Uma publicação partilhada esta terça-feira por um utilizador de Facebook na página “Grupo de apoio ao jornalista de economia José Gomes Ferreira” sugere que tanto Marcelo Rebelo de Sousa como António Costa, e como André Ventura, prometeram demitir-se ou não se recandidatar e, supostamente, só André Ventura cumpriu o prometido. É falso.

Primeiro, António Costa nunca disse que se demitiria se não ganhasse as eleições de 2015, antes pelo contrário, foi dando sinais de que proporia formar governo se houvesse uma maioria de esquerda; depois, Marcelo Rebelo de Sousa, apesar de há muito defender um mandato único (e mais longo) para o Presidente da República, nunca disse que uma recandidatura seria sinal de “ausência de sentido democrático”, como a publicação sugere. Nem disse que não se recandidataria caso a Constituição não fosse alterada — sendo que cabe à Assembleia da República mexer na Constituição. Quanto a André Ventura, é verdade que disse que se demitia da liderança do Chega caso ficasse atrás de Ana Gomes nas presidenciais, mas já assumiu que, mesmo pondo o lugar à disposição, vai voltar a candidatar-se ao mesmo lugar — como, de resto, já fez em setembro durante a convenção do partido.

Publicação viral no Facebook sugere que Marcelo e Costa prometeram demitir-se e não o fizeram, sublinhando que só Ventura o fez

A publicação teve mais de 15 mil visualizações nas últimas 24 horas, mas trata-se de uma publicação com conteúdo falso. Mas vamos por partes.

Marcelo defende mandato único de 7 anos mas, enquanto Presidente, nunca disse que não se recandidataria

Em primeiro lugar, Marcelo Rebelo de Sousa. É verdade que o atual Presidente da República defende há muito, e não o esconde, que o mandato do Presidente da República devia ser um mandato único de seis ou sete anos, mais longo do que o atual, que é de apenas cinco anos. Mas não é verdade que tenha dito que uma recandidatura era sinal de “ausência de sentido democrático” — como demonstrou o Observador neste fact check. Marcelo também nunca disse, já na qualidade de Presidente, que nunca se iria recandidatar.

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Quando falou sobre isso foi ainda na qualidade de comentador da TVI, em janeiro de 2014, a propósito de uma análise aos oito anos de Cavaco Silva na Presidência da República. Na altura, Marcelo defendeu que “dez anos, para um Presidente, é demais”. E dava o exemplo de França, onde “deixou de haver dois mandatos para passar a haver um mandato mais longo”. A posição de Marcelo era, e ainda é, esta: “Defendo um mandato de seis ou sete anos, mas um só mandato, sem possibilidade de reeleição. Porque, em ’76, quando eu votei a Constituição, era outro mundo. Dez anos em ’76 equivale a quase 25 anos hoje. Hoje, é uma eternidade”. Marcelo sugeria por isso que a Assembleia da República legislasse no sentido de fazer essa alteração à Constituição, coisa que não aconteceu.

Fact Check. Marcelo defendeu mandato único e que recandidatura a Belém “demonstra ausência de sentido democrático”?

Ou seja, Marcelo Rebelo de Sousa, embora defenda as vantagens de um mandato único, enquanto Presidente, nunca disse que não se recandidataria a um segundo mandato nos moldes atuais. Aliás, o tabu da recandidatura foi mantido até ao fim, e só num dos debates no âmbito da campanha para as eleições presidenciais deste mês de janeiro é que Marcelo explicou que não tinha intenção de se recandidatar — foi a pandemia que o levou a fazê-lo, sugerindo que, pelo menos até 2023, o Presidente deve manter-se em nome da estabilidade.

“A minha intenção não era fazer os dez anos em Belém”, “a pandemia foi um fator determinante”, disse no frente a frente com Vitorino Silva, na RTP.  Ou seja, num cenário de “crise social profundíssima”, Marcelo considera que não podia sair a meio e, entre os objetivos dos próximos anos, identificou o de levar a legislatura até ao fim em nome da estabilidade política a meio de uma crise sanitária. “Até 2023, a legislatura deve durar”, disse no mesmo debate, afirmando que depois disso deixa a decisão nas mãos do povo. Aí, sim, abre-se um novo ciclo. No discurso da vitória nas presidenciais, no domingo, Marcelo traçou mesmo uma meta para fazer nova avaliação da situação sócio-económica do país: abril de 2024, dois anos antes de o novo mandato terminar. Quer isto dizer que Marcelo Rebelo de Sousa, na qualidade de Presidente, nunca disse que não se recandidataria, e sempre defendeu um mandato mais longo, de sete anos, para o Presidente. Portanto, é falso que tenha faltado à sua palavra.

António Costa não disse que se demitia se não ganhasse eleições

Depois, António Costa. Segundo o autor da publicação que ficou viral no Facebook, António Costa afirmou que se demitiria da liderança do PS caso não vencesse as eleições legislativas de 2015. Essa citação não se encontra em lado nenhum e não condiz com a estratégia política que o atual primeiro-ministro ia revelando naquele ano de 2015, apesar de ter destronado António José Seguro com a promessa de fazer melhor e de ganhar as legislativas daquele ano. O que não veio a acontecer. Mas Costa nunca disse que se demitia e ao longo daquele ano, vários foram os sinais que foi dando nesse sentido.

