No segundo debate quinzenal consecutivo, Pedro Passos Coelho, líder da oposição, mostrou a sua indignação para com a atitude do primeiro-ministro, por não pedir “desculpa pelas intenções que lançaram para a praça pública” sobre a responsabilidade política do Governo PSD-CDS no dinheiro que foi transferido para “paraísos fiscais”.

No entender do presidente do PSD, “não existe nas transferências offshore nada que envolva responsabilidade política do Governo” anterior, lembrando que “mais de metade daquilo que supostamente não passou pelo crivo do fisco” já ter acontecido durante o mandato do atual Executivo. Para rematar, Passos considerou inaceitável haver um primeiro-ministro que “não pede desculpa por tentar enlamear as pessoas que estiveram no seu lugar”.

Na resposta, António Costa mostrou-se surpreendido pela “desfaçatez” da exigência de Passos, já que o próprio o tinha ofendido: “Há 15 dias esteve aqui a insultar-me, pôs o seu líder parlamentar a insultar-me, fez fugas para a comunicação social sobre uma reunião da bancada onde me chamou vil, soez, reles e outros mimos de boa linguagem política. (…) E agora ainda queria que eu pedisse desculpa é preciso muita desfaçatez!”. Já sem tempo para responder, Passos Coelho pediu uma defesa de honra, que Ferro Rodrigues consentiu. E começou por explicar as razões: “Nunca pensei que tivesse de invocar esta figura regimental nesta câmara (…) mas há limites para a desonestidade no debate político.”

Passos Coelho alegou ter sempre confrontado António Costa “com resultados de política, com as suas próprias promessas” e com respeito institucional. Com base nessa certeza, o líder da oposição lançou então um desafio ao primeiro-ministro: “Discuti sempre com lealdade parlamentar e respeito pessoal e institucionalmente todas as diferenças de política. Desafio o senhor primeiro-ministro a provar que alguma vez o tenha insultado.”

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O que está em causa?

Em pleno debate quinzenal, António Costa acusou Passos Coelho de o ter insultado em dois momentos:

  1. Em plenário no debate quinzenal de 22 de fevereiro (“Há 15 dias esteve aqui a insultar-me”);
  2. Na reunião da bancada do PSD, a 23 de fevereiro (“Fez fugas para a comunicação social sobre uma reunião da bancada onde me chamou vil, soez, reles”).

Perante a acusação, Passos Coelho, garante que só atacou António Costa com “política”, com as “promessas” (que não cumpre) e com os “resultados” que considera escassos. Sempre, garante o líder da oposição com “lealdade parlamentar”. O líder do PSD deixou até um apelo ao primeiro-ministro: “Desafio o senhor primeiro-ministro a provar que alguma vez o tenha insultado.”

O primeiro-ministro não aceitou o desafio. Terá Passos alguma vez insultado António Costa? Primeiro, é preciso definir o que é um insulto. No dicionário Priberam da Língua Portuguesa é uma “ofensa feita acintemente com insolência e desprezo.” No entanto, é vulgarizado como um ataque verbal mais agressivo.

E quais são os factos?

A primeira acusação de António Costa é referente ao debate quinzenal de 22 de fevereiro, quando Passos Coelho se irritou com António Costa ao discutir os 10 mil milhões de euros que foram colocados em paraísos fiscais. Ipsis verbis, essa troca de palavras (registada pela câmara da RTP) foi assim:

António Costa:…Meses e anos a autuar quem não pagava uma portagem de autoestrada e tenha tido esta tranquilidade relativamente a 10 mil milhões de euros como se não visse a floresta que estava à sua frente…”

Passos Coelho (aparte): “Onde é que os senhores viram a floresta? Isso não é uma maneira correta de fazer política senhor primeiro-ministro. Não é! É, pelo contrário, uma maneira muito baixa de fazer política. Muito baixa.”

António Costa (aparte): “O sr. Passos Coelho está muito… Não precisa de Ritalina.”

Neste caso, não há nenhum insulto dirigido “ao homem”, mas apenas uma acusação normal de retórica política, assinalando Passos Coelho que Costa estava a optar por uma forma “muito baixa de fazer política”. Ainda não é aqui que Costa pode descobrir o insulto de Passos, embora Passos pudesse achar que Costa o estava a insultar com a questão da Ritalina, que é um medicamento usado para as crianças hiperativas.

Já no dia seguinte, 23 de fevereiro, numa reunião da bancada do PSD, Passos Coelho — segundo avançou o Público e confirmou o Observador junto de vários deputados presentes — o líder social-democrata acusou António Costa de ter tido uma atitude “reles e ordinária” naquele debate. Passos Coelho disse ainda perante a sua bancada, apurou o Observador junto dos mesmos deputados, que António Costa “não é digno” de exercer a função de primeiro-ministro e que desceu ao “grau zero” da política. Há aqui um pormenor: a reunião foi, como sempre, à porta fechada. Isso significa que Passos sabe que não há um único som (ou imagem) a acusar Costa de ter tido uma atitude “reles e ordinária”. Mas estavam dezenas de deputados sociais-democratas na sala que o ouviram e alguns que o confirmaram, quer ao Observador, quer ao Público.

Crispação política no auge: Passos fala em atitude “reles e ordinária” de Costa

À saída dessa reunião, Luís Montenegro, líder parlamentar, também serviu de caixa de ressonância do que o líder tinha dito na Sala do Senado (onde o PSD reúne habitualmente a sua bancada), denunciando uma atitude “soez e indigna” de António Costa.

Conclusão

Passos Coelho insultou António Costa. Pode ter sido à porta fechada, apenas tendo os deputados do PSD como audiência, pode não haver gravação, mas o facto do líder da oposição dizer que o primeiro-ministro teve uma atitude “reles” ou “ordinária” já pode ser considerado um “insulto”. Mas isso não invalida que António Costa também já tenha insultado Passos Coelho.

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