O ministro das Finanças, Mário Centeno, começou a conferência de imprensa de apresentação do Programa de Estabilidade por apontar as várias razões que os portugueses têm, na sua opinião, para estar satisfeitos com a política económica que tem sido seguida. Entre essas razões estava o facto de as taxas de juro no mercado de dívida estarem nos valores mais baixos de sempre, no que diz respeito à perceção de risco refletida nos custos do financiamento do Estado nos mercados.
Esses mínimos históricos não são só visíveis no chamado mercado secundário, onde os investidores transacionam entre si títulos de dívida de Portugal já emitidos, mas, também, nas emissões de nova dívida que o Estado português faz — ainda na semana passada o IGCP teve investidores mais do que suficientes para emitir dívida a 10 anos com um custo implícito de 1,14%. Com taxas cada vez mais baixas, está a ser possível ir reembolsando dívida antiga (mais cara) com novas emissões (mais baratas). Por causa desse efeito, a análise do nível de taxas em termos absolutos é muito relevante, pela poupança que proporciona naquilo que se paga anualmente em juros da dívida.
Mas quando se fala em taxas de juro absolutas, não se leva em consideração o enquadramento geral, que tem sido marcado nos últimos meses por uma forte redução das taxas de juro em todos os países da zona euro, desde logo a Alemanha (a referência de segurança no mercado de dívida europeia).
Se até setembro/outubro do ano passado estava a crescer o otimismo de que a economia europeia registava uma tendência sólida de expansão, desde essa altura o cenário mudou. Mais do que se prever novas medidas de estímulo por parte do Banco Central Europeu (BCE), o que os mercados têm vindo a antecipar, nos últimos 6 a 8 meses, é que o BCE não irá avançar tão cedo quanto se previa para a normalização da política monetária: isto é, acabando com as compras de dívida, com as cedências extraordinárias de liquidez à banca e, claro, voltando a subir as taxas de juro (incluindo a taxa de juro dos depósitos, que continua num valor negativo de -0,4%).
Mário Centeno congratula-se pelo facto de as taxas de juro de Portugal terem caído para os 1,2% [valor desta segunda-feira], comparáveis, por exemplo, aos 1,8% que se registavam, aproximadamente, em setembro último. Foi nessa altura que começou esta última vaga de descida nos juros. Mas o ministro está a desvalorizar que a taxa de juro da Alemanha também estava, nessa altura, com taxas superiores a 0,50% e, nesta fase, as mesmas taxas estão próximas de zero (chegaram a estar em -0,08% no final de março).
Ou seja, o diferencial de taxas de juro de que fala Mário Centeno não se alterou significativamente, pelo menos neste período de análise. O que quer dizer Mário Centeno com a sua “analogia futebolística”? Terá havido algum ponto em que as taxas de juro de Portugal se contraíram mais 100 pontos-base do que a Alemanha num período cirurgicamente definido? Houve, claro, mas nem sempre isso terá sido motivo de orgulho. Como assim?
Um exemplo, já relativo a esta legislatura: em meados de março de 2017, Portugal estava sob forte pressão dos mercados e tinha taxas de 4,3%. Passado dois meses, os juros tinham caído para os 3,2%, uma queda de 11o pontos-base. No mesmo período, em meados de março a Alemanha tinha taxas de 0,45% e em meados de maio 0,38%, ou seja, quase inalteradas. Aqui está um caso em que Portugal “ganhou à Alemanha por 100 pontos base”, na linguagem do “Ronaldo das Finanças” — mas a correção dos juros de Portugal só foi tão expressiva porque partia de uma base muito desfavorável.
É, portanto, enganadora a visão transmitida por Mário Centeno — não só pela dimensão do estreitamento dos diferenciais de risco (que não é tão lisonjeira como se faz parecer) mas, também, pela ideia de que Portugal está a gozar de taxas absolutas em mínimos históricos por seu quase único e exclusivo mérito e que a política monetária na zona euro (e a nível global) é outra coisa que não absolutamente decisiva para os custos de financiamento pagos pelo Estado português.
Porém, se Mário Centeno tem toda a razão em dizer que Portugal compara favoravelmente com as taxas muito mais elevadas cobradas a Itália — 2,5% a 10 anos –, um país em torno do qual os investidores têm as maiores dúvidas, a argumentação do ministro das Finanças fica um pouco mais fragilizada quando se constata que em Espanha, por exemplo, as taxas de juro a 10 anos até estão a negociar a um nível mais baixo do que Portugal, menos de 1,1% — um país que está a poucos dias de umas eleições llenas de incertidumbre.
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