frente ao “não” com 3,52%. Ao longo dos dois anos seguintes, mais 553 localidades votaram pela independência — quase um milhão de pessoas. Os resultados foram todos semelhantes.

Em 2014, houve nova consulta, novamente sem vínculo legal. No dia 12 de dezembro de 2013, o Governo da Catalunha anunciou que a data para o referendo sobre a independência estava definida para 9 de novembro de 2014 e iria conter uma pergunta com duas partes: “Quer que a Catalunha seja um Estado?” e, “Se sim, quer que este Estado seja independente?” O governo espanhol declarou pouco depois a sua intenção de bloquear o referendo, afirmando que este “não seria realizado”, porque “a Constituição não autoriza qualquer comunidade autónoma a submeter a votação ou a um referendo as questões relacionadas com a soberania nacional”.

O Tribunal Constitucional de Espanha impediu a realização de um referendo “oficial”, mas mesmo assim, tal como estava marcado, no dia 9 de novembro de 2014 foi feita uma consulta popular sobre a independência da Catalunha, sem caráter vinculativo. Os resultados desta consulta, em que participaram 2,3 dos 6,3 milhões de catalães com direito a voto, deram uma vitória de 80,72% ao “sim” em ambas as perguntas.

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Quem são os protagonistas da batalha pela independência?

  • Charles Puigdemont, chefe do Executivo catalão. Ferrenho independentista, está no governo em nome da coligação Juntos pelo Sim, que aglutina o partido independentista PDeCAT (Partido Democrata Europeu Catalão) e o ERC (Esquerda Republicana da Catalunha). Tem chocado com Mariano Rajoy e promete declarar a Catalunha um país independente 48 horas depois de um voto no “sim”. Se a maioria votar pela continuidade, então serão realizadas “imediatamente” eleições regionais para que um novo governo seja eleito, possivelmente um que não seja pró-independência.

https://twitter.com/Massoud_Dryazi/status/905547933550084096

  • Pacto Nacional pelo Referendo. É uma plataforma que junta o governo da Catalunha a todas as instiuições, partidos, agentes sociais e outros grupos que apoiam a consulta.
  • CUP (Candidatura de Unidade Popular). é um partido comunista, pró-independência, anti-capitalista, que, apesar de apenas ter dez deputados no Parlamento, é essencial ao governo do Juntos pelo Sim, que não tem maioria absoluta. Há quem diga que é a sua pressão sobre Puigdemont que leva a que ele seja tão implacável com Madrid, jogando todos os dados numa luta pela independência que pode levar Mariano Rajoy a castigar a região, por exemplo, com a retirada de alguma da autonomia nas áreas da educação e da segurança social.
  • PODEM. É o franchising do Podemos na Catalunha. O partido não apoia que o referendo se realize unilateralmente, mas que se procure uma forma de que Madrid o reconheça para que também a Catalunha seja, depois do voto, reconhecida como nação independente caso vença o “sim”.
  • Catalunya en Comú. É uma coligação de esquerdas (Catalunha em Comum) sob a qual a atual Presidente da Câmara de Barcelona concorreu ao cargo. Antes de o ocupar, Ada Colau foi uma grande ativista contra a execução de hipotecas das casas por parte dos bancos às famílias mais vulneráveis. A lei que o proíbe acabou por entrar em vigor em março.
  • Entidades civis independentistas. A Assembleia Nacional Catalã, Òmnium Cultural, uma associação criada nos anos 1960 para promover a cultura e a língua da região e a Associação de Municípios pela Independência são exemplos de três entidades nascidas na sociedade civil que há muitos anos lutam pela independência da Catalunha e que estiveram na origem da organização de alguns dos maiores protestos secessionistas dos últimos cinco anos.
  • Carme Forcadell. A Presidente do Parlamento catalão, que se tem desdobrado em entrevistas à imprensa internacional, defende a independência. “Se o resultado for ‘sim’, seguir-se-ão negociações com o governo espanhol no caminho da separação. Não é tempo de negociar mais poderes para a Catalunha, isso já passou. A ideia seria apenas implementar o resultado”, adiantou ao diário The Guardian.
  • Artur Mas. Presidente de 2010 a 2015, mas uma figura dominante antes e depois do seu mandato. Foram as suas lutas por mais autonomia, negadas pelo Tribunal Constitucional, que deram força ao movimento. Em 2014, esteve na frente da realização do referendo informal à independência e, por este motivo, foi afastado da política por 21 meses por Madrid.

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Quais os principais argumentos a favor da independência?

Primeiro, os argumentos económicos.

