António Costa disse que, “no total, as medidas fiscais previstas neste orçamento vão deixar nos bolsos das famílias portuguesas, no próximo ano, mais 550 milhões de euros”. No vídeo de apresentação das grandes linhas da proposta do Orçamento do Estado para 2021, presente na página do Governo dedicada ao Orçamento do Estado para 2021, o primeiro-ministro não especificou quais são as medidas fiscais, mas essa conta integra o relatório que acompanha a proposta do executivo.

“É um orçamento que não aumenta impostos. Pelo contrário, diminui o IVA da eletricidade, procede ao ajustamento da taxa de retenção de IRS e à devolução do IVA aos consumidores nos setores mais afetados pela crise pandémica, como o alojamento e a restauração. Um conjunto de medidas com um impacto total de 550 milhões de euros”, pode ler-se no relatório.

O Governo vai, de facto, diminuir o IVA da eletricidade, que passa a ser progressivo — com a aplicação de uma taxa intermédia nos primeiros níveis de consumo das potências contratadas em baixa tensão normal.

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A medida fez um longo percurso até aqui chegar — acompanhada de muitas polémicas —, resistindo à vontade da maioria dos partidos no Parlamento, que queriam uma alteração mais abrangente. No final do ano passado, o Governo pediu autorização a Bruxelas para alterar os critérios do imposto em função dos diferentes escalões de consumo e, no âmbito do Orçamento do Estado para 2020, inscreveu uma autorização legislativa para esse efeito. A luz verde de Bruxelas chegaria finalmente em junho e o ministro das Finanças, João Leão, introduz agora a alteração nesta proposta de orçamento.

O Governo espera que a medida chegue a mais de 80% dos consumidores do mercado elétrico e prevê, por essa via, um “aumento do rendimento das famílias de 150 milhões de euros”.

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É verdade também que haverá uma devolução do IVA aos consumidores nos setores mais afetados pela crise — a restauração, o alojamento e a cultura. Mas é preciso sublinhar que esta medida, apelidada de IVAucher, implica a continuação do consumo nesses setores nos três meses seguintes.

A medida ainda não está totalmente desenhada — a proposta de Orçamento remete essa definição para o Governo — nem se sabe exatamente em que trimestre começará a ser aplicada, mas fica claro, no relatório que acompanha a proposta de Orçamento, que os consumidores “veem integralmente devolvido o IVA suportado nestes setores durante um trimestre do ano, para gastar no trimestre seguinte”.

Está em causa “um aumento de rendimento disponível de cerca de 200 milhões de euros”, mas implica que, por exemplo, se uma família gastar 100 euros em restaurantes, alojamento ou cultura num dado trimestre, terá de voltar a gastar nesses setores o IVA de que o Estado está disposto a abdicar.

Se uma família for consumidora habitual nesses setores, encaixará o valor do imposto sem ter de alterar comportamentos. Mas se a medida tiver o efeito desejado — dar um empurrão a novos consumos — na prática, o aumento de rendimento dessas famílias é temporário.

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A terceira grande medida destes 550 milhões de euros prometidos pelo Governo tem ressalvas ainda maiores. Está em causa, como se pode ler no relatório da proposta de Orçamento, “um ajustamento das tabelas de retenção na fonte de IRS, de modo a dar continuidade à ação tomada, de forma gradual e progressiva ao longo dos últimos anos, de esbater o diferencial entre as retenções na fonte realizadas pelos trabalhadores dependentes e o valor final de imposto a pagar”.

As tabelas de retenção na fonte definem o que as famílias têm de pagar mensalmente em sede de IRS, mas o valor final do imposto é apurado com base numa outra tabela, que tem sete escalões de rendimento coletável. Quando os contribuintes ajustam contas com as Finanças, entre abril e maio, é feito o devido acerto face ao valor que as famílias pagaram a mais, ou a menos, ao longo do ano (a que se juntam ainda as diversas deduções à coleta de gastos feitos em saúde, educação, etc).

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A tabela de retenção na fonte funciona, assim, como uma estimativa, tal como aquela que é feita, por exemplo, para pagar a eletricidade, antes do acerto final.

Ou seja, se o Governo decide dar mais 200 milhões de euros através das tabelas de retenção — é este o valor inscrito na proposta de orçamento —, esse montante já não chegará aos bolsos dos portugueses na campanha de entrega do IRS. É um alívio, mas temporário, com implicações negativas na primavera seguinte.

No relatório da proposta orçamental, essa natureza transitória é ressalvada pelo Governo, quando escreve que se trata “de uma medida neutral do ponto de vista orçamental”. Ou seja, os cofres do Estado não perdem um cêntimo, porque os 200 milhões de euros são recuperados no ano seguinte.

Conclusão

António Costa diz que “as medidas fiscais previstas neste orçamento vão deixar nos bolsos das famílias portuguesas, no próximo ano, mais 550 milhões de euros”. E, de facto, se a estimativa for cumprida, as três grandes medidas incluídas nesse valor representam um alívio para vários contribuintes. Há um fundo de verdade, porque o primeiro-ministro refere-se ao “próximo ano”.

Mas a frase deixa muito por dizer, dando a entender que se trata tudo de dinheiro a fundo perdido, o que não é bem o caso. Será esse o resultado do IVA na eletricidade, até pode ser o caso do IVAucher, mas no IRS há apenas o adiantamento de um valor que, em qualquer caso (desde que nas mesmas circunstâncias laborais), chegaria aos bolsos das famílias.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ESTICADO

NOTA1: este artigo foi produzido no âmbito de uma parceria de fact checking entre o Observador e a TVI

NOTA2: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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