A 26 de setembro, em plena campanha eleitoral para o sufrágio de 4 de outubro, António Costa deixava escapar propositadamente ao jornal Expresso quais eram os seus reais planos caso o PS não vencesse as eleições: o plano era formar governo com o apoio da esquerda parlamentar, se a esquerda fosse, em número de deputados, maior do que a direita da coligação PSD/CDS, ou se houvesse uma maioria à esquerda em oposição ao bloco de direita minoritário. Nesse mesmo sábado, também Jerónimo de Sousa sugeria que, se a coligação de direita não tivesse maioria absoluta, tal significaria que a maioria dos portugueses estava contra aquele governo de Passos Coelho. Era o início da “geringonça”.

Costa faz governo mesmo que perca? Só com o apoio do PCP e BE

Cinco meses antes, numa entrevista dada ao Observador em maio de 2015, António Costa antecipava cenários eleitorais mas não considerava, de todo, a demissão. Questionado diretamente sobre a eventual demissão dos líderes partidários que viessem a perder as eleições de outubro, Costa era perentório: “Como deve imaginar, a perspetiva com que nos colocamos é de ganhar, e de ganhar com maioria”. A demissão não era equacionada. Mais: questionado sobre se não via, “a esta distância, qualquer hipótese de perder”, Costa respondia: “Se há coisa que não me assusta nada é essa coisa de perder ou ganhar. As eleições são assim, perdem-se, ganham-se. (…) Mas não quero que haja dúvidas de que temos todas as condições para ganhar e com maioria absoluta”.

Ou seja, bem ou mal, Costa nunca disse que se demitiria caso perdesse as eleições de outubro de 2015 contra a dupla Passos/Portas. Isto apesar de ter desafiado a liderança de António José Seguro no PS com promessas de ganhar eleições em nome do PS.

André Ventura anunciou que se demitia mas que voltava a candidatar-se ao mesmo lugar

Já quanto a André Ventura, que a publicação sugere ser o único político a cumprir o prometido quanto a demissões caso não atingisse as metas eleitorais traçadas, a afirmação é igualmente enganadora. É que, embora André Ventura tenha de facto dito que se demitia se ficasse atrás de Ana Gomes nas presidenciais — coisa que aconteceu –, não é verdade que tenha reais intenções de sair da liderança do partido. Isso mesmo foi explicado ao Observador pelo número dois de Ventura e ideólogo do Chega, Diogo Pacheco Amorim, numa entrevista em setembro do ano passado. Leia aqui o excerto:

Tendo em conta o aviso feito por André Ventura, de que se demitia caso ficasse atrás de Ana Gomes, teme a demissão do líder do seu partido?
Devo dizer que não temo a demissão do André Ventura. Há coisas que se dizem como forma de expressão. Nós entendemos no partido que essa foi uma forma de expressão do André Ventura. É óbvio que temos de enquadrar isso com as expectativas com aquilo que interessa de facto ao partido e quais os resultados.

Mas o eleitorado do Chega não espera que esse anúncio feito pelo líder seja mais do que uma força de expressão?
Pode não ser. Se ele entender apresentar a sua demissão, dependerá depois se, demitindo-se, concorre outra vez.

O que poderá estar em causa é o colocar de um lugar à disposição para uma reeleição pouco depois?
Sim, sim. É evidente que dependerá do André Ventura candidatar-se ou não, mas eu admito e espero que, se tal acontecer, que ele se recandidate e obviamente que o partido todo apoiará essa recandidatura.

À semelhança do que já aconteceu anteriormente.
Exato.”

Ou seja, tal como aconteceu na Convenção do partido, em setembro, André Ventura tenciona apenas pôr o lugar à disposição e voltar a questionar os militantes do partido se o querem na liderança. Sem adversários à vista. Foi isso que disse na noite eleitoral, este domingo, quando ficou atrás de Ana Gomes por um ponto percentual: “Devolverei aos militantes do Chega se querem ou não a continuidade deste projeto à frente deste partido.” Demitir-se e recandidatar-se é diferente de se demitir da liderança do partido e não voltar a candidatar-se, pelo que, também aí, a publicação que se tornou viral no Facebook é enganadora.

Conclusão

É falso que Marcelo Rebelo de Sousa tenha dito que a recandidatura de um Presidente era sinal de “ausência de sentido democrático”, e é falso que António Costa alguma vez tenha sugerido que se demitia se não ganhasse as eleições legislativas de 2015. Marcelo sempre defendeu mandatos únicos, de sete anos em vez de cinco, mas nunca disse que não se recandidataria caso a lei não fosse alterada nesse sentido. Recentemente explicou que só voltou a concorrer por causa da pandemia e da crise social associada, estabelecendo uma meta para nova avaliação da situação: abril de 2024.

No caso de António Costa, não só nunca disse que se demitiria como sempre disse que ganharia aquelas eleições, sugerindo até, na reta final da campanha, que poderia governar mesmo não sendo o partido mais votado. Bastava para isso que a esquerda, junta, se opusesse a um governo minoritário da direita. Foi o que aconteceu. Já quanto André Ventura, é enganador dizer que se demite por ter ficado atrás de Ana Gomes nas presidenciais uma vez que já anunciou que vai voltar a candidatar-se ao mesmo lugar, não havendo por isso real intenção de se demitir.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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