As publicações são diferentes, aparecem e desaparecem nas redes sociais, mas todas assumem o mesmo: a Organização Mundial de Saúde proibiu a realização de autópsias a doentes que morreram com Covid-19 para camuflar a suposta verdadeira causa de morte. Numa dessas publicações fala-se mesmo de Itália, que terá feito autópsias à revelia da Organização Mundial de Saúde.

Uma pesquisa no site da Organização Mundial de Saúde, porém, parece não devolver essa informação. Num guia publicado a 24 de março, quando a pandemia já estava generalizada na Europa, a OMS explicava os cuidados a ter com um cadáver com suspeitas de Covid-19 ou com a doença confirmada. Nesse documento lê-se que a Covid-19 é uma doença respiratória que ataca sobretudo os pulmões, e que, à data, não havia evidência de que fosse contagiosa depois da morte. Ainda assim, ressalvava o facto de que se a morte do doente tivesse ocorrido num período mais infecioso, ou seja com maior carga viral, seria possível a existência de vírus vivos nos pulmões ou noutros órgãos, o que, por isso, obrigava a cuidados reforçados — sobretudo em procedimentos que possam gerar aerossóis, como a lavagem dos intestinos, por exemplo.

Assim, a OMS recomendava — e recomenda, porque não houve qualquer atualização a esta recomendação — quais os cuidados a ter ao tocar num cadáver com Covid-19 e ao autopsiá-lo. Recomendava também às autoridades de cada país gerir cada situação caso a caso, equilibrando “os direitos da família, a necessidade de investigação da causa da morte e os riscos de exposição à infeção”, lê-se.

A higienização das mãos, o uso de equipamento de proteção individual apropriado, a par de protetor facial ou óculos e máscara médica, a realização da autópsia em locais ventilados, foram algumas das recomendações que a própria Direção Geral da Saúde, em Portugal, acatou e verteu para a norma publicada no seu site.

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Nessa norma lê-se basicamente o mesmo o que diz a OMS, que a probabilidade de emissão de gotículas ou produção de aerossóis é inexistente no cadáver mas que, ainda assim, “todos os profissionais de saúde ou outros que manipulem ou preparem o corpo, devem usar Equipamento de Proteção Individual (EPI) apropriado, de acordo com as precauções básicas de controlo de infeção, nomeadamente luvas, bata ou avental impermeável descartável e máscara cirúrgica.

Lê-se ainda que em situações de morte violenta ou de causa ignorada, e quando aconteça fora de uma unidade de saúde, deve a polícia chamada ao local comunicar imediatamente ao Ministério Público. E o corpo deverá ser sujeito ao teste à Covid-19 caso o MP decida que deve ser autopsiado. “Se a autoridade judiciária competente não dispensar a perícia médico-legal, compete às autoridades policiais, após a verificação médica do óbito, promover a operacionalização da remoção do cadáver para o serviço médico-legal da área”, lê-se na norma da DGS que institui a recomendação da Direção Geral da Saúde.

As autópsias médico-legais genericamente devem, porém, ser dispensadas, lembra a norma da DGS, uma vez que a sua realização tem como objetivo a investigação de um crime — como aliás já previa a lei antes da pandemia. E como a sua realização expõe a equipa médica a riscos biológicos, esses devem ser evitados.

Já depois desta norma, a própria Ordem dos Médicos portuguesa desaconselhava aos seus profissionais à “realização de autópsias médico-legais” tendo em conta o elevado risco biológico para a saúde pública. Para tal, lê-se na recomendação que ainda se encontra online, para limitar a realização de autópsias — como a DGS recomendava — nos casos que a lei a considerava imprescindível, deviam os serviços médicos legais articularem-se com o Ministério Público para decidirem se podia ou não ser dispensada. Caso não fosse, lembrava a OM que os cadáveres tinham que ser testados à Covid-19 antes e a recolha de zaragatoas devia obedecer a uma série de cuidados.

O Sindicato do Ministério Público chegou a manifestar-se, à data, preocupado com esta dispensa de autópsias, como então noticiou o Público. De facto os números, segundo o Diário de Notícias, mostram que entre janeiro e outubro o Instituto Nacional de Medicina Legal e das Ciências Forenses fez 4.855 autópsias nos casos de morte violenta e com suspeitas de crime, quando em mesmo período do ano anterior tinha feito 5.556. A diretora do INMLCF da Delegação Sul, Eugénia Cunha, afirmou mesmo a este jornal haver “uma diminuição nos pedidos de autópsia”, o que “não significa que haja menos morte”. Por outro lado também se notou uma redução no número de mortes violentas, até porque com uma menor circulação, houve uma redução no número de acidentes por exemplo.

Por outro lado, as autópsias a casos positivos de Covid-19 passaram a ser feitas de um método virtual — designado virtópsia, que foi desenvolvido por peritos da Universidade Zurique, no início do século XXI, e que tem vindo a ser adotado em situações de doença infetocontagiosa. “Já aconteceu haver casos positivos em que o Ministério Público entendeu em que não poderia abdicar da autópsia, pelas suspeitas de uma situação de crime, e que foi feita autópsia virtual”, confirmou a responsável. Esta autópsia recorre à tecnologia usada em exames de imagiologia para perceber a causa de uma morte suspeita — como em ressonâncias magnéticas por exemplo — permitindo visualizar o interior do corpo e perceber, por exemplo em caso de homicídio, se há algum projétil no corpo.

Conclusão:

A Organização Mundial de Saúde não proibiu a realização de autópsias durante a pandemia. Recomendou, sim, que os casos fossem bem geridos para se perceber se era de facto preciso fazer autópsia, até porque testando todos os cadáveres à Covid-19 que precisem de ser autopsiados, podia perceber-se logo, nalguns casos, a causa de morte — se esta tivesse ocorrido fora de uma unidade de saúde.

É que, segundo se lê na própria recomendação, é preciso um cuidado excecional nestas autópsias por poder ser detetado o vírus ainda vivo nalguns órgãos, podendo assim contagiar os profissionais de saúde. Assim, na mesma recomendação, em caso de necessidade de avançar para a autópsia, a OMS apresentou uma série de regras a serem tidas em conta pelos profissionais de saúde e na sala onde ocorre a intervenção.

Em Portugal a lei já era clara antes da pandemia: as autópsia é realizada quando há dúvidas quanto aos seus motivos. Ou por suspeita de um crime, ou por ter ocorrido em contextos próprios como um acidente de trabalho, ou de viação, ou quando alguém é encontrado já cadáver e não se sabe o que aconteceu. Sendo qualquer um destes casos, o cadáver deve ser antes testado à Covid-19. E, caso seja positivo, já se fazem autópsias virtuais para proteger as equipas médicas.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.

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