Durante mais de dois minutos e meio, uma mulher desabafa depois de ter feito uma conferência online. Segundo ela, a sessão juntou uma professora europeia e alunos da China e de Singapura, onde a autora do vídeo se encontra, e deixou a maioria dos intervenientes perplexos perante as supostas revelações dos colegas chineses. A audiência terá soltado gargalhadas perante as perguntas sobre o ponto da situação da pandemia na China, acabando por explicar que no país teriam tido direito a três semanas de férias, nas quais podiam viajar e passear, mas nunca teriam passado por um confinamento obrigatório. No final de fevereiro, “voltaram para o escritório e, desde então, é vida normal. Eles não foram privados de fazer nada”, conta a mulher. Contudo, não há nada que sustente estes relatos. Os dados foram descontextualizados.

A publicação viral, que difunde o vídeo onde estas alegações são feitas, ganha maior relevância num momento em que, em vários pontos do mundo — incluindo, em Portugal, com o anúncio de novas restrições sociais e o reforço das regras sanitárias –, os países tentam voltar a apertar o cerco à pandemia. Apesar de o vídeo ter sido partilhado do outro lado do Atlântico, as repercussões foram além das fronteiras do Brasil. Nalguns comentários ao post, é questionada a veracidade das informações ali partilhadas, mas o autor insiste: “É pura verdade. No auge da pandemia, eu estava na China e não vi controle em nenhuma cidade. Voltei por Lisboa no inicio de março e, por lá, a histeria do Covid tomou conta.”

Ao contrário do que é afirmado no vídeo, o confinamento na China aconteceu — e foi, até, bastante rigoroso. Wuhan, a cidade onde foram detetados os primeiros casos de Covid-19, parou a 23 de janeiro deste ano e os cerca de 11 milhões de habitantes tiveram de ficar em casa. Só era permitido sair para fazer o estritamente necessário e não era possível sair da província de Hubei ou entrar. Depois de Wuhan, outras cidades da região adotaram as mesmas restrições, numa decisão que afetou 57 milhões de pessoas. O confinamento terminou oficialmente a 8 de abril, durando cerca de dois meses e meio, um período muito maior que as três semanas citadas no vídeo.

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China ordena confinamento de urgência em onze bairros de Pequim devido à Covid-19

O cordão sanitário criado à volta da província de Wuhan permitiu que o número de infeções noutras localidades chinesas não aumentasse drasticamente. Houve restrições nas deslocações e, em cidades como Pequim ou Xangai, só os residentes podiam entrar nas respetivas áreas onde viviam, o uso de máscara passou a ser obrigatório — medida que o Governo português pretende agora aplicar em todo o país — e todos os serviços não essenciais fecharam as portas, como revelava um artigo publicado na revista científica “The Lancet” a 8 de abril.

Mesmo assim, a 11 de maio, foi identificado o primeiro surto do novo coronavírus em Wuhan desde o fim do confinamento na localidade. Também na cidade de Shulan foram reportados casos nessa altura e o isolamento voltou a ser obrigatório.

China de volta à normalidade com mais ajuntamentos e menos máscaras

É verdade que as medidas não foram iguais em toda a China, e isso é explicado pelos números. Dos 83,265 mil casos identificados no país até junho de 2020, uma esmagadora maioria (68,135 mil) encontravam-se em Wuhan. Daí que essa província tenha sido algo de regras mais rígidas que o resto do país.

No vídeo, a mulher diz ainda que os colegas chineses não são obrigados a usar máscara desde maio. Essa informação também não corresponde à realidade. Em Pequim, por exemplo, o equipamento de proteção individual só deixou de ser obrigatório na rua a 21 de agosto, após 13 dias sem registos de qualquer nova infeção na cidade.

De acordo com os números revelados, a pandemia parece mais estabilizada na China do que na Europa ou nos Estados Unidos da América, por exemplo. Ainda assim, esta terça-feira, 13 de outubro, foram confirmados 13 novos pacientes com Covid-19, incluindo seis transmissões locais, quebrando o recorde de 57 dias seguidos sem contágios domésticos.

Conclusão

Não é verdade que a população chinesa nunca tenha sido obrigada a cumprir confinamento e que tenha retomado a vida normal desde fevereiro. Em Wuhan, onde começou a propagação de Covid-19, as primeiras medidas de isolamento só começaram a ser levantadas no início de abril. No resto do país não houve restrições tão rígidas mas não eram permitidas deslocações, a não ser as inevitáveis, e o uso da máscara foi obrigatório até em localidades com poucos casos, como Pequim, até agosto.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

NOTA1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

NOTA2: este artigo foi produzido no âmbito de uma parceria de fact checking entre o Observador e a TVI

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