Os profissionais de saúde têm estado na linha da frente no combate à pandemia desde o início. No entanto, mesmo com todos os elogios e aplausos, ainda há quem desconfie das suas reais motivações. No início desta semana, um vídeo viral, que foi entretanto bloqueado pelo Facebook, anunciava uma suposta investigação sobre como os “profissionais de saúde estariam a ganhar rios de dinheiro com a pandemia em Portugal”, e por isso não protestavam nem organizavam manifestações. Entretanto, no dia 5 de janeiro, o autor do vídeo voltou a referir-se a este caso num novo vídeo, repartilhando um recibo de uma “técnica de saúde” que, no mês de dezembro, teria recebido um prémio de desempenho covid-19 no valor de 499,25 euros por ter “trabalho um dia” no covidário. O autor do vídeo sugere que esse pagamento se repete mensalmente: “Cada profissional que colabore com doentes Covid-19, passados quatro meses recebe mais dois ordenados”, alega o autor. Trata-se, no entanto, de uma publicação falsa.

É verdade que, a 24 de julho, foi lançada um compensação para os trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde sob a  designação de “prémio de desempenho”, segundo o artigo 42 da Lei do Orçamento de Estado 2020 (aditado pela lei n27-A/2020), onde foram também descritas as seguintes condições para receberem essa compensação: ter estado de forma continuada e relevante em contacto direto com pessoas doentes ou suspeitas de infeção por Covid-19, entre 19 de março e 2 de maio, período em que vigorou o primeiro estado de emergência e as suas sucessivas renovações. Essa informação foi facultada ao Observador pelo Ministério da Saúde, mas está também disponível tanto em Diário da República como no site oficial do Governo.

Mais adiante, a 3 de dezembro, foram publicadas novas informações sobre este prémio no decreto lei n101-B/2020. Corresponde, assim, a 50% da renumeração base, sendo que só seria pago uma única vez a todos os trabalhadores do SNS, “independentemente da carreira em que se encontram integrados” e desde que “tenham, cumulativamente, pelo menos, 30 dias, nos quais se incluem dias de descanso semanal obrigatório ou facultativo, bem como situações de isolamento profilático ou doença resultante de infeção por SARS-CoV-2, exercido funções, praticando atos diretamente relacionados com pessoas suspeitas e doentes infetados por Covid-19”, esclareceu o ministério liderado por Marta Temido.

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Relativamente às funções referidas, a lei também é clara: observação, avaliação clínica, abordagem terapêutica, identificação de contactos, vigilância ativa e sobreativa de contactos e de casos confirmados de doença, investigação epidemiológica, colheita, processamento de amostras para teste laboratorial. Esse trabalho pode ter sido feito em diferentes áreas ou unidades, como serviços de urgência do SNS, enfermarias ou unidades de cuidados intensivos, por exemplo.

Esta também prevista a situação que o autor do post alega, quando se refere à tal técnica de saúde que esteve um único dia no covidário, tal como esclareceu o Ministério da Saúde. “Mesmo que o trabalhador apenas tenha prestado serviço efetivo na unidade de Covid-19 num único dia, mostrando-se igualmente preenchidos tanto os requisitos referidos, como a contabilização dos 30 dias, haverá lugar ao pagamento do prémio de desempenho”. Ou seja, a técnica de saúde em questão teve direito por corresponder aos critérios definidos, ainda que não se saiba, com exatidão, qual foi o seu trabalho específico no combate à pandemia durante o primeiro estado de emergência. No entanto, analisando o recibo, é percetível que o valor de 499,225 euros diz respeito ao mês de abril, que está dentro do período do primeiro estado de emergência. O Ministério da Saúde garantiu ainda que nenhum prémio foi pago sem que “estivessem reunidos todos os requisitos cumulativos estabelecidos por lei”.

“Aquilo que se deveria fazer relativamente a esse vídeo era denunciá-lo, inclusivamente por incentivo ao ódio. Aquilo que está a fazer é colocar as pessoas contra os profissionais de saúde. É muito feio”. É assim que a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, reage ao Observador quando questionada sobre a informação divulgada pelo autor da publicação original. Ana Rita Cavaco, apesar de afirmar que a Ordem “nunca concordou com este prémio”, afirma que os requisitos “estão muito bem definidos”, e estão incluídas “muito poucas pessoas”. “Uma pessoa que estivesse no serviço Covid-19 e ficasse infetada, tivesse metido baixa, não cumprindo os dias necessários já não poderia receber”, conta. Refere também que, em vez deste subsídio, seria preferível os profissionais de saúde tivessem tido acesso a um subsídio de risco e penosidade permanente, “porque agora estão em contacto com este vírus, mas as doenças infectocontagiosas não são de hoje”, finaliza.

Já Ricardo Mexia, médico de Saúde Pública do departamento de Epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge e Presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP), também acaba por concordar com Ana Rita Cavaco quanto à manipulação do vídeo. “É só pago uma vez, não tem a ver com um pagamento feito por um dia, é preciso cumprir características muito concretas e apertadas. Pessoas que estiveram um, dez, vinte dias não recebem. Uma das críticas feitas, até pelos sindicatos, é que há pouca gente a receber. Mas esta é uma situação clara que nada tem a ver com o que é contado pelo vídeo”, afirma o presidente da ANMSP ao Observador.

Convém também dizer que, no mesmo vídeo, o autor partilha uma notícia que fala sobre “subsídio de risco” para profissionais de saúde – entretanto alargado para trabalhadores de serviços essenciais. Só que essa medida está prevista no Orçamento de Estado de 2021 e não no de 2020. Ou seja, ainda não foi aplicada.  Acaba, por isso, por confundir os dois apoios  e manipular a informação verdadeira, enganando os utilizadores.

Conclusão

Não é verdade que os profissionais de saúde que lidam diariamente com o novo coronavírus estejam a receber um apoio mensal extraordinário no valor de 499,25 euros. O recibo demonstrado no vídeo viral diz respeito a um prémio de desempenho Covid-19 que foi criado pelo Governo, em julho, para profissionais de saúde que trabalharam no combate à pandemia durante o primeiro estado de emergência, que vigorou entre 19 de março e 2 de maio. No entanto, esse valor, que é pago uma única vez e não mensalmente, só é atribuído se forem cumpridos determinados parâmetros, e é calculado da seguinte forma: 50% do rendimento base. Ou seja, nem todos os profissionais de saúde estão cobertos.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

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