Os apoiantes da independência consideram que a Catalunha — uma região onde o rendimento anual per capita é de 28.500 euros, comparado com os 23 mil no resto de Espanha –, não devia ser obrigada a suportar os gastos de outras regiões. Ou, visto de outro prisma, se se tornasse independente, a região poderia canalizar toda a sua (considerável) economia para os seus cidadãos e as suas necessidades. Segundo a página Debating Europe, o governo catalão envia todos os anos cerca de 16 mil milhões de euros para os cofres de Espanha.

Outros analistas argumentam que as decisões de Espanha se focam na ajuda a Madrid. Gerard Padró, catedrático de Economia na London School of Economics, disse à Vice que “todos os sucessivos governos espanhóis seguem uma lógica centralista, criando, por exemplo, uma rede de infraestruturas com epicentro em Madrid”.

Um relatório a que o El Confidencial teve acesso, redigido por um grupo de empresários favoráveis à independência, argumenta ainda que:

  1. Os 16 mil milhões de euros que a Catalunha entrega a Espanha impossibilitam que se criem pelo menos 70 mil postos de trabalho;
  2. As empresas catalãs poderiam pagar menos 60% de eletricidade porque muita da energia consumida em Espanha é ali produzida;
  3. A segurança social está em quebra em Espanha e consideram que um sistema destinado apenas à Catalunha podia solucionar o problema com as reformas futuras — mais rendimento per capita, mais dinheiro para o bolo e menos pessoas a recebê-lo. Uma “vantagem” que também está ligada ao aumento de emprego que os empresários preveem;
  4. As empresas com sede em Madrid teriam de abrir outras sedes na Catalunha gerando mais emprego. Os postos de trabalho no setor público também aumentariam porque teriam de ser criados serviços de raiz;
  5. O investimento do governo central na Catalunha tem continuado a cair: de 16% em 2003 para 9,5% do Orçamento do Estado em 2016.

A defesa da soberania democrática:

Nas palavras de Teresa Forcades, um freira catalã que se tornou uma das vozes mais sonantes do movimento separatista: “Sermos uma unidade política mais pequena significa que poderíamos escrutinar melhor os nossos governantes. As consequências das decisões políticas seriam mais transparentes, porque os cidadãos têm conhecimento direto dos assuntos que os preocupam: decisões que afetem a paisagem, problemas entre diferentes grupos sociais, repartição de riqueza e recursos, formas alternativas de energia, potencial de desenvolvimento económico”.

Na sua opinião, um estado pequeno também garante uma experiência social “mais humana”, onde “população, ativistas e associações cívicas trabalham mais perto uns dos outros”. Os independentistas veem este voto como uma possibilidade de mudar o sistema político, como forma de construir um país “do zero”, onde se possa tentar quase tudo o que não foi ainda tentado, mas cortar as amarras pode resultar nesse cenário idílico que o Juntos pelo Sim e os seus apoiantes têm pintado à população.

Roger Buch, professor na Universidade Ramon Llull e autor de “100 Motivos Para Ser Independentista“, escreve no seu livro que uma das mais pesadas razões para votar pela independência é o facto de Espanha não dar ouvidos às reivindicações catalãs: “O Estatuto de Autonomia não foi aprovado e nele estavam contidas as exigências de um povo que contribuiu muitíssimo para a economia e que, por isso, tem direito a declarar a língua catalã como oficial e a ampliar as competências fiscais e judiciais da região”.

Segundo o Col.lectiu Wilson, um grupo de economistas de Harvard e do MIT, que se juntou unicamente para produzir análises sobre o futuro de uma Catalunha independente, o plano, a longo prazo, até poderia resultar:

A independência da Catalunha seria claramente positiva a médio e longo prazo no que diz respeito às consequências económicas. Primeiro, eliminaria grandes e persistentes défices orçamentais. Esse défice com Espanha força o governo catalão a pedir dinheiro emprestado para cumprir as suas obrigações de gastos e por isso têm uma grande dívida. Em segundo lugar, seria permitido ao governo tomar decisões estratégicas importantes que afetam o potencial produtivo e o bem-estar dos seus cidadãos num mundo globalizado (políticas de proteção social, pensões, infraestrutura, educação, energia, emprego, inovação, transportes, tributação e combate à corrupção).”

Motivos a favor da cultura:

A Catalunha não se considera uma parte de Espanha. As touradas repugnam a maioria dos seus habitantes, não são fãs de flamenco e a sua orientação política esteve sempre mais à esquerda do que a de Madrid — e a forma como se vota também se torna parte da cultura.

