As críticas do Bloco de Esquerda às privatizações na saúde não são novas, os argumentos repetem-se. Neste caso, o de que os hospitais privados terão pedido 13 mil euros por cada doente Covid-19 para apoiar no combate à pandemia. Já em janeiro a candidata presidencial apoiada pelo partido, Marisa Matias, tinha usado o mesmo argumento enganador durante um debate entre os candidatos e o Observador tinha feito a verificação dos factos.

Durante o discurso de abertura da XII Convenção do Bloco de Esquerda, Catarina Martins retomou a mesma acusação quando afirmou que “a gestão do SNS tem favorecido os hospitais privados”, acusando-os de querer “cobrar 13 mil euros por cada doente Covid”.

Nas primeiras semanas da pandemia, que chegou oficialmente a Portugal em março de 2020, com a deteção do primeiro doente infetado com o novo coronavírus, o Ministério da Saúde estabeleceu um acordo com os operadores privados de saúde onde se fixavam os valores a pagar pelo Estado aos hospitais que recebessem doentes encaminhados pelo serviço público. Nesse acordo, era fixado um valor máximo: 12.861 euros, ou seja, um montante em linha com o referido pela líder do Bloco de Esquerda. Mas esse não era um valor para todos os doentes e não decorreu de uma exigência unilateral dos privados.

Os cerca de 13 mil euros diziam respeito aos doentes em estado mais grave. Casos em que, estando positivas para a Covid-19, estas pessoas necessitassem de internamento e que esse internamento se prolongasse por mais de quatro dias e obrigasse a um nível de cuidados mais intensivo, nomeadamente com recurso a ventilação assistida. Tratava-se, portanto, do valor máximo que o Estado poderia pagar por cada doente aos operadores privados na área da saúde, desde o momento em que fossem referenciados até ao momento em que recebessem a alta clínica.

De resto, no caso de um doente encaminhado pelo Serviço Nacional de Saúde cujo estado de saúde não fosse tão grave e não precisasse de receber oxigénio, ou que precisasse desse apoio num período até 96 horas (os tais quatro dias), o valor a pagar pelo Estado baixava consideravelmente: não ia além dos 1.962 euros por doente.

À data, a ministra da Saúde Marta Temido deixava claro que foi o Governo quem propôs este acordo aos privados e, depois, as entidades que se revissem nos termos da proposta poderiam aderir ao acordo. Não se tratou de uma exigência dos privados.  “As entidades que operam no sector privado e social podem, se assim o entenderem e desde que haja necessidade confirmada pelas entidades hospitalares e pelas Administrações Regionais de Saúde, integrar as respostas à Covid-19″, assinalou a ministra da Saúde.

Mas o acordo inicialmente proposto pelo ministério da Saúde acabou por ser revisto meses mais tarde, em novembro, estabelecendo um valor mais baixo por cada doente grave a tratar no setor privado da saúde. Nesse momento, os valores passaram a fixar-se entre os 8.431 euros (para os doentes mais graves) e os 2.495 euros (para os menos graves). A ministra da Saúde esclareceu ainda, aquando da revisão dos valores, que os montantes iniciais se fizeram “por aproximação”, dada a falta de conhecimento e de informação sobre a forma como o vírus se comportava e sobre como os doentes reagiam aos tratamentos.

“Em abril de 2020, quando a Administração Central do Sistema de Saúde preparou a primeira convenção extraordinária, não havia casuística que permitisse apurar um preço específico. Foi um preço por aproximação. A esta data já temos sete, oito meses de disponibilidade de dados dos custos do SNS, e foi com base nesse costeio que se fez a revisão de preço”, explicou Marta Temido na conferência de imprensa em que foi anunciada a revisão dos valores, em meados de novembro.

Conclusão

Os 13 mil euros a que Catarina Martins voltou a referir são um valor máximo de referência e que só se aplicava aos casos mais graves de doentes que fossem encaminhados pelos hospitais públicos para o privado e que foram propostos pelo ministério da Saúde e não “pedidos” pelos hospitais privados. Se não precisassem de ventilação assistida ou se apenas precisassem desse apoio até 96 horas durante o internamento, o montante baixava para menos de 2 mil euros. Na intervenção, Catarina Martins omite que o valor foi proposto logo no início da pandemia e sugerido pelo ministério da Saúde o mesmo que, meses mais tarde, acabou por reajustar os montantes.

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