O título de um artigo da página “Bombeiros de Portugal” é alarmista: “Novo problema nas escolas em forma de doces”. O texto ainda vai mais longe, pois alerta para uma “nova droga nas escolas” e pede a todos — mesmo os que “não têm filhos na escola” — que partilhem o texto para que todos conheçam essa nova droga, conhecida como “Strawberry Quick“. A história é falsa. Na verdade não passa de um mito urbano, que começou a ser espalhado no início de 2007 nos Estados Unidos, passou pelo Reino Unido em 2008, pela Nova Zelândia em 2014, chegou ao Brasil em 2018 e em Portugal já foi partilhado milhares de vezes em 2019 (3,9 mil só no post analisado pelo Observador). Centenas destas partilhas foram nas últimas 24 horas.

Mito em forma de notícia na página “Bombeiros de Portugal”, publicado em fevereiro de 2019

O texto é exatamente igual — tirando algumas vogais substituídas por asteriscos — ao que foi partilhado em massa no WhatsApp no Brasil em 2018, como é possível verificar num fact check feito pela revista brasileira Veja. Diz o texto, partilhado no Brasil e em Portugal, que se trata de “um tipo de metanfetamina de cristal que se parece com as bolas pop de morango” (ou seja: em doces similares às peta zetas).

A forma como o mito circulou por milhares de grupos de WhatsApp no Brasil

O mesmo texto diz também que a alegada droga, com o nome “Morango Rápido” (uma adaptação do Strawbeery Quick), “cheira a morango e está a ser entregue às crianças nas escolas“. E alerta que “as crianças ingerem pensando que é doce e podem ser levadas para o hospital em estado grave. Também tem sabor de chocolate, manteiga de amendoim, cola, cereja, uva e laranja“. Tudo falso.

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Logo em 2007, o site Snopes desmontou a história, dizendo que é verdade que, por vezes, a polícia apreendia nos EUA versões coloridas de metanfetaminas que se assemelhavam a doces, mas que era completamente falso que os traficantes de droga estivessem a fazer essa alteração com a intenção de tornar a droga atraente para as crianças.

Em 2010, o boato ainda sobrevivia e o porta-voz da DEA (a agência de combate ao tráfico de drogas nos Estados Unidos), Michael Sanders, teve de a desmentir categoricamente: “Verificámos os nossos laboratórios e não encontrámos nada (…) Não é uma tendência ou um problema real“. O mesmo Sanders dava conta de que a DEA não tinha sequer conhecimento que alguma vez algum traficante tenha acrescentado o sabor a morango às metanfetaminas e que, das vezes em que os traficantes aplicaram corante foi para que não pudessem ser apanhados pela polícia, não para negócio junto de crianças.

Mas, às vezes, um boato tem mais força que uma verdade. Apesar de se tratar de um mito, os senadores Dianne Feinstein (Democrata, da Califórnia) e Chuck Grassley (Republicano, do Iowa) decidiram legislar no sentido de prevenir e introduziram legislação no sentido de aumentar as penas para quem comercializasse ou produzisse drogas com sabor a doces. A partir dessa altura, quem o fizer passa a ter a mesma pena de quem vende droga a crianças.

No Reino Unido, o mito chegou em março de 2018 quando um agente do distrito de West Oxfordshir, a cerca de uma centena de quilómetros de Londres, recebeu uma denúncia de que esta “strawberry quick” estava a ser distribuída nas escolas. Com pouca experiência no cargo, o agente que recebeu o email informou de imediato 80 escolas da zona. No dia seguinte, aperceber-se que não passava de um boato, a polícia emitiu um desmentido e pediu desculpa por o agente em causa não ter feito “double check” da informação, como contou a BBC News. Um caso parecido ocorreu na Nova Zelândia e levou a polícia a alertar , num comunicado emitido a 15 de abril de 2014, a alertar que esta história não passa de um boato recorrente em vários países.

Em Portugal, a página Bombeiros de Portugal (osbombeiros.pt) publicou-a em fevereiro de 2019, desde então foi partilhado só no Facebook quase quatro mil vezes. Segundo informações disponibilizadas pelo Facebook ao Observador, o artigo foi partilhado não só na página de Facebook “Bombeiros de Portugal”, como também na página do PNR de Vila do Conde. Só nas últimas 24 horas foi partilhada 251 vezes, como é o caso desta utilizadora portuguesa que dava o “aviso” no domingo por volta das 10 da manhã:

Já antes disso, o site Bligz, a 18 de março de 2018, tinha divulgado o mesmo boato. Mais uma vez, com o mesmo texto que se tornou viral no Brasil. E igualmente falso.

Em Portugal, como acontece noutros países, um dos problemas que existe nas escolas é o consumo de droga. E não raras vezes, a polícia faz detenções relacionadas com tráfico junto às escolas. Não há, no entanto, qualquer notícia ou registo do fenómeno “Morango Rápido”.

Conclusão

A história de que há metanfetaminas a serem distribuídas nas escolas por traficantes como se fossem doces para atrair as crianças para a droga não é nova. Já circulou por países como os EUA, Reino Unido, Nova Zelândia e Brasil, mas a situação foi sempre negada pelas autoridades. Em Portugal, quem espalhou a notícia falsa (há pelo menos dois sites: “Bombeiros de Portugal” e “Bligz”) limitou-se a copiar o texto do boato que circulou pelas redes sociais e por grupos de WhatsApp em 2018 no Brasil. Nunca as autoridades em Portugal alertaram nos últimos meses ou anos para um fenómeno do género. Como ficou claro ao longo dos últimos 11 anos, trata-se apenas de um mito que passou do Brasil para Portugal sem necessidade de mudar uma vírgula sequer, dado a língua ser a mesma nos dois países. Cá, como nos outros países, trata-se de uma informação falsa.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de factchecking com o Facebook e com base na proliferação de partilhas — associadas a reportes de abusos de vários utilizadores — nos últimos dias.

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