A imagem é cativante: de um lado, uma bolsa de leite materno com uma tonalidade mais habitual; do outro, uma bolsa com leite que aparenta ter uma cor verde fluorescente, algo que chama tanto à atenção como a palavra “COVID +” escrita a vermelho. É isto que vemos numa fotografia que tem sido muito partilhada nas redes sociais, tanto em Portugal como no Brasil, e que neste caso é acompanhada por uma descrição: “A coloração esverdeada do leite desta mãe diagnosticada com Covid pode parecer um mau sinal, mas pelo contrário: é resultado dos anticorpos que ela passou a produzir para proteger seu filho de uma possível infeção”, lê-se no primeiro paragrafo do tal descritivo.

“O leite materno é tão poderoso que é feito sob medida para atender as necessidades de cada bebé. E por isso a amamentação, que pode ser um processo difícil para tantas mães, nunca deve ser subestimada. Nosso corpo é capaz de muito – e não há nada de errado em dizer que existe certa mágica nisso”, continua a descrição. Apesar de existirem algumas verdades neste post, ele não está correto.

Data do dia 16 de janeiro de 2021 aquela que aparenta ser uma das primeiras partilhas da imagem em análise. Na página de Instagram @breastfeedingaversion, que tem quase 14 mil e 500 seguidores, surgem os referidos sacos de leite materno com uma legenda pouco clara. Afirma que “a mãe testou positivo quatro dias antes de retirar o leite com uma bomba” e que “o leite da mãe mudou para dar ao bebé aquilo que ele precisa”. Ou seja, a autora deixa em aberto uma associação de ideias bastante imediata, a de que a cor diferente do leite no saco “Covid” aconteceu por este ter “aquilo de que o bebé precisa” — determinados anticorpos, por exemplo. Tanto é que há vários comentários nesta publicação que dizem não haver provas científicas de que sejam passados anticorpos contra a Covid-19 no leite materno, algo que a autora chega a refutar argumentando que “não está lá escrito anticorpos”. Ainda assim, esta fotografia tornou-se viral.

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A publicação aqui em análise, no topo da notícia, foi partilhada na página de uma nutricionista portuguesa que, por sua vez, a retirou de uma revista brasileira chamada “TPM”, que tem mais de 20 anos e cerca de 220 mil seguidores no Instagram. Por sua vez, a revista “TPM” repartilhou a dita fotografia da @breastfeedingaversion com a seguinte afirmação: “A coloração esverdeada do leite desta mãe diagnosticada com Covid” era “resultado dos anticorpos que ela passou a produzir para proteger seu filho de uma possível infeção”, texto esse que a nutricionista portuguesa replicou e que não está correto.

O Observador mostrou esta publicação a Teresa Tomé, coordenadora de Neonatologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC), e a resposta foi bastante direta: “Não há fundamento nenhum para associar a infeção da Covid-19 a uma alteração da cor do leite. Isto é uma ideia um pouco peregrina, na minha opinião, e que não tem nenhuma evidência científica.” A mesma opinião é partilhada por Maria João Brito, responsável da Unidade de Infecciologia do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, que já tratou bebés recém-nascidos Covid-19 positivos, filhos de mães também elas positivas, que eram amamentados com leite materno “de aspeto normal”.

Carlota Veiga de Macedo, pediatra e especialista em lactação certificada pelo International Board of Lactation Consultant Examiners, diz ao Observador que, por muito que seja “ponto assente” que “o leite materno muda de cor”, isso acontece em casos como aquele que é citado pela mesma especialista: “Costumo mostrar uma fotografia com leites de várias cores, inclusive um azul, que é perfeitamente normal. Este azul fica assim por causa da proporção de um tipo de proteína.” 

Tanto Maria João Brito como Teresa Tomé são claras ao afirmar que não há provas científicas, pelo menos por enquanto, que associem a cor esverdeada do leite com a presença de anticorpos contra a Covid-19. O leite materno é universalmente considerado como o alimento mais indicado e completo para os primeiros meses de vida do bebé. Como diz a Coordenadora de Neonatologia do CHULC, “é verdade que há passagem de anticorpos através do leite materno”, algo que Maria João Brito também reconhece: “O leite materno tem valor nutricional e valor imunológico, passa alguns anticorpos de proteção (…) gerais, não específicos”. Ainda assim, continua a mesma especialista do Hospital Dona Estefânia, “uma mãe com Covid-19 não protege o seu filho de ter Covid-19 por causa do leite materno. Uma coisa são as defesas gerais que o leite materno transmite. Outra coisa é uma proteção específica para determinada doença. Isso é o nosso sistema imunológico que produz”, remata, para logo adiantar outra ideia que importa ressalvar: “Não há evidência de existir qualquer risco de transmissão de Covid-19 pelo leite materno.”

Ou seja, apesar da riqueza nutricional e imunológica do leite materno, que consegue passar alguns anticorpos gerais, não é verdade aquilo, ao contrário do que o texto da publicação afirma, que anticorpos passados pela mãe Covid-19 positiva através do leite vão “proteger o seu filho de uma possível infeção”.

Conclusão

É inegável cientificamente que o leite materno de qualquer lactante pode ver a sua textura e aspeto serem alterados, alterações essas que podem ser visíveis a olho nu. As especialistas consultadas pelo Observador deixam claro que não há qualquer correlação entre uma alteração como aquela que é visível na publicação viral e a presença de anticorpos para a Covid-19.

O leite materno é um alimento riquíssimo em termos nutricionais e imunológicos, podendo passar anticorpos gerais para o bebé que o ingerir — e a sua administração é aconselhada, mesmo em casos de mães infetadas com Covid-19, já que não passam o vírus através do leite. Por muito que o leite de uma progenitora Covid positiva possa passar algum tipo de defesa ao seu filho, não é verdade aquilo que o post alega, de que esses anticorpos protegem a criança de uma possível infeção com o novo coronavírus.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.

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