Para muitos catalães, Espanha ainda é Castela, o reino conquistador, colonizador, que subjugou povos por todo o mundo. Além disso, não faltam intelectuais, escritores ou arquitetos de renome para considerarem ter uma cultura que os distingue do resto do país. Além disso, Barcelona é um íman de turistas (e nem os catalães gostam disso), os melhores restaurantes de Espanha estabelecem- se na região e aquela cidade tem uma das melhores equipas de futebol do mundo.

Outras razões:

  • Reestruturação do sistema legal. Demasiada burocracia imposta por Madrid significa que a constituição de uma empresa pode demorar meses, por exemplo;
  • Reestruturação do sistema judicial. A justiça está “parada”, escreveu Michelle Przemyk, autora catalã, no diário The Guardian;
  • O sistema de saúde é dos melhores da Europa, mas os atrasos e os custos estão a tornar-se insuportáveis porque os restantes habitantes de Espanha também viajam até à Catalunha para os utilizarem;
  • A Catalunha deixava de ser parte de uma monarquia, desligava-se ainda mais da Igreja e da influência capitalista de Madrid, argumenta no mesmo artigo o comentador político Nick Bedson.
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E quais são os argumentos contra a independência?

Teresa Freixes, professora de Direito Constitucional na Universidade Autónoma de Barcelona, começa por questionar o processo que, apesar dos argumentos dos separatistas, não considera democrático. “Não há lei sem democracia e não há democracia sem lei. Colocar a democracia à frente da Lei foi o que Hitler fez. A vontade das pessoas, das suas pessoas, acima da lei”, disse a professora ao diário Financial Times.

A Constituição é clara: o território é indivisível. Só se pode mudar este pressuposto alterando o texto de 1978 que foi aprovado por 90% dos catalães em referendo. Por isso, há muitas pessoas que, por princípio, se opõem à resolução aprovada pelo Parlamento catalão na quarta-feira: a de realizar a consulta sem autorização de Madrid.

Um outro argumento contra é também o económico: que é o mais pesado, quer para um lado da barricada, quer para outro.

A dívida com que a Catalunha ficaria, daquela que Espanha deve (1,138 milhões de milhões de euros), se fosse calculada em função dos 20% do PIB que a região representa, daria qualquer coisa como 200 mil milhões de euros. Dado que o PIB catalão está um pouco acima deste valor, a dívida pública no novo país ficaria perto dos 100%.

Mais grave: a Catalunha já não se consegue financiar, ou seja, emitir dívida no mercado e depende do mecanismo de financiamento às regiões autónomas (FLA, em espanhol) para financiar mais de 60% das suas necessidade de liquidez.

Exportações

Segundo o diário espanhol Público, há vozes dentro do setor empresarial catalão que se mostram preocupadas com o estado futuro das exportações. O maior parceiro comercial da Catalunha é França, mas a seguir surgem três regiões espanholas. É difícil calcular os prejuízos, seja em boicotes, seja na aplicação de tarifas aduaneiras ainda que temporárias, mas a estimativa do jornal é a de que um máximo de 30% das vendas ao exterior se possa perder. A consequência direta desta redução de lucros para as empresas seria o aumento do desemprego.

Na parte cultural também há vozes contra o argumento de que a Catalunha seja uma voz pouco ouvida em Espanha — para uma região autónoma, a Catalunha tem bastante auto-determinação: a sua língua é ensinada nas escolas, a região dispõe da sua própria força policial, controla a saúde, a educação e boa parte dos investimentos públicos.

A base cultural na qual Puigdemont se apoia para declarar a necessidade de independência também encontra críticas: a história de Espanha é comum à da Catalunha há mais de 500 anos. “Não haverá independência,” remata ainda Teresa Freixes ao Financial Times, acrescentando: “Um estado tem de ser reconhecido pela ONU e sem reconhecimento o que seríamos? O Chipre do Norte, a Palestina, a o Sahara Ocidental?”.

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Qual o impacto na economia espanhola?

Desde o início da sua história, como enclave cultural e comercial, que os catalães têm contribuído com a sua capacidade empreendedora para a economia espanhola. A região contribui com quase 20% para o PIB espanhol o que quer dizer que uma separação deixaria Espanha sem um quinto da sua economia.

De acordo com a OCDE, caso a Catalunha se tornasse um país independente, poderia ter um PIB avaliado em perto de 314 mil milhões de euros — maior do que o de Portugal ou de Hong Kong e equivalente ao de Israel, por exemplo.

