Há um conteúdo num mural público no Facebook em que duas mulheres surgem a afirmar que quem recebeu uma vacina contra a Covid-19 não pode doar “plasma convalescente” porque o fármaco elimina os anticorpos naturais contra o SARS-CoV-2, tornando-se ineficaz no tratamentos de doentes com Covid-19. Mas isso não é verdade: o objetivo da vacina é precisamente estimular o sistema imunitário a produzir anticorpos contra o vírus, de modo a evitar o desenvolvimento da doença em caso de infeção.

A publicação em análise.

Essa tem sido a explicação reiteradamente transmitida ao Observador pelos médicos imunologistas desde o início da pandemia. Todas as vacinas aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento contêm a informação genética de uma molécula do coronavírus — a proteína S —, que vai ser produzida dentro das células. Quando o sistema imunitário deteta a presença dessa proteína e a identifica como estranha ao corpo, vai atacá-la através de anticorpos. Assim, quando a pessoa sofrer uma infeção natural, o organismo já sabe que anticorpos recrutar para combater o vírus, explicou Henrique Veiga Fernandes, imunologista e investigador da Fundação Champalimaud, ao Observador.

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É assim mesmo com quem já desenvolveu uma resposta imunitária contra o vírus porque esteve infetado antes de ser vacinado. Neste momento, em Portugal, quem foi diagnosticado com Covid-19 no passado recebe apenas uma inoculação, precisamente porque a infeção natural é suficiente para produzir alguma proteção contra o vírus, funcionando como uma primeira dose, comparou Luís Graça, imunologista do Instituto de Medicina Molecular e membro da Comissão Técnica de Vacinação Covid-19. A administração de uma só dose não vai eliminar a resposta imunitária que já existe — pelo contrário, vai reforçá-la.

A desinformação contida na publicação em análise parece estar relacionada com uma suspensão emitida pela Cruz Vermelha Americana nas doações de plasma convalescente (mas não de outros componentes do sangue) por quem já foi vacinado — não por pessoas que não estejam vacinadas.

Um outro Fact Check produzido pelo Observador já esclareceu que essa suspensão nada tem a ver com a segurança da vacina para quem a recebe — essa está garantida, tal como comprovam os ensaios clínicos —, mas sim com a incapacidade de discernir se os anticorpos contra o SARS-CoV-2 presentes no plasma foram produzidos pelo próprio organismo em resposta a uma infeção natural ou à vacina. É que os estudos confirmam a segurança da transfusão de plasma para um doente com Covid-19 no primeiro caso, mas nenhum ensaio clínico abordou ainda o segundo.

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Aliás, as protagonistas do vídeo confundem dois conceitos nesta publicação e foi Jenelle Eli, diretora de comunicação da Cruz Vermelha Americana, que os esclareceu em declarações à Reuters: “As doações de plasma (apenas plasma e não plasma convalescente) são usadas para ajudar a tratar distúrbios hemorrágicos, doenças graves do fígado, problemas de coagulação e perda de sangue após traumas ou cirurgias graves. Já o plasma convalescente usa o sangue de pessoas que se recuperaram de uma doença para ajudar outras pessoas que estão a lutar ativamente contra essa doença”.

Ora, o plasma de quem desenvolveu anticorpos à conta da vacinação não se chama “convalescente” apenas por ter estas moléculas em circulação — o que torna ainda mais imprecisa a informação veiculada. A confusão também pode estar no facto de as doações de plasma convalescente (o doado pelos recuperados da Covid-19) também ter sido suspenso em março. O motivo, no entanto, não está relacionada com a segurança da vacina: com o decréscimo no número de internados e com plasma convalescente suficiente para os próximos tempos, a Cruz Vermelha Americana entendeu que não precisava de mais doações.

Conclusão

É falso que a administração de uma vacina contra a Covid-19 elimine os anticorpos produzidos naturalmente pelo organismo na sequência de uma infeção natural. Pelo contrário, a vacina vai reforçar essa resposta do sistema imunitário. Ao contrário do que afirma a publicação analisada, não foi este o motivo que levou à suspensão nas doações de plasma por partes dos vacinados contra a Covid-19, mas sim o facto de serem necessários mais dados para saber se é seguro administrar esse plasma convalescente a quem tem uma infeção ativa neste momento.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

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