No debate sobre o Estado da Nação, Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, acusou António Costa de ter criado o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), quando o socialista era ministro da Administração Interna no primeiro Governo de José Sócrates.

A tese

Numa altura em que são apontadas várias críticas à rede de telecomunicações de emergência, o objetivo do social-democrata era responsabilizar politicamente António Costa pelas falhas do SIRESP — uma das suas heranças políticas como ministro da Administração Interna de José Sócrates.

Mas a criação do SIRESP acompanhou quatro governos — António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates –, sofreu várias renegociações e foi alvo de vários pareceres que lhe apontava falhas. Terá razão Luís Montenegro quando diz que foi António Costa quem criou esta polémica Parceria Público-Privada?

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O que está em causa?

O SIRESP foi pensado e projetado ainda durante o Governo de António Guterres, quando foi criado um grupo de trabalho para estudar essa hipótese. Mas acabou por nunca sair do papel.

O projeto foi depois retomado com o Governo de Durão Barroso. Foi o Executivo PSD/CDS, através do então ministro Figueiredo Lopes, quem lançou o concurso e o caderno de encargos a que só podiam concorrer cinco empresas em todo o mundo. O processo foi conturbado desde o início. Quatro das cinco operadoras convidadas para o concurso em 2003 não apresentaram propostas. Só cinco fabricantes em todo o mundo poderiam concorrer: Siemens, EADS, OTE, Nokia e Motorola. O concurso teve apenas um concorrente e ficou sempre a suspeita de que tinha sido feito à medida, com um prazo muito curto de apenas 52 dias, no verão, quando devia ter sido de 90 a 120 dias, como diria depois o Tribunal de Contas.

Esse concorrente, num processo que foi muito contestado desde a origem e que chegou a ser investigado pelo Ministério Público, foi o o consórcio liderado pela SLN (agora Galilei) e outras três empresas, a PT, Motorola e a Esegur (do Grupo Espírito Santo e da CGD).

Com a ida de Barroso para o cargo de presidente da Comissão Europeia, coube ao Governo de Pedro Santana Lopes concluir o processo. O ministro da Administração Interna era Daniel Sanches, que provinha da administração da Plêiade, uma empresa da Sociedade Lusa de Negócios (SLN) — que detinha o BPN.

Seguiu-se nova troca de pastas. Santana cai, José Sócrates assume o cargo de primeiro-ministro e António Costa torna-se ministro da Administração Interna. Por duvidar da legitimidade do processo — a adjudicação foi concluída quando o Governo de Santana Lopes estava já em gestão –, o agora líder socialista decidiu pedir parecer ao Conselho Superior do Ministério Público, que se pronunciou então pela “nulidade” do concurso.

Com este parecer na mão, o Governo tinha, assim, caminho aberto para voltar a colocar o SIRESP a concurso. António Costa ponderou essa possibilidade, mas não o fez, ignorando, inclusive, uma alternativa mais barata da Optimus.

Costa não reabriu concurso do SIRESP mesmo com proposta mais barata da Optimus

Seguiram-se mais negociações e mais revisões do projeto inicial. Em 2006, o Tribunal de Contas apontava o dedo a António Costa e concluía que tinha existido “uma simplificação do procedimento de aceitação do sistema, por se considerar que os testes e verificação do desempenho previstos, bem como o sistema de penalização por falhas desenhado acautelavam de forma adequada os objetivos definidos para a rede SIRESP”.

O que é que isto quer dizer? Na prática, António Costa além de abdicar de várias valências previstas inicialmente no contrato, dispensou o período “experimental” por acreditar que estavam “acautelados os objetivos”.

Nesse mesmo relatório, o Tribunal de Costa era claro: foram “claramente violadas as normas” do contrato de adjudicação do SIRESP. Uma violação que era “suscetível de se repercutir negativamente no resultado financeiro do contrato” e que fundamentava uma eventual “recusa de visto”. Os juízes acabaram por optar, no entanto, por um “visto com recomendações”, onde apontavam para as várias fragilidades do negócio.

Mas, sendo este um processo transversal a três governos — Barroso, Santana e Sócrates — o Tribunal de Contas concluiu que os vários governos envolvidos no processo negocial optaram por “uma redução apreciável do objeto da prestação com uma redução do montante a despender”, sem tratarem de forma adequada do “princípio da estabilidade” negocial — o que implicou numa menorização do “princípio da concorrência”.

Primeiras renegociações do SIRESP implicaram corte de meios

Conclusão

A responsabilidade pela criação do SIRESP não pode ser assacada a António Costa. A responsabilidade pela criação foi dos governos de Durão Barroso e de Pedro Santana Lopes, que lançaram o concurso e o caderno de encargos e conduziram grande parte das negociações com o consórcio liderado da SLN. Mais: a primeira renegociação do contrato de adjudicação acontece ainda durante o consulado de Barroso. E foi um ministro de Santana Lopes a fazer uma adjudicação tão polémica que foi investigada pela Justiça, num processo arquivado em 2008.

António Costa teve caminho aberto para impedir a adjudicação de um sistema a quem todos reconhecem falhas. E não o fez. Mas atribuir-lhe a responsabilidade pela criação é errado. Montenegro só tem alguma razão porque Costa manteve a adjudicação ao mesmo consórcio em moldes que não eram radicalmente diferentes do que o Governo do PSD/CDS tinha decidido.

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