“Os crimes de branqueamento de capitais são os mesmos?”, perguntou Sócrates, para depois responder ele próprio à sua pergunta: “Não, não são”. Na entrevista à TVI, o antigo primeiro-ministro considerou que os crimes de branqueamento de capitais que lhe foram imputados na acusação eram relativos aos crimes de corrupção da Lena, da Parque Escolar e de “todas essas maluquices que eles inventaram”. Assim, uma vez que os crimes de corrupção caíram, Sócrates concluiu que os três crimes de branqueamento de capitais pelos foi pronunciado “são novos”:
Os crimes de branqueamento de capitais são os mesmos? Não, não são. Os crimes de branqueamento de capitais que lá estavam eram de crimes de corrupção da Lena, da Parque Escolar, sei lá, todas essas maluquices que eles inventaram. Portanto, estes crimes são novos. Novos”, afirmou.
Mesmo depois de o jornalista José Alberto Carvalho o ter alertado que, apesar de a corrupção cair, “os factos são os mesmos”, o antigo primeiro-ministro insistiu: “Não são”. Mas não é verdade que os crimes de branqueamento de capitais de que Sócrates foi pronunciado sejam “novos”. Apenas um dos três que ficaram não é praticamente igual ao que já estava na acusação.
Os 189 crimes da Operação Marquês passaram a 17. Quem vai afinal julgamento e por quais?
Dos 31 crimes pelos quais Sócrates foi acusado pelo Ministério Público, 16 deles eram de branqueamento de capitais. Agora, vai a julgamento por seis crimes, três de branqueamento de capitais. São eles:
- um crime de branqueamento, “em coautoria com o arguido Carlos Santos Silva, relativamente à utilização das contas bancárias de Inês do Rosário do Montepio Geral e à receção pela mesma de fundos, provenientes do arguido Carlos Santos Silva para entrega ao arguido José Sócrates, ocultando a propriedade das mesmas quantias por este último”;
- um crime de branqueamento, “em coautoria com o arguido Carlos Santos Silva, relativos à utilização das contas tituladas por João Perna como contas de passagem de fundos de origem ilícita provenientes do arguido Carlos Santos Silva e destinados à esfera patrimonial do arguido Jose Sócrates, operações ocorridas entre 2011 e 2014″;
- um crime de branqueamento, “em coautoria com o arguido Carlos Santos Silva, relativo à utilização da sociedade RMF Consulting para a realização de pagamentos, no valor global de 163.402,50€, entre 2012 e 2014, a favor das testemunhas António Mega Peixoto, António Manuel Costa Peixoto, Domingos Farinho e Jane Kirkby de fundos de origem no arguido Carlos Santos Silva e feitos no interesse do arguido José Sócrates”.
Ora, destes três, os dois primeiros são uma cópia quase exata dos termos que contavam na acusação, com ligeiras diferenças relativamente a um dos pontos do artigo do Código Penal a que se referem; e apenas o terceiro não estava inicialmente e nos mesmo termos na acusação. Assim, não é correto afirmar, como faz Sócrates, que os crimes de branqueamento de capitais de que foi pronunciado são “novos”. E mesmo em relação ao terceiro já existia na acusação um crime muito semelhante, que fazia referência precisamente a utilização da sociedade RMF Consulting para a colocação de fundos destinados a Sócrates:
“Um crime de branqueamento, em coautoria com os arguidos Carlos Santos Silva, Joaquim Barroca, Rui Mão de Ferro e com as sociedades LEC SA, XLM e RMF CONSULTING, relativamente à utilização desta última sociedade, entre 2010 e 2014, para a colocação de fundos destinados ao arguido José Sócrates e utilização dos mesmos no seu interesse através do pagamento de despesas suas e colocação de numerário à sua disposição.”
Ainda assim, os outros dois crimes de branqueamento de capitais são praticamente iguais aos que estavam imputados na acusação deduzida em 2017. A única diferença é que, antes, esses crimes teriam sido cometidos por Sócrates em coautoria com Carlos Santos Silva e com as pessoas cujas contas bancárias teriam sido utilizadas (nestes caso, Inês do Rosário e João Perna). Agora, apenas aparecem em coautoria com Carlos Santos Silva já que Inês do Rosário e João Perna não foram levados a julgamento pelo juiz Ivo Rosa. Além disso, o Ministério Público aponta para os números 1, 2 e 3 do artigo 368 do Código Penal (que define o crime de branqueamento) e o juiz aponta apenas para os números 1 e 2. Ainda assim, os factos que os consubstanciam são exatamente os mesmos.
No entender de Sócrates, os crimes de branqueamento de capitais não são os mesmos porque, na acusação, tinham conexão com crimes de corrupção que acabaram por cair. É verdade que o crime de branqueamento não tem existência autónoma, por haver obrigatoriedade legal de estar ligado a outro crime (o responsável pela existência do dinheiro ilícito). No entanto, os factos que consubstanciam os crimes que seguem para julgamento são, no essencial, os mesmos: a utilização das contas de Inês do Rosário e João Perna para a passagem de dinheiro e os contratos celebrados com um professor e a sua mulher e dois bloggers. Factos que, aliás, José Sócrates teve oportunidade de negar e contrariar durante a instrução.
Além disso, os três crimes de branqueamento continuam a ser decorrentes de um crime de corrupção — no qual o corruptor é Carlos Santos Silva, que não tem demonstração de ato concreto e que só não segue para julgamento porque Ivo Rosa entende que já prescreveu.
Conclusão
Como os crimes de corrupção que constavam da acusação caíram, José Sócrates concluiu que os crimes de branqueamento de capitais pelos quais foi pronunciado são novos já que eram relativos aos crimes de corrupção que agora não existem. Mas não é verdade. Dos três crimes de branqueamento de capitais, apenas o terceiro indicado no despacho de Ivo Rosa não estava inicialmente a acusação. Mais: na acusação já existia um crime muito semelhante a este terceiro — que fazia referência precisamente a utilização da sociedade RMF Consulting para a colocação de fundos destinados a Sócrates.
É certo que houve uma alteração no crime precedente aos três de branqueamento — passou a ser de corrupção sem demonstração de ato concreto, com Carlos Santos Silva como o corruptor —, mas os factos que estão na sua base mantêm-se os mesmos que José Sócrates pôde refutar durante a instrução.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
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