Têm sido várias as informações manipuladas sobre o uso de máscaras desde que as autoridades de saúde, um pouco pelo mundo inteiro, recomendaram o seu uso para prevenir a propagação do novo coronavírus. No passado dia 24 de setembro surgiu uma fotografia, com uma montagem onde são visíveis os rostos de cinco pessoas com idades diferentes, contendo uma infeção na pele, que teria sido provocada pelo uso das máscaras. “O ambiente quente e húmido que se gera na máscara por conta do processo da respiração mais as bactérias e fungos presentes nas mãos, mais os esporos aéreos filtrados pelas fibras das máscaras promove o desenvolvimento e proliferação de estafilococos”, lê-se na descrição do post. É, no entanto, uma publicação falsa e já anteriormente verificada.
“Duvido de que as imagens estejam relacionadas com o uso de máscaras. Tem um bebé, que não as usa, e outra das fotografias só tem uma marca na zona de contacto. Não posso dizer que não poderão acontecer algumas situações por uma determinada espécie de staphylococcus (tipo infeção por bactéria) que pode existir nas vias respiratórias e na pele, mas provavelmente são pontuais.” É assim que Madalena Pimentel, professora de Microbiologia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, responde ao Observador quando confrontada com o post viral.
Madalena Pimentel questiona ainda se a informação é baseada em algum estudo — que não se encontra espelhado na publicação — e deixa algumas recomendações: “É preciso usar as máscaras adequadamente e substituir com periodicidade”. Isto porque existem fatores que podem potenciar o surgimento desta infeção, como “a inadequada utilização e falta de higiene”, argumenta. Finalmente, acrescenta que “em alguns sectores industriais se utilizam máscaras há muito tempo”, mas não tem “conhecimento de casos com infeções associadas”, afirmou. Ou seja, é notório que falta evidência científica no post para comprovar aquilo que o utilizador quis disseminar.
A verdade é que a informação propagada já foi anteriormente desmentida por fact checkers internacionais, como o da Agence France-Presse (AFP), que verificou a publicação em agosto deste ano. Das cinco imagens, só duas estão relacionadas com o uso de máscaras, segundo aquele órgão de comunicação social. A imagem do canto inferior esquerdo refere-se, na verdade, a um caso de varicela e pertence à Getty Images, banco de imagens online. Essa doença só é transmissível via gotículas ou entrando diretamente em contacto com as lesões cutâneas da pessoa infetada, como explica a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Segundo a AFP, a imagem do canto superior direito foi colocada na Wikipédia a 11 de abril de 2018, simbolizando um caso de eczema na pele, muito antes de o surto de coronavírus ter surgido — o primeiro caso foi reportado em Wuhan, em Dezembro de 2019. A única imagem onde é possível ver toda a cara de uma pessoa pertence a uma enfermeira italiana, Valeria Zedde, que postou esta fotografia na sua conta de Instagram, a 13 de março de 2020. Na descrição, a enfermeira desabafa sobre ter estado “seis horas em turnos com esta cara”. Acrescenta ainda que o material de proteção que usa naquele hospital “magoa e faz suar”. No entanto, diz, não é isso que “assusta” os profissionais de saúde. Não existe qualquer referência à infeção bacteriana de que trata a publicação original.
No que diz respeito à imagem do canto superior esquerdo, trata-se do caso de uma jovem que, segundo a mãe, ouvida pelo Le Monde, usou pela primeira vez a máscara durante muito tempo — e em que as marcas não são provocadas por qualquer bactéria mas pelo uso prolongado da máscara. A última fotografia que importa referir é do canto inferior direito. Ilustra uma condição de pele chamada “eritema malar” (“malar rash”, em inglês) que deixa as bochechas mais avermelhadas, provocando a dilatação dos vasos sanguíneos. A imagem pode ser encontrada em bancos de imagem como no Alamy, mas também no site da Medical News Today.
Já quanto à infeção, o USA Today, que também verificou o post viral, consultou Zaineb Makhzoumi, professor assistente e chefe do departamento de cirurgia dermatológica da Universidade de Medicina de Maryland, que confirmou que o uso de máscara não causa este tipo de infeções. “Não temos conhecimento de nenhum caso que associe o uso de máscara à staphylococcus. Há centenas de milhares de pessoas que trabalham em saúde e têm usado máscara há décadas, que nunca tiveram complicações ou efeitos secundários do género”, afirmou ao jornal norte-americano.
Por outro lado, a Covid-19 Expert Database, um site independente criado para ajudar a disseminar informação credível sobre a pandemia, alega que “é muito raro” que alguém desenvolva staphylococcus graças ao uso daquele material de proteção e relembra que, mesmo sendo raro, para se desenvolver esta infeção, a pessoa que usar máscara tem de ter uma ferida exposta na pele. Diz também que regras de higiene para prevenir tanto o novo coronavírus como a staphylococcus são praticamente as mesmas: lavar as mãos, desinfetar e suturar feridas e lavar a máscara.
É importante referir que o uso de máscaras tem regras e recomendações diferentes quer para profissionais de saúde quer para os restantes cidadãos. Essa informação foi publicada pela OMS a 6 de abril deste ano e pode ser consultada aqui. Pode também consultar a informação em formato de vídeo, partilhado pelo Observador a 20 de março deste ano.
Conclusão
Não é verdade que o uso de máscara provoque estafilococos. A informação propagada levanta muitas dúvidas a Madalena Pimentel, professora de Microbiologia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, até porque contém uma imagem de um bebé, que não tem de usar máscara por causa do novo coronavírus. O post já foi desmentido anteriormente por fact checkers internacionais como o da AFP ou do USA Today, onde não foram encontrados casos que comprovem esta informação. A agência francesas de notícias descobriu que as imagens têm origens diferentes, sendo que algumas são de bancos online de imagem e nem sequer se referem à Covid-19.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
Errado
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.