18h35
“É rápido. São só dois minutos antes de começar a fazer o jantar. Uma espreitadela no Instagram e, já agora, passo depois no Facebook. Quer dizer, passo eu que tenho quase 50 anos. As miúdas pedem o mesmo, mas para ir ao TIk Tok. Mal não fará. Dizem que isto pode ser viciante, mas a mim não afeta. Eu tenho controle sobre o tempo que passo no telemóvel. “ |
18h50
“Se calhar devia mexer-me. Os dois minutos já vão quase em vinte. Mas agora preciso de ir à casa-de-banho. Vou levar o telemóvel, claro. Vou continuar a fazer scroll no Instagram mas tenho desculpa. Já que estou aqui dentro fechado, fico a par do que os meus amigos andam a fazer. E ainda vejo uns vídeos de gatos a tocar saxofone. E não, eu não estou viciado nisto.” |
Se este discurso lhe é familiar — não só por o ouvir, mas sobretudo por o reproduzir constantemente para si e para os outros —, saiba que talvez não seja essa a opinião de alguns especialistas. “As redes sociais estão concebidas para ativarem os centros de recompensa do cérebro, ou seja, para ficarmos viciados nelas, ao procurarmos o prazer imediato do ‘like’, da resposta ao comentário ou da aprovação de alguém.” As palavras são do psicólogo Fernando Lima Magalhães e podem ser lidas no explicador sobre redes sociais que publicámos no Mental, a secção do Observador totalmente dedicada à saúde mental. |
19h05
“Pronto, é agora. Tenho de ir. As miúdas estão agarradas aos telemóveis mas eu tenho de fazer o jantar. E pô-las a mexer para tomarem banho. Já lhes enviei uma mensagem por WhatsApp para se mexerem. Mas vá, são só mais uns minutos. Estes vídeos das cheias em Espanha são mesmo impressionantes. Eu não estou a ver parvoíces, estou a aproveitar para me informar. Consumo imensa informação através das redes sociais.” |
Justificar constantemente o tempo gasto nas redes pode ser um sinal de alerta. Mas há outros, como o desejo constante de verificar as aplicações, o desequilíbrio entre o tempo online e o tempo offline ou o pouco contacto com a família fora do mundo digital. Se isso ainda não lhe é suficiente, deixo outro, e este bem flagrante: a tentação de espreitar o telemóvel de noite, se acordar. Isso não só é uma evidência de que está a passar tempo de mais nas redes sociais como vai provocar alterações aos padrões de sono, com todas as consequências físicas e mentais que daí podem advir. |
20h12
“Começo a ficar irritado. Com as filhas porque ainda não se mexeram e comigo porque estou aqui agarrado a isto. Já é tarde, estou atrasado e já devia ter feito muitas coisas. Enquanto faço o arroz e a salada estou a espreitar notificações e reações a publicações e isso não faz sentido nenhum. Mas, já agora, não devia estar a preparar isto. Arroz à noite não é boa ideia e os bifes fritos só vão fazer com que engorde mais.” |
Entre os vários impactos estudados das redes sociais na nossa vida, está provado que a pressão pela imagem representa uma fatia importante. Por outras palavras, as imagens veiculadas nas redes provocam ansiedade e levam a uma vontade de imitação. Esta pressão social já é constante no dia a dia, mas o mundo virtual vem acentuar a tendência, sobretudo junto de algumas pessoas que possam ter mais propensão a isto. “O impacto na autoestima é grande, criando distorções e julgamentos na nossa autoperceção se provocar sentimentos de inadequação do nosso corpo, pela comparação com muitos ‘corpos perfeitos’”, diz o psicólogo consultado para este explicador. |
20h31
“Já devíamos estar a acabar de jantar e eu aqui a temperar a salada enquanto espero que alguém reaja à fotografia de uma folha de alface. Há pessoas regulares que constantemente deixam aqui um ‘like’ mas hoje nem essas. Há dias em que dou por mim a entrar nos perfis destes desconhecidos e a tentar adivinhar a vida que têm. Quem são estas pessoas e que interesses têm. De alguns já sei algumas coisas, pelo que vejo. Será que têm a mesma ideia de mim? Será que me seguem também assim?” |
A baixa autoestima é, simultaneamente, causa e consequência do tempo passado nas redes sociais, alertam os especialistas. E se no primeiro caso isso leva à busca de uma aprovação por parte de terceiros, no segundo provoca um isolamento social ainda maior, o que aumenta a tendência para estados depressivos e ansiedade. |
21h02
“Estou a ficar sem bateria e não posso. E logo hoje, que deixei o carregador no carro. Tenho de ir buscá-lo, mas é mais importante falar com as minhas filhas e tentar perceber como correu o dia delas. E se precisam de alguma coisa. E, já agora, consultar a aplicação do controle parental com elas para perceber quanto tempo estão a passar nas redes sociais diariamente. Se for demais ainda nos vamos chatear. Mas antes vou buscar o cabo para carregar.” |
Os adolescentes estão menos defendidos do ponto de vista psicológico para os riscos que o tempo passado nas redes sociais pode trazer. É importante, defendem os especialistas — em saúde mental mas também em cibersegurança — que haja um acompanhamento regular da parte de um adulto, para evitar situações de ciberbullying, assédio sexual ou comportamentos de imitação. |
O relato cronológico desta newsletter, bem como a descrição destes comportamentos, é fictício. Mas para muita gente não andará longe da realidade. Os riscos são grandes para os mais novos. Mas os mais velhos não estão livres desta adição. |