Submersa em polémicas e acusações de greenwashing, com a presença de um número recorde de lobistas da indústria dos combustíveis fósseis e com compromissos climáticos e financeiros considerados pouco ambiciosos pelos ambientalistas, decorre por estes dias no Dubai a COP28 — a 28.ª edição da mais importante cimeira global sobre as alterações climáticas, sob os auspícios das Nações Unidas e da presidência de um país cuja economia depende largamente da exploração e comercialização de combustíveis fósseis. |
A cimeira arrancou formalmente na quinta-feira da semana passada, 30 de novembro, e só nos primeiros dias, marcados pelas intervenções de chefes de Estado e de governo de todo o mundo, já foram assumidos compromissos que totalizam mais de 57 mil milhões de dólares. |
Os delegados dos quase 200 países signatários da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC) chegaram na semana passada ao Dubai com a responsabilidade de atar as muitas pontas soltas deixadas nas edições anteriores da COP, uma realidade especialmente evidenciada pelo facto de 2023 estar a caminho de ser o ano mais quente de sempre e de a maioria dos principais compromissos climáticos assumidos na história das COP (da meta dos 1,5ºC ao fim da desflorestação) estar ainda, em larga medida, por cumprir, como pode explorar neste interativo do Observador. |
À chegada ao Dubai, a maior expectativa recaía sobre o fundo para as “perdas e danos”, uma promessa antiga que tem vindo a ser renovada e reforçada ao longo de diversas edições da COP: criar um fundo internacional financiado pelos países mais desenvolvidos para ajudar os países em desenvolvimento a lidar com os impactos das alterações climáticas que os mais pobres já estão a sofrer neste momento, ou que vão inevitavelmente sofrer independentemente dos esforços de mitigação e adaptação que venham a ser feitos. O objetivo concreto era o de chegar a 2020 com uma mobilização de 100 mil milhões de dólares anuais — mas essa meta só foi alcançada pela primeira vez em 2022 e, mesmo assim, sem um fundo formal, com regras concretas sobre quem contribui e quem beneficia, que dê segurança e continuidade ao financiamento. |
Na COP27, realizada no ano passado no Egito, o máximo que os negociadores conseguiram foi a criação de um comité de transição que, durante o último ano, trabalhou na elaboração de uma proposta concreta para o fundo, que foi conhecida nas últimas semanas. Com base nessa proposta, a criação do fundo foi acordada no primeiro dia da COP28, permitindo ao Dubai capitalizar o acordo histórico como uma vitória da sua diplomacia. “Presidência da COP28 une o mundo no tema das perdas e danos”, lê-se num comunicado divulgado após a aprovação do acordo. |
De acordo com a proposta aprovada com um aplauso generalizado no Dubai, o novo fundo vai numa primeira fase ser gerido pelo Banco Mundial e será financiado pelos países industrializados, pelas economias emergentes e pelos países produtores de combustíveis fósseis. O fundo servirá, depois, para financiar os países em vias de desenvolvimento em projetos de resposta aos impactos das alterações climáticas. Portugal já se comprometeu a contribuir com cinco milhões de euros para este fundo. |
Nos primeiros dias da COP28 foram também assinados outros acordos paralelos significativos. |
O mais expressivo foi já assinado por 118 países, que se comprometeram a triplicar a capacidade mundial de produção de energias renováveis até 2030. A iniciativa foi liderada pela União Europeia, pelos Estados Unidos e pelos Emirados Árabes Unidos. Noutro acordo, 50 empresas petrolíferas, que representam perto de metade da produção global de combustíveis fósseis, comprometeram-se a atingir a neutralidade nas emissões de metano até 2030 e a descarbonizar a sua operação até 2050. |
Este último acordo tem sido desvalorizado por ambientalistas, que classificam o compromisso como uma “cortina de fumo”, já que prevê uma suposta descarbonização da indústria dos combustíveis fósseis em vez de uma descontinuação progressiva do seu uso. |
