Há uma publicação que afirma que os testes PCR, utilizados para averiguar se um indivíduo está ou não infetado pelo SARS-CoV-2, não fazem distinção entre os vários coronavírus que podem infetar os humanos. A mensagem foi partilhada mais de 150 vezes desde 13 de outubro, dia em que foi colocada em circulação. Mas é falsa.

Depois de enumerar corretamente os sete coronavírus conhecidos pela comunidade científica que podem infetar os humanos, o autor da publicação afirma que “o teste PCR deteta qualquer um deles, sem distinção, mesmo que não seja recente porque deteta os restos virais”.

Mas esta informação está errada. Os testes de diagnóstico PCR foram concebidos para reconhecer partes do material genético específicas do novo coronavírus — neste caso, “os genes que codificam as proteínas N, E, S e a polimerase viral”, como explica aqui o Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT). O material genético destes vírus está condensado numa molécula chamada ARN. Enquanto o ADN tem duas cadeias, o ARN só tem uma.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ora, estas proteínas, assim como a polimerase viral (enzima responsável pela síntese do ARN do vírus), existem em todos os coronavírus. No entanto, todas elas são codificadas por genes com configurações diferentes no SARS-CoV-2.

Os genes são sequências específicas de moléculas chamadas ácidos nucleicos que, por sua vez, são constituídos por tijolos mais pequenos chamados nucleótidos, que são compostos por três partes: o ácido fosfórico, um açúcar e uma base azotada. Há quatro bases azotadas no ARN: adenina (A), guanina (G), citosina (C) e uracilo (U). A primeira apenas se liga à segunda e a terceira apenas se liga à quarta.

Desde muito cedo que a sequência genética do SARS-CoV-2 foi disponibilizada ao mundo — ou seja, sabe-se como é que as quatro letras, uma para cada base azotada, estão organizadas no material genético do vírus que provoca a Covid-19. Quando se comparou essa sequência genética com a de outros coronavírus, percebeu-se que havia partes únicas, específicas e exclusivas nos genes do SARS-CoV-2 mencionados acima.

O que o teste PCR faz é identificar a presença dessas partes únicas. Para isso, utilizam-se peças de material genético complementares às porções genéticas que se pretende encontrar — os primers. Por exemplo, se a sequência dessas partes únicas for “AGCUAGCU”, a outra cadeia vai ser complementar e terá a sequência “GAUCGAUC”, para que os dois lados se possam ligar.

Quando uma amostra chega a um laboratório, os investigadores extraem o ARN do vírus e submetem-no a uma transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR) — uma técnica laboratorial que usa uma enzima (a transcriptase reversa) para transformar o ARN em ADN e copiá-lo muitas vezes.

Vamos por partes. Primeiro, o ARN é colocado em contacto com uma mistura que contém a transcriptase reversa, os primers para partes específicas do material genético do SARS-CoV-2 e nucleótidos. Se essas partes específicas do material genético do vírus estiverem presentes, então, os primers ligam-se a eles. Se não estiver, o processo que vamos agora explicar não acontece e o teste é negativo.

Quando o primeiro primer se liga, a transcriptase reversa sintetiza uma cópia de cadeia única de ADN que preenche o resto do gene — o ADN complementar ou cDNA. Neste momento, a temperatura é elevada para 95ºC, o que desnatura as moléculas e remove a cadeia de ARN viral que serviu de molde a este processo.

Depois, a temperatura volta a baixar. É então que um novo primer se liga ao lado oposto do ADN complementar e uma segunda enzima, a Taq polimerase, sintetiza uma outra cadeia para produzir uma cópia de ADN da região específica da informação genética viral.

Esta nova molécula de ADN — que não é mais do que uma transformação do ARN viral — sofre então várias amplificações. As duas cadeias do ADN são separadas por um processo de desnaturação, os primers ligam-se às sequências específicas e a Taq polimerase volta a sintetizar novas cadeias para dar origem a mais moléculas de ADN.

O processo é repetido até que se obtenham milhares de milhões de cópias do ARN viral. Com esta quantidade de ARN viral disponível na amostra, é possível analisá-lo através de outras técnicas, como a sequenciação do próprio material genético. Se não houver nenhum vírus na amostra recolhida, este processo simplesmente não ocorre e o resultado é negativo.

De acordo com o IHMT, a confirmação laboratorial de infeção por SARS-CoV-2 ocorre em duas circunstâncias. Uma delas é perante “um resultado positivo no teste de amplificação/deteção de genoma de SARS-CoV-2 para, pelo menos, dois alvos diferentes no genoma viral, dos quais pelo menos um alvo é preferencialmente específico para este vírus”.

Outra é perante “um resultado positivo do teste de amplificação/deteção para a presença de sarbecovírus [um vírus da espécie SARS-CoV], sendo que a identificação de SARS-CoV-2 é feita através da sequenciação total ou parcial do genoma viral, mas desde que o fragmento sequenciado tenha uma dimensão superior à do fragmento de amplificação obtido”.

Mas, “sempre que forem obtidos resultados discordantes, deve ser colhida uma nova amostra do mesmo indivíduo, repetido o processo de deteção molecular e, se possível, associá-lo à sequenciação de, pelo menos, parte do genoma viral”, indica o mesmo instituto.

Ao contrário do que sugere a publicação em análise, este procedimento tem como alvo partes muito específicas do SARS-CoV-2 — partes essas que não se encontram noutros vírus. Um falso positivo é um teste que afirma que a pessoa está infetada quando, na verdade, não está. Mas, para que o resultado seja positivo, então é porque há material genético deste coronavírus — e não de outros — na amostra recolhida na pessoa testada, mesmo que ela não tenha capacidade de infetar outros.

De qualquer modo, tal como explicou o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) ao Observador, os falsos positivos podem ocorrer dependendo do “desempenho dos testes, má prática de colheitas ou do procedimento laboratorial”. No entanto, como a “especificidade dos testes que estão registados no Infarmed é elevada”, “não é expectável que os falsos positivos venham a ocorrer”.

Podemos confiar nos números da DGS? Testes têm 98% de certeza — e os falsos positivos são muito raros

Conclusão

Não é verdade que o teste PCR que tem sido executado para confirmar uma infeção pelo SARS-CoV-2 também produza um resultado positivo para qualquer outro coronavírus. O procedimento por trás deste teste tem como alvo partes do material genético do vírus que são exclusivos dele e não se encontram em qualquer outro coronavírus.

Ora, para que o resultado desse procedimento seja positivo, então é porque foi detetado material genético deste (e apenas deste) vírus na amostra recolhida na pessoa testada — mesmo que sejam apenas “restos virais” (a expressão usada na publicação) e ela não tenha capacidade de infetar outros.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

IFCN Badge