Uma publicação partilhada no Facebook aproveita uma notícia de 2021, encontrada em vários órgãos de comunicação social, para sugerir que há um pagamento individual a cada refugiado em Portugal na ordem dos 10 mil euros e que isso retira margem para o investimento público em alguns serviços e áreas carenciadas no país.

As conclusões são tiradas pelos utilizadores que fizeram esta partilha. “Abre os olhos, é para isto que andamos a trabalhar”, refere um utilizador que partilha a notícia. Outro ainda acrescenta: “Espectáculoooooooo. Os refugiados embolsam 10 mil euros só porque sim, enquanto os idosos continuam a não ter dinheiro para medicamentos, crianças não têm creches e serviços de saúde vão fechando. Injeções de terapia genética há para todos e podem repetir. Dinheiro é que só há para os que vêm de fora.” Publicações semelhantes são encontradas também em partilhas feitas por altos dirigentes do Chega, caso do próprio líder, André Ventura.

Em quase todas as publicações a imagem recortada é a mesma com o mesmo destaque a vermelho na parte em que a notícia do Diário de Notícias refere “o ‘pagamento integral’ de 10 mil euros a cada refugiado acolhido em Portugal”. Em alguns casos também se encontra partilhada uma notícia do Correio da Manhã com o mesmo título: “SEF diz que pagou a todos os refugiados acolhidos em Portugal”. As notícias são verdadeiras, mas as conclusões tiradas não.

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A notícia partilhada por André Ventura, em agosto deste ano, três anos depois de ter sido publicada pelo jornal.

Na origem destes artigos partilhados está uma notícia avançada pelo público a 10 de setembro de 2021 (há três anos) segundo a qual o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras — entretanto extinto — teria “ocultado um milhão de euros que devia ter sido entregue a refugiados.” A notícia também dizia que, desde 2016, a Comissão Europeia transfere para o Estado português um valor de 10 mil euros por refugiado acolhido no país no quadro do Programa de Reinstalação.

E explicava ainda que, “pelo menos em 2018 e 2019, o SEF recebia os 10 mil euros por pessoa reinstalada e apenas entregava 7500 euros ao ACM, faltando os 2.500 para chegar aos 10 mil por refugiado. Nesses dois anos, foram acolhidas no Programa de Reinstalação em Portugal pelo menos 409 pessoas a viver em campos de refugiados da Turquia e do Egito depois de terem fugido de países como o Iraque, o Afeganistão ou a Síria”, referia o mesmo texto que concluía que não tinham sido justificados oficialmente “pelo menos 1.022.500 euros”.

A reação do SEF chegou no próprio dia e deu origem à notícia que é agora partilhada nas publicações em análise. O serviço de segurança garantia que tinham sido “recebidos e transferidos 21 milhões de euros, no âmbito do Programa Nacional do Fundo para o Asilo, Migração e Integração (FAMI)”, desde 2014, para o acolhimento de refugiados que estavam na Turquia e no Egito.

O SEF detalhava também que o financiamento, proveniente da Comissão Europeia, foi integralmente alocado por este serviço de segurança “a despesas com seleção e pré-partida, receção e acolhimento, instalação e apoio à integração, bem como despesas administrativas, encargos associados e apoios assegurados pelas entidades de acolhimento, designadamente, habitação e outros apoios pecuniários ou em género para os cidadãos abrangidos”.

Este ponto da nota de esclarecimento do SEF acaba por explicar como o montante transferido por cada refugiado em Portugal é utilizado. O valor de dez mil euros por refugiado não só tem origem no orçamento da Comissão Europeia e não no Orçamento do Estado, como não é atribuído de forma individual a cada refugiado. É utilizado para os custos associados ao processo de acolhimento.

Este programa da Comissão Europeia foi criado em 2016 como resposta à crise dos refugiados e surgiu com o objetivo de “proporcionar vias de acesso legais e seguras à UE e reduzir, a longo prazo, o risco de haver um elevado número de chegadas irregulares criar normas comuns de reinstalação e admissão por motivos humanitários”, mas também “contribuir para iniciativas de reinstalação e admissão por motivos humanitários a nível mundial” e “apoiar os países terceiros que acolhem um grande número de pessoas com necessidade de proteção internacional”.

Conclusão

O montante referido na notícia, de 10 mil euros por refugiado para apoio à sua reinstalação, não vem do Orçamento do Estado, é transferido do orçamento da Comissão Europeia, desde 2016, para países que acolhem refugiados e foi definido no âmbito do Programa de Reinstalação. Ou seja, não é possível estabelecer a relação que é feita nestas publicações entre esta verba e uma redução de investimento público. Além disso, o valor referido não é entregue aos refugiados diretamente, é utilizado nos custos do processo de reinstalação. Por fim, a notícia partilhada agora tem três anos.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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