Surgiu como um regime excecional, quando a propagação da pandemia em Portugal fazia temer o aparecimento de surtos Covid de dimensão e gravidade imprevisíveis no interior das prisões. Logo em abril de 2020, a Lei n.º 9/2020 o “regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19”. Um regime que surgiu quando o novo coronavírus começava a entrar em força em Portugal e que permitiu, entre outras muitas centenas de casos, que Armando Vara deixasse a prisão de Évora quando ainda faltavam cumprir dois anos de pena.

Mais recentemente, a questão impôs: fará sentido, nesta fase da pandemia em Portugal, que continuem a ser libertados reclusos ao abrigo de um regime de exceção criado numa fase completamente distinta da pandemia? Em junho, a ministra da Justiça considerava que “a breve prazo” — e Francisca Van Dunem não foi mais específica que isto — a vacinação teria avançado de tal forma que a situação estaria “estabilizada”. Consequência: nesse momento, seria possível dar por esgotado o prazo de vida do regime de exceção.

Covid. Ministra da Justiça diz que o regime especial de perdão de penas pode ser revogado em breve

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Van Dunem não apresentou prazos, da mesma forma que não explicitou quando se considerava que a taxa de vacinação seria suficientemente abrangente entre a população prisional que deixaria de fazer sentir libertar reclusos sob o argumento de que essa era a melhor forma de salvaguardar a integridade de todo o sistema. De qualquer forma, o Governo fixou os 85% de população vacinada como o momento a partir do qual o país poderia equacionar — e pôr em prática — um plano de libertação mais amplo.

No contexto prisional, os números da Direção-geral de Reinserção e Serviços Prisionais (de 13 de outubro) mostravam que 91,28% dos reclusos estavam vacinados com o esquema vacinal completo (em contraste com os cerca de 88% da população total do país, por exemplo). Dois dias antes, Armando Vara foi libertado ao abrigo desse mesmo regime que continua em vigor.

Foi por essa altura que, questionada pela Rádio Renascença sobre as razões que levavam a que o Governo pusesse termo a esse regime, Francisca Van Dunem se justificou desta forma: “Quando o Governo propôs ao Parlamento a adoção de um conjunto de medidas nas quais se incluem os perdões de pena à luz da pandemia, propôs também que fosse o próprio Governo, através de decreto-lei, a decretar o tempo de vigência dessas medidas. Tal proposta não foi aceite pelo Parlamento, que quis conservar para si a prerrogativa de tomar essa iniciativa.”

Na prática, e tal como tinha dito meses antes, a ministra punha a capacidade de intervenção “nas mãos” do Parlamento. O Governo está, então, de mãos atadas e impossibilitado de pôr termo a esse regime? Está em causa perceber se apenas o Parlamento pode revogar a legislação que permite antecipar o fim das penas de prisão.

Ao Observador, o advogado Manuel de Andrade Neves explica que está em causa “matéria reservada ao parlamento ou ao Governo, mediante autorização legislativa atribuída a este para que legisle sobre uma matéria ou objeto concreto que caia no âmbito da reserva relativa do Parlamento”.

Ou seja, se o Parlamento tem margem ampla para intervir a este respeito — e determinar, por voto da maioria dos deputados, o fim do regime excecional —, para o especialista em Direito Público, o Governo só pode decretar esse fim “mediante autorização legislativa” que lhe seja concedida pelo Parlamento.

Andrade Neves acrescenta: “Desconheço, neste caso concreto, da existência de uma qualquer autorização legislativa dada ao Governo para o efeito, pelo que a revogação da Lei nº 9/2020 cabe ao Parlamento.”

No plano político, André Lima Coelho, deputado do PSD que preparou a proposta de revogação da medida de exceção, diz ao Observador que “mesmo que existisse um bloqueio” legal e que o Governo estivesse impedido de pôr termo à benesse para os reclusos, “está cá [na Assembleia da República] o partido que poderia dar entrada dessa proposta” — entenda-se, o PS. Ou seja, na prática, esse passo estaria sempre nas mãos do PS e dos deputados socialistas que se sentam no Parlamento.

Conclusão

De acordo com o especialista em Direito Público Manuel de Andrade Neves, o Governo só poderia acabar com o fim antecipado de penas de prisão se recebesse essa autorização do Parlamento. Sem essa autorização, só os deputados podem dar esse passo.

Assim, segundo a escala de classificação do Observador, este conteúdo está:

CERTO

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