Desde o princípio, a cimeira do clima da ONU no Dubai tem sido marcada por polémicas. Os Emirados Árabes Unidos, um dos maiores produtores de combustíveis fósseis do mundo, foram acusados de usar a COP28 como parte dos seus esforços para limpar a sua imagem em termos ambientais — ou greenwashing. Documentos internos revelados nos últimos meses dão conta dos esforços de marketing levados a cabo pelos EAU em relação à cimeira, bem como da intenção do governo do país aproveitar a COP28 para acordos bilaterais em torno de negócios de combustíveis fósseis. A figura central em toda esta controvérsia é Sultan Ahmed Al Jaber, o presidente da COP28 — que é também o CEO da ADNOC, a petrolífera estatal dos Emirados. |
Em múltiplas intervenções, Al Jaber tem defendido a necessidade de manter os combustíveis fósseis no fornecimento de energia a nível mundial, preferindo falar na compensação das emissões através de sistemas de captura e armazenamento de dióxido de carbono — tecnologia bastante cara que não está disponível atualmente em escala suficiente para fazer face às emissões da indústria. Nas suas intervenções, usa com frequência a expressão inglesa “unabated” para se referir aos mecanismos para punir as emissões de dióxido de carbono — ou seja, apenas as emissões “não compensadas” por este tipo de sistemas. |
Esta abordagem é vista com maus olhos por uma boa parte da comunidade científica e pelos ambientalistas, que alegam que não há capacidade tecnológica para capturar eficazmente todo o dióxido de carbono emitido pela indústria dos combustíveis fósseis. |
Já durante a COP28, Al Jaber voltou a envolver-se em polémica, afirmando numa conferência de imprensa que “não há ciência” que apoie a ideia de descontinuar por completo a produção de combustíveis fósseis. A declaração gerou enorme controvérsia, motivando duras críticas de ambientalistas e cientistas e obrigando Al Jaber a defender-se publicamente. |
A COP28 deverá prolongar-se até ao dia 12 de dezembro, mas há a grande probabilidade de as discussões continuarem para lá do prazo, já que as negociações em torno do texto final (que tem de ser acordado por unanimidade) estão a andar muito lentamente. Num ponto de situação feito esta semana aos jornalistas portugueses, o professor universitário Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero e um dos representantes portugueses na COP28, explicou que nas negociações em áreas como a adaptação, a transição justa, a mitigação, o financiamento, o balanço global das metas de Paris e a energia continuava a haver mais dúvidas do que certezas sobre o que vai efetivamente constar do texto final. |
Comer micróbios pode evitar uma crise? |
Bactérias e micróbios produzidos em laboratório: para George Monbiot, ativista ambiental, autor de vários livros sobre a realidade ambiental e climática e colunista do jornal britânico The Guardian, essa poderá ser a solução para a crise alimentar global que será inevitável se o mundo não mudar rapidamente o seu sistema alimentar. |
Monbiot defende a tese no livro Regenesis — Alimentar o mundo sem devorar o planeta (Editorial Presença, 2023), recentemente publicado em Portugal. Entrevistado por António Moura dos Santos para o Observador, George Monbiot explica porque é que pensa que “o sistema alimentar está possivelmente numa situação ainda pior do que aquela que o financeiro atravessava alguns anos antes da crise” de 2008. |
Na entrevista, Monbiot critica ainda aquilo a que chama “falsas soluções” para o problema, como a ideia “o localismo”, isto é, “a ideia de que a resposta é comer produtos locais”. São, diz o britânico, ideias “de um romantismo que nos afasta da resolução dos problemas”. Essa, acrescenta, passar por “explorar outro reino natural: o dos micróbios”, que já usamos em vários contextos (iogurtes, queijo, cerveja ou pão, por exemplo), mas que podem ser explorados com maior proveito por serem ricos em proteína. Além disso, é possível produzi-los em grande escala explorando muito menos recursos. |
Mesmo que lhe pareça uma ideia radical, vale a pena ler a entrevista aqui. |