Cristiano Ronaldo e o Al Nassr chegaram a Teerão no passado 18 de setembro, justamente dois dias depois da passagem do primeiro aniversário da morte de Masha Amini, a jovem curda que, em setembro de 2022, acabou por não resistir depois de ter sido alegadamente espancada pela polícia iraniana, que a tinha detido sob a acusação de não estar a usar o véu islâmico “de forma correta”.
Os posts — e as notícias, em jornais de referência em todo o mundo — começaram a surgir cerca de um mês depois, e davam conta de uma pretensa sentença que teria condenado o jogador português, entretanto regressado com a sua equipa à Arábia Saudita (depois de uma vitória por dois zero contra o Persepolis FC, a contar para a Liga dos Campeões Asiática), a 99 chicotadas por ter “cometido adultério” em solo iraniano.
De acordo com a publicação em análise, “da próxima vez que viajar para aquele país”, Cristiano Ronaldo seria castigado com a pena, aplicada por ter abraçado “a pintora iraniana Fatemeh Hamami, como forma de agradecimento, por ter-lhe dado um quadro”. “Tocar numa mulher solteira no Irão é considerado adultério”, continua o post, um de inúmeros a circular nas redes sociais, com a memória coletiva de casos como o de Masha Amini, que deu origem a uma vaga de protestos inédita no Irão, a contribuir para dar legitimidade à história.
Em vários vídeos publicados nas redes sociais, tanto por CR7 como por Hamami, artista com cerca de 85% do corpo paralisado e que, por isso mesmo, pinta com os pés, é possível ver o encontro entre ambos — e efetivamente o português não só abraça a iraniana mais do que uma vez como chega mesmo a dar-lhe um beijo, no lenço que lhe cobre os cabelos.
A verdade é que, segundo a lei do Irão, o “contacto íntimo” entre homens e mulheres não casados é ilegal e a punição para o adultério — “Zina” é o nome dado ao crime que configuram as relações íntimas fora do casamento — assume a forma de “flagelação” ou “morte”. Mas, assinalou em abril de 2020 o Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Comércio da Austrália, em relatório entretanto citado pelo governo britânico, isso não significa que casos como estes sejam efetivamente levados à justiça.
“O contacto íntimo entre homens e mulheres não casados é ilegal, tal como a existência de uma relação de facto. Embora proibidas por lei e mal vistas pelo establishment religioso e pelos iranianos mais conservadores, as relações fora do casamento ocorrem na prática. O Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Comércio considera que existe atualmente uma maior tolerância para as interações entre sexos, sobretudo nas grandes cidades. O Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Comércio ouviu dizer que os chamados ‘casamentos brancos’ — ou seja, casais não casados, casais solteiros que vivem juntos em relações de longa duração — são comuns em Teerão”, pode ler-se no referido relatório.
“De acordo com fontes locais, embora alguns senhorios se recusem a arrendar propriedades a casais com este tipo de relações, outros não têm qualquer problema. A prática do ‘casamento branco’ é menos frequente nas zonas rurais e em cidades como Qom e Mashhad, onde prevalecem geralmente atitudes sociais mais conservadoras”, continua a análise do governo australiano, que assinala ainda assim que uma coisa são estes casos, e outra, bem diferente, são os casos de efetivo adultério/traição, que continuam a não ser relevados. “De acordo com um relatório recente do Conselho Nacional de Resistência do Irão, 51 homens e mulheres estavam detidos em prisões em setembro de 2020, com uma sentença de morte por apedrejamento por adultério e outros crimes. A pena de morte por zina continua a ser imposta muito ocasionalmente: em novembro de 2021, um casal condenado por adultério foi condenado a ser apedrejado até à morte. Em recurso, a sentença foi alterada para morte por enforcamento, mas não foi possível apurar se esta sentença foi executada.”
Desmentimos rotundamente la emisión de cualquier fallo judicial contra cualquier deportista internacional en Irán. Es motivo de preocupación que la publicación de noticias tan infundadas pueda eclipsar los crímenes de lesa humanidad y los crímenes de guerra contra la oprimida… pic.twitter.com/51xw40L7Gp
— Embajada de Irán en España (@IraninSpain) October 13, 2023
Alertada por redes sociais e notícias de jornal, a embaixada iraniana em Espanha recorreu ao Twitter, no mesmo dia em que o post em análise foi publicado, para garantir que não existia qualquer fundo de verdade no caso. “Negamos veementemente a emissão de qualquer decisão judicial contra qualquer desportista internacional no Irão”, começam por assegurar as autoridades nacionais, para imediatamente apontarem a outro alvo. “É preocupante que a publicação de tais notícias sem fundamento possa ofuscar os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra contra a nação palestiniana oprimida”, continua o breve comunicado. “Note-se que Cristiano Ronaldo se deslocou ao Irão nos dias 18 e 19 de setembro para disputar um jogo oficial de futebol e foi calorosamente recebido pelo povo e pelas autoridades. O seu encontro sincero e humano com Fatemeh Hamami foi igualmente elogiado e admirado tanto pelo povo como pelas autoridades desportivas do país.”
Conclusão
Não é verdade que Cristiano Ronaldo tenha sido condenado pela justiça iraniana a uma pena de 99 chicotadas por adultério.
Em setembro, quando esteve no país, para disputar o primeiro jogo da fase de grupos da Liga dos Campeões Asiáticos, o português do Al Nassr esteve efetivamente com Fatemeh Hamami, uma pintora com 85% de incapacidade que lhe ofereceu dois quadros — gesto que retribuiu com alguns abraços e um beijo na cabeça, devidamente coberta por um lenço —, mas não foi aberto qualquer processo judicial na sequência do encontro.
Quem o garantiu foi a embaixada do Irão em Espanha: “Negamos veementemente a emissão de qualquer decisão judicial contra qualquer desportista internacional no Irão”.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.