Já não é nova a suspeita e acusação de que a Ucrânia esconde laboratórios de armas biológicas, financiadas pelos Estados Unidos da América. Desta vez, uma publicação do dia 29 de abril deste ano alega que o jornalista brasileiro Pepe Escobar teve as suas contas bloqueadas “em quase todas as redes sociais” precisamente depois de ter assegurado que, na fábrica de Azovstal, em Mariupol, “encontra-se um laboratório de armas biológicas dos EUA chamado PIT 404, cuja empresa que a administra, a Metabiota, é de Hunter Biden, filho do atual presidente norte-americano, Joe Biden”.
A mesma publicação refere também que o exército liderado por Vladimir Putin tem concentrado ataques naquela região ucraniana onde, “estranhamente, existia a maior concentração de nazis” — uma acusação dirigida à Ucrânia mas que não tem sustentação factual. E ainda alega que a Rússia quis manter intactas aquelas instalações industriais. “Há relatos de que os nazis mantêm 3 mil civis como escudo humano para proteger o laboratório”, garante. Trata-se, no entanto, de uma publicação sem provas e, por isso, falsa.
Tal como referido no texto, o autor, apesar de fazer acusações graves sobre a guerra na Ucrânia, ressalva sempre que existe a hipótese de aquilo que diz não corresponder à verdade. E, depois de feitas várias investigações jornalísticas de diferentes meios de comunicação social, a alegação da existência de supostos laboratórios de armas biológicas em Azovstal continua a não ser verdadeira, tendo em conta os dados disponíveis até ao momento. A publicação é de dia 29 de abril, cerca de um antes de Moscovo declarar a conquista total de Mariupol — uma marco assinalado depois da rendição de, aparentemente, todos os combatentes ucranianos que resistiam nas instalações da fábrica de Azov. Ora, 10 dias depois desse anúncio do Kremlin, não foram divulgadas quaisquer informações oficiais por parte das autoridades russas que comprovassem a existência de laboratórios de armas biológicas naquele local.
Esta não é, de resto, a única informação errada acerca daquelas instalações. Por exemplo, no passado mês de abril, o Observador (tal como outros jornais internacionais, como o The New York Times) explicava que tinha circulado uma imagem de um suposto complexo subterrâneo numa fábrica daquela região, que continha laboratórios de armas químicas. Não passava de uma proposta de design para um bunker muito parecido com os chamados “preppers” norte-americanos, pessoas se preparam para uma suposta chegada iminente do fim do mundo.
O tal complexo subterrâneo existe, mas foi até criado durante o período de existência da União Soviética, depois de as forças nazis terem destruído Mariupol no decurso da Segunda Guerra Mundial. Essa construção subterrânea ocorreu antes ainda da reconstrução da fábrica que se seguiu a essa destruição de meados do século passado.
A acusação de que naquela zona existiram armas químicas começou a ser usada pelo Kremlin. Tal como relatado pela CNN, essa seria uma possível justificação para que o exército russo usasse armas químicas para entrar em Mariupol, uma das regiões que ofereceu maior resistência durante a guerra. Essa teoria foi propagada pelo Kremlin mas foi também defendida pela China. Do lado dos EUA, essa mesma alegação continua a ser desmentida. Ainda assim, Victoria Nuland, subsecretária de Estado para Assuntos Políticos dos Estados Unidos, durante uma audição no Senado, garantiu que existem instalações de investigação biológica na Ucrânia, tal como existem noutros países. Essa parceria faz parte de um antigo programa para estudar a redução das ameaças biológicas um pouco pelo mundo inteiro, sendo certo que só foram criados após a queda da União Soviética. Um desses sítios existe em Kiev e dá pelo nome de Escritório de Redução de Ameaças de Defesa, por exemplo.
Nesse sentido, o Observador já desmentiu uma publicação com alegações semelhantes que dava conta de que Putin teria bombardeado uma aldeia na Ucrânia onde Joe Biden teria alegadamente uma casa. Esse ataque teria um único objetivo: destruir laboratórios biológicos. Foi prontamente desmentido por vários fact-checkers internacionais e, até ao momento, não existem provas de que qualquer uma das informações dessa publicação correspondam à verdade.
Fact Check. Forças russas bombardearam casa de Joe Biden na Ucrânia?
Olhemos agora para a associação entre o filho de Joe Biden, Hunter Biden, e a empresa Metabiota com possíveis laboratórios biológicos em território ucraniano. A Metabiota é uma empresa norte-ameriacana fundada pelo virologista Nathan Wolfe, que teve uma primeira missão de ajuda a laboratórios biológicos para escolher pessoal qualificado. Começou por ser uma organização sem fins lucrativos até 2014, mas após esse período começou à procura de financiamento. Segundo o Washington Post, a sua atividade estava principalmente ligada ao continente africano, tendo apenas um escritório na Ucrânia. Neste momento, já não operam naquele território, segundo explicou o Myth Detetor, fact-checker norte-americano, parceiro do Observador no International Fact Checking Network (IFCN) do Poynter Institute.
Quanto a Hunter Biden, é necessário dizer que a empresa Rosemont Seneca Technology Partners, do qual o filho de Biden foi fundador, já financiou a Metabota, sendo certo que parte desse dinheiro foi usado para financiar operações na Ucrânia. Ainda assim, o Washington Post garante que Hunter Biden nada teve a ver com a gestão do investimento naquele país. Depois, desde 2015 que Hunter Biden não tem qualquer ligação com aquela empresa. O jornal Daily Mail fez um artigo em que explorava as possíveis ligações entre o filho do presidente dos EUA e possíveis laboratórios biológicos na Ucrânia, mas, segundo o Myth Detetor, algumas das informações partilhadas não foram confirmadas com fontes diferentes.
Conclusão
Continuam a não existir provas de que existem laboratórios de armas biológicas na Ucrânia. Estas alegações já foram desmentidas várias vezes nas últimas semanas, bem como as ligações da família de Joe Biden a este suposto negócio. A publicação em questão, que refere a existência de um suposto complexo subterrâneo que contém laboratórios biológicos, também não apresenta factos que sustentem essa alegação. Aliás, na mesma publicação, o autor sugere que as informações divulgadas podem nem corresponder à verdade.
Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do about:blank, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de factchecking com o Facebook.