Uma longa lista de supostas coimas — descritas como “as mais típicas do verão”— circula nas redes sociais já desde 2018, mas todos os anos volta a ganhar destaque entre os utilizadores que a partilham e comentam. Apesar de algumas coimas que constam na publicação serem verdade, grande parte não passa de mitos — que já levaram até a GNR a lançar uma campanha precisamente para os desfazer.

Um deles diz respeito ao que o condutor pode ou não vestir e calçar enquanto conduz. A publicação em causa alega que quem conduzir com chinelos, descalço, sem camisa, com um chapéu que tape as orelhas ou outro qualquer pode arriscar-se a uma coima de 80 euros. Mas o Código da Estrada não faz qualquer referência ao tipo de roupa ou calçado que o condutor pode ou não usar.

A publicação já foi partilhada mais de 38 mil vezes

Foi para esclarecer estas dúvidas que a GNR lançou este verão uma campanha nas redes sociais com mitos urbanos relacionados com a segurança rodoviária. A primeira publicação feita no âmbito da campanha procurou esclarecer os utilizadores e condutores sobre se era legal conduzir de tronco nu. A resposta? “Sim, mas isso não dispensa o uso do cinto de segurança (para o condutor e restantes ocupantes)”, lê-se no post.

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Sim, mas isso não dispensa o uso do cinto de segurança (para o condutor e restantes ocupantes)!#VamosTodosFicarBem…

Posted by GNR – Guarda Nacional Republicana on Sunday, July 26, 2020

Depois da primeira publicação, a GNR acabou por ser abordada por vários utilizadores sobre se se podia conduzir de chinelos. A resposta foi novamente afirmativa. “Na verdade, o ato de conduzir de chinelos não tem nenhuma contra-ordenação associada, no Código da Estrada. Ainda assim, será importante garantir que o seu uso não prejudica o exercício da condução”, lê-se na publicação.

No seguimento da publicação sobre os #MitosUrbanos, vários foram os seguidores que nos fizeram esta pergunta. Na…

Posted by GNR – Guarda Nacional Republicana on Friday, August 7, 2020

Certo é que, embora o Código da Estrada não faça qualquer referência à roupa que se pode ou não usar durante a condução, no artigo 11.º é referido que “os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança”, sob pena de ser sancionado com uma coima entre 60 e 300 euros. Daí que conduzir com chinelos por si só não seja uma infração, a não ser que prejudiquem a condução. Ou seja, um condutor que use chinelos ao volante não pode ser alvo de coima, exceto se as autoridades entenderem que esse comportamento tem riscos para a condução e para os outros condutores.

Artigo 11º. do Código da Estrada

O mesmo se aplica a beber água ou comer um gelado durante a condução — que, segundo a publicação em análise, dá uma coima de 100 euros. Também em relação a comer e beber o Código da Estrada não faz qualquer referência. Aqui também impera o bom-senso e a condução em segurança prevista no artigo 11.º.

Pôr a mão fora da janela dá coima de 80 euros? E pôr os pés no tablier?

Colocar a mão, cotovelo ou braço fora da janela do carro ou pôr os pés no tablier — neste caso, em relação exclusivamente ao passageiro que ocupa o banco ao lado do condutor — também são atos indicados como supostas infrações na lista que tem vindo a ser partilhada no Facebook: o primeiro supostamente punido com uma coima de 80 euros e o segundo de 100 euros. Só que o Código da Estrada não prevê qualquer coima para condutores e passageiros que o façam.

Mais uma vez devem regular-se pelo previsto no artigo 11.º e “abster-se da prática de quaisquer atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança” — aqui tendo em consideração as consequências que podem advir destas ações, em caso de acidente.

Conduzir com objetos sem fixação dá coima de 200 euros?