Comparemos com a Escócia, que “apenas” representa 9,5% do PIB britânico. O governo central perderia muita da sua elasticidade para se sustentar e para, assim, financiar outras regiões que necessitem de apoio. Além disso, a Catalunha é o centro do comércio externo espanhol: 70% das mercadorias chegam aqui e só depois seguem para Espanha. O custo das tarifas, se a Catalunha se tornasse independente, seriam insuportáveis para Espanha. E mesmo que se chegasse a acordo para que estas não existissem, Espanha ainda teria de suportar os custos da movimentação de mercadoria.

Há um terceiro “problema”. É na Catalunha que se produzem 45% das exportações de tecnologia de ponta do país, como automóveis, chips, telemóveis, aparelhos de precisão médica, entre dezenas de outros produtos. A perda de uma tal “incubadora” significaria um enorme rombo no nível de confiança na economia espanhola, que ainda está a lutar para voltar à mesa dos grandes.

O impacto na dívida também seria grande: sem os 20% da Catalunha, a relação entre a dívida e o PIB seria de 115% e não, como atualmente, de 100%.

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Poderá uma Catalunha independente ser um novo país da União Europeia?

O tema da adesão à União Europeia (UE) é central no debate. Tanto o governo catalão como os vários organismos da União Europeia reconhecem que, em princípio, a Catalunha não entraria na UE — ou, pelo menos, não imediatamente. Não existe nenhum precedente legal, a situação seria única. A Escócia estava na calha para ser a cobaia da Generalitat, mas os escoceses optaram por permanecer no Reino Unido. Em qualquer caso, embora possa ser feito com uma espécie de via rápida, esta adesão exige a aprovação unânime de todos os membros, incluindo os países com medo de dar asas aos seus próprias nacionalismos, como França, Itália, Bélgica e Reino Unido.

O problema que muitos separatistas têm com aquilo que apelidam de “saque” fiscal é que Espanha distribui esse dinheiro em regiões mais pobres. Isto levanta um curioso paradoxo: a Catalunha na UE, sendo tão próspera como prometem algumas figuras de proa do movimento independentista, também teria de dar dinheiro a Bruxelas, que Bruxelas depois distribuiria por outros membros, entre os quais Espanha.

Além disso, continuaria a não poder escolher exatamente aquilo em que investir os fundos europeus, que seriam uma boa parte do dinheiro disponível, pelo menos durante os primeiros momentos da experiência separatista. E mais um pormenor: não seria Barcelona para as restantes províncias da Catalunha exatamente aquilo que os catalães consideram ser Espanha? Um “ladrão” de fundos conseguidos com muito trabalho?

Num cenário ideal, uma Catalunha independente seria reconhecida por Espanha, aceite como membro da União Europeia e de todos os tratados que a regem. Os impactos económicos seriam os descritos nas outras perguntas: 16 mil milhões de euros em impostos seriam retidos pela Catalunha apesar de não se saber qual seria o valor da sua contribuição para o orçamento da União Europeia.

A única forma de privar um país europeu e a sua população do acesso ao mercado único e ao espaço Schengen é se os restantes 27 país votarem em unanimidade para que isso aconteça. Sendo isto muito pouco provável, uma vez que a Catalunha, neste cenário, já seria um país europeu.

Mas nenhum responsável europeu admitiu, ainda, a hipótese. O ex-diretor dos serviços jurídicos do Conselho Europeu avisou até que “não, não é possível manter a Catalunha na União Europeia, porque, para isso, é preciso que um país esteja em total concordância com as normas, que tenha as instituições necessárias, que seja reconhecido internacionalmente e tem que passar pelo processo de candidatura normal”, disse Jean-Claude Piris à Voz de Galiza.

E caso a Catalunha não conseguir entrar na União Europeia? Alfons López Ten, membro do parlamento catalão entre 2010 e 2012, explica:

“Se Espanha conseguir vedar o acesso dos ‘párias’ à União Europeia, então começa uma guerra. A Catalunha sai do euro e do mercado único e ser-lhe-ão impostas tarifas aduaneiras como se fosse um país terceiro, não integrante da UE. Poderia dar-se início a uma guerra comercial em que os produtos catalães deixariam de ser vendidos em Espanha, onde geram 51 milhões de euros ao ano ou 19% do PIB da região”.

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O que indicam as sondagens?

O número de catalães que apoiam a independência está a diminuir. Uma análise do Centro de Estudos de Opinião, agência de sondagens do próprio governo, mostra que apenas 41,1% dos inquiridos desejam uma cisão com Espanha — um número que já esteve em 44,3% em março passado.

 

Apenas 54% admitem votar num referendo unilateral e apenas 12% consideram que este voto poderá, mesmo, levar à cisão com Espanha. Uma larga maioria, contudo, acredita que Espanha deveria autorizar o referendo, da mesma forma que o Reino Unido deixou que os escoceses escolhessem o seu destino.