Uma comparação literal tem estado a circular massivamente nas redes sociais nos últimos meses. Nas várias publicações que republicam o mesmo texto com alegados “factos” pode ler-se que “a hipótese de o asteroide colidir com a terra é de 0,042%”, um valor que compara com a “hipótese de morrer de Covid” e que rondará uma probabilidade de “0,026%”. Conclusão? “Ainda vamos a tempo de substituir a máscara por um capacete.” Mas a comparação é abusiva — já vamos perceber porquê — e, além disso, parte de pressupostos em que se baseia têm pouca ou nenhuma sustentação factual.

Analisemos, em primeiro lugar, o valor apresentado como tratando-se de um dado avançado pela “NASA”, a agência espacial norte-americana. O post — que terá começado a circular em inglês e foi sendo traduzido para outras línguas — não se refere a um asteroide específico. Mas, considerando o momento em que a mensagem começou a ser partilhada, em meados do ano passado, é admissível que estivesse em causa o 2018VP1.

A NASA dedicou-lhe alguma atenção em agosto do ano passado. Num tweet, a agência espacial garantia que o asteroide “não representava qualquer ameaça para a Terra” e que, naquele momento, havia uma probabilidade de 0,41% de que “entrasse na atmosfera do nosso planeta”. Mas, mesmo que isso acontecesse, ele “desintegrar-se-ia devido à sua dimensão extremamente reduzida”, de cerca de dois metros de diâmetro.

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Dois dados a reter: primeiro, a NASA referia-se à possibilidade de o asteroide “entrar na atmosfera” da Terra e não de “colidir” com a superfície do planeta; segundo, a probabilidade calculada era superior à que acabou por ser referida nos posts que faziam a tal comparação entre o risco de embate do asteroide e o risco de morte por Covid (à AFP Checamos, a NASA estimou em 0,005% a probabilidade de, nos próximos 12 meses, um objeto de grandes dimensões embater com perigo na Terra — muito abaixo do valor do post). Ainda assim, a comparação dos dois cenários nasceu em resposta ao tweet agência norte-americana e passou daí para outras redes sociais.

Quanto ao segundo dado, ele é tão impreciso — e enganador — como o primeiro. Ao contrário do cálculo da probabilidade de um asteroide embater na Terra, a probabilidade de morrer por Covid-19 depende de múltiplos fatores. E, por isso, a taxa de mortalidade por Covid-19 não é um número estanque a todo o momento e nem sequer é igual de uma região para outra, dentro de um mesmo país — tão pouco é a mesma em diferentes países. Mais: essa taxa também varia em função do tipo de população infetada com o novo coronavírus, que pode ser mais ou menos suscetível a desenvolver sintomas graves da Covid-19 (e, eventualmente, morrer) em função da sua condição prévia de saúde. E também varia em função da capacidade de resposta dos serviços de saúde.

Atualmente (dados verificados a 18 de março), Portugal apresenta uma taxa de mortalidade de 2,1%, que compara com os 23,8% do Iémen, os 2,8% da Alemanha e os 0,0% de Singapura.

Pegando apenas num dos fatores que influenciam o risco de morrer por Covid-19, um estudo citado pela AFP e produzido pelo grupo Epi-Phare (uma parceria entre a Agência Nacional de Segurança de Medicamentos da França e pelo Fundo Nacional de Seguros de Saúde) concluiu que  “os riscos de ser hospitalizado ou de falecer devido a este vírus aumentam exponencialmente com a idade”. Ao Observador, o virologista Celso Cunha refuta, desde logo, o valor apontado na publicação para o “risco” de morte por Covid-19. “Uma vez que diagnosticada a doença, a taxa de mortalidade andará à volta dos 2%”. Mas, ressalva o especialista do Instituto de Medicina Tropicl, “estes 2% são a taxa global, porque se formos estratificar este valor por grupos etários verificamos que acima dos 80 anos de idade a percentagem é muito maior, de cerca de 16%”.

Daí que a comparação estabelecida pelos autores das várias publicações careça de rigor. A probabilidade de um asteroide colidir com a Terra é calculada com base em parâmetros científicos e não pode ser alterada em função de intervenção de terceiros. A probabilidade de alguém morrer vítima de Covid-19 é uma realidade mais complexa e que depende de vários fatores, muitos dos quais passíveis de ser influenciados por intervenção de terceiros.

Conclusão

A publicação alega que o risco de alguém morrer por Covid-19 é muito inferior à probabilidade de a Terra ser atingida por um asteroide. Mas, além de a comparação ser abusiva — porque um acontecimento não depende de intervenção externa e outro está diretamente dependente da ação (ou inação) humana, os próprios valores apresentados como sendo de referência está errados.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.

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