Outro ponto da lista diz respeito a “conduzir com objetos na bandeja traseira sem fixação” que dará supostamente uma coima de 200 euros. Não é bem claro a que se refere o autor da publicação quando diz “bandeja traseira”: se ao porta-bagagem se à bandeja dobrável que se pode colocar na parte de trás dos bancos e que serve normalmente para colocar comida ou um computador. No entanto, num caso ou no outro, o artigo 56.º do Código da Estrada diz que, qualquer que seja a carga, esta não deve pôr em causa o equilíbrio do veículo, sob pena de coima de 120 a 600 euros. Ou seja, não obriga a que os objetos sejam fixados propriamente, como diz na publicação, nem a coima é exatamente de 200 euros.

Lavar o carro na via pública dá coima até três mil euros?

Quanto a lavar o carro na via pública, não há nada no Código da Estrada que o proíba — ao contrário do que é dito na publicação, que afirma que quem o fizer é punido com uma coima entre 30 e três mil euros. Aqui vai depender da zona, uma vez que há localidades onde não é permitida a lavagem do carro na via pública.

É o caso de Tróia. No artigo 18.º de um regulamento da Câmara Municipal de Grândola datado de 2011, é dito que “é proibida a reparação, pintura ou lavagem de veículos na via pública, bem como a afinação de emissores de sinais sonoros”. O diploma não prevê qualquer coima para as pessoas que não respeitarem esta regra, mas remete para o artigo 170.º do Código da Estrada, que determina que os agentes da GNR realizem um auto e identifiquem os envolvidos, para depois responderem perante a justiça.

Medida semelhante foi adotada no Funchal. Aqui também é proibido lavar os carros na via pública. “Lavar veículos automóveis nas vias e outros espaços públicos constitui contra-ordenação punível com coima de 50 a 250 euros“, lê-se no regulamento de 2003 disponível no site da Câmara Municipal do Funchal.

Atirar um cigarro pela janela dá coima de 200 euros?

Outro ponto da lista diz respeito a atirar um cigarro pela janela do carro: segundo a publicação, implica uma coima de 200 euros. Ora, o Código da Estrada não prevê especificamente uma coima para quem atirar um cigarro, mas para “quaisquer objetos” atirados “para o exterior do veículo”. 

Artigo 79.º do Código da Estrada

Assim, o condutor ou passageiros que o fizerem arriscam-se a uma coima entre 60 e 300 euros — e não exatamente de 200 euros, como afirma a publicação. Em relação a esta infração, a GNR também publicou um alerta nas suas redes sociais:

Sabia que, nos termos do código da estrada, é proibido ao condutor e passageiros atirar quaisquer objetos para o exterior do veículo?

Posted by GNR – Guarda Nacional Republicana on Sunday, July 21, 2019

Não levar carta de condução dá coima de dez euros?

O Código da Estrada prevê que o condutor deve ser portador de carta de condução, além de outros documentos pessoais e do veículo. Mas a coima para quem não o fizer não é tão baixa como é indicado na publicação do Facebook. Varia entre 60 e 300 euros e não é de exatamente dez euros, como consta na lista partilhada. Isso mesmo está previsto no artigo 85º. do Código da Estrada.

Levar seis ou sete pessoas no carro dá coima de 80 euros?

Se o carro só tiver lotação para cinco pessoas, levar seis, sete ou mais é ilegal e dá uma coima entre 60 e 300 euros. Mas se o veículo tiver espaço para sete pessoas, não há problema em levar sete. Assim, não é taxativo que quem levar seis ou sete pessoas no carro se sujeita a uma coima de 80 euros, como se lê na publicação do Facebook. O artigo 54º. do Código da Estrada é claro nesse aspeto: “É proibido o transporte de pessoas em número que exceda a lotação do veículo ou de modo a comprometer a sua segurança ou a segurança da condução”

Conclusão

Circula nas redes sociais uma lista com supostas coimas típicas de verão. Mas muitas não estão previstas na lei e, em relação às que estão, os valores das coimas apresentados não correspondem ao determinado legalmente.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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