As medicinas alternativas têm sido um dos temas mais debatidos pela comunidade científica nos últimos anos. Habitualmente em choque com a medicina tradicional, agora, graças à pandemia de Covid-19, a polémica entre as duas ganhou outro nível: a eficácia das vacinas. O neuropata João Beles publicou um vídeo na sua conta oficial de Instagram onde fala sobre o estudo científico que levou à aprovação da vacina da Pfizer-Bionetch pela Agência Europeia de Medicamento para jovens dos 12 aos 15 anos. Atingiu mais de duas visualizações. Trata-se, no entanto, de uma publicação falsa.

Vídeo publicado no Instagram tenta manipular os números da eficácia da vacina da Pfizer em jovens dos 12 aos 15 anos.

O estudo citado é, de facto, verdadeiro e foi publicado a 15 de julho de 2021. Nele alega-se que a vacina da Pfizer tem uma eficácia de 100% naquela faixa etária, número contestado pelo autor do vídeo, que, por outro lado, alega que essa eficácia ficou-se pelos 1,4% — número de jovens infectados após a toma do placebo nos quatro meses seguintes, tal como referido pelo estudo em causa. “A forma como o autor interpreta os resultados não está correta. Durante o período de observação de poucos meses, no grupo de placebo de 1129 pessoas, 16 ficaram infectadas. Já no grupo de 1131 pessoas vacinadas, nenhuma adoeceu”, esclareceu ao Observador o professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e farmacêutica Hélder Mota Filipe.

Para se perceber, Hélder Filipe deu como exemplo outro estudo, neste caso o que referia a eficácia de 95% da vacina da Pfizer em adultos: com placebo administrado, 162 pessoas adoeceram, já com a vacina, apenas 8 acabaram por contrair a infeção do novo coronavírus. “Se considerarmos os doentes do grupo placebo (162) como 100% de probabilidade de desenvolver a doença, os oito que a tiveram no grupo da vacina, correspondem então a 5% (dos 162), logo a eficácia foi de 95%”, afirma. Só que no estudo agora analisado, ninguém adoeceu no grupo da vacina, ou seja, a eficácia foi de 100%.

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Relativamente aos critérios utilizados nestes estudos, o principal é mesmo o desenvolvimento da doença no grupo tratado e no grupo placebo. Depois, neste caso, também foram medidos “os níveis de anticorpos que, como esperado, foram superiores no grupo vacinado, tal como os efeitos adversos, que está de acordo com o esperado”, esclarecer Hélder Mota Filipe.

Por último, convém olhar para o porquê de se usar placebo nestes estudos. É usado para que tudo seja igual ao nível de procedimentos médicos e científicos entre os grupos do estudo, havendo apenas uma diferença: a presença e a ausência da substância ativa. Serve então “para que se possa medir o efeito placebo que resulta das alterações provocadas apenas pelo procedimento e pela sugestão de cada indivíduo. Se se verificar, por exemplo, no “grupo placebo” (que não tinha vacina) que também houve algumas pessoas a queixarem-se de efeitos adversos estes não podem, obviamente, ser atribuídos à vacina”, afirma o farmacêutico.

Ainda é necessário referir que este estudo foi duplamente cego e contou com uma amostra de 2.260 jovens: a população estudada não fazia ideia se estava a receber a vacina ou uma dose de placebo.  Tal como referido pela Agência Europeia do Medicamento (EMA), foi executado de acordo com o plano pediátrico de investigação da Comirnaty (nome da vacina), acordado pelo comité pediátrico da EMA.

E, ao contrário do que alega o autor — colocando em causa um possível conflito de interesses entre as farmacêuticas e as autoridades de saúde relativamente à produção e administração das vacinas — é perfeitamente normal que alguns autores do estudo façam parte de laboratórios da indústria farmacêutica. “É a indústria que têm de apresentar os dados. O mais importante é que o artigo depois seja revisto por entidades independentes que garantam a qualidade da informação, como aconteceu neste caso, uma vez que foi publicado no The New England Journal of Medicine” concluiu Hélder Mota Filipe.

Conclusão

Não é verdade que a eficácia da vacina da Pfizer nos jovens entre os 12 e os 15 anos seja apenas de 1.4%, tal como alega o autor do vídeo original. O estudo citado, que contou com uma amostra de 2.260 jovens, demonstrou o seguinte: no grupo placebo de 1129 pessoas, 16 ficaram infetadas; no grupo de 1131 pessoas vacinadas, nenhum adoeceu (ou seja, 100% de eficácia). Esse foi o esclarecimento dado pelo professor e farmacêutico Hélder Mota Filipe ao Observador, que deu como exemplo um estudo semelhante com a mesma vacina mas para os adultos o que, nesse caso, resultou na infeção de uma pequena percentagem de pessoas vacinadas (8), o que diminuiu a eficácia vacinal (para 95%).  Convém referir que este estudo foi depois revisto por instituições independentes como o  The New England Journal of Medicine e aprovado pela Agência Europeia do Medicamento.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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