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O que têm em comum os famosos rios portugueses Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana? Apesar de virem desaguar a Portugal, todos eles nascem, na verdade, em Espanha. Até pode parecer que isto não passa da mera constatação do óbvio, mas o facto de os dois países ibéricos partilharem vários dos mais importantes cursos de água da península tem sido fonte de grandes dores de cabeça para ambos os governos ao longo das últimas décadas. |
Num momento histórico marcado pela seca, pelas alterações climáticas e pela necessidade de encontrar novas formas de produção de energia elétrica mais amigas do ambiente, ao longo do último século ambos os países começaram a construir barragens nos rios comuns — tanto para a produção hidroelétrica como para o abastecimento de água para consumo humano e agrícola. Enquanto Lisboa e Madrid lutam pelo acesso a um bem cada vez mais escasso, fica no ar uma questão: como gerir os rios que são comuns aos dois países? |
O problema é especialmente grave para Portugal: tirando raras exceções (por exemplo, em alguns troços do Guadiana), todas as utilizações dos rios por parte de Espanha situam-se a montante das utilizações por parte de Portugal. Dito de outra forma, se os rios ibéricos correm de Espanha para Portugal, então a quantidade de água que entra em Portugal está nas mãos das empresas que concessionam as barragens espanholas. |
Este contexto levou Portugal e Espanha a assinarem, em 1998, a Convenção de Albufeira, o tratado internacional que regulamenta a gestão dos rios partilhados pelos dois países. Entre muitos outros aspetos, a convenção regula precisamente este ponto controverso, definindo e calendarizando os caudais mínimos anuais, trimestrais e semanais que Espanha tem de enviar a Portugal nos rios partilhados. Outros pontos do acordo incluem, por exemplo, o regime de autorizações para as captações de água para uso agrícola nos rios internacionais. |
Porém, depois da assinatura da Convenção de Albufeira, multiplicaram-se as violações do tratado, principalmente por parte de Espanha. Por exemplo, ao longo dos últimos 20 anos, os agricultores espanhóis têm captado ilegalmente água na albufeira de Alqueva, gerando desconforto entre Lisboa e Madrid. Portugal estima em cerca de 40 milhões a dívida espanhola. Por outro lado, Espanha tem captado água no rio Guadiana, em Bocachanza, também sem uma regulamentação apropriada. |
Agora, no ano em que se assinalam os 25 anos da entrada em vigor da Convenção de Albufeira, os dois países sentaram-se à mesa para novas negociações, em grande parte por causa do Guadiana: é que Portugal também quer captar água no Guadiana internacional, para a levar para a barragem de Odeleite. Nestas novas negociações, esteve também em cima da mesa a resolução do mal-estar entre os dois países devido à barragem de Alqueva: afinal, Espanha pagaria o que deve? E passará a pagar a água que retira? |
Em contrapartida, Portugal, representado nestas negociações pela ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, levou exigências relativamente ao rio Tejo: há muito que os ambientalistas portugueses reclamam do modo como são geridos na fronteira os caudais daquele rio (que em 2019 quase secou). |
Após um processo negocial que os ambientalistas acusaram de ser pouco transparente, os dois governos anunciaram na semana passada ter chegado a um princípio de acordo, com vista à assinatura de um acordo definitivo na cimeira luso-espanhola, no final deste mês. Os termos do acordo ainda são praticamente desconhecidos, já que o Ministério do Ambiente e Energia não os divulga. |
A dívida a Espanha deverá ser perdoada, mas o país vizinho passa a pagar cerca de dois milhões por ano pela água que captar no futuro. Já no caso do Tejo, o acordo alcançado ainda não convence os ambientalistas que se dedicam à defesa do rio. Pode ler aqui tudo o que se sabe, para já, acerca destas negociações — que deixam em evidência o grande potencial das alterações climáticas para complicar as relações diplomáticas entre dois países vizinhos. |
Como o aquecimento global mudou uma fronteira |
Também a propósito do impacto das alterações climáticas na diplomacia, vale a pena olhar para uma notícia chegada recentemente dos Alpes: devido ao degelo dos glaciares da mais célebre cordilheira da Europa, Itália e Suíça negociaram uma redefinição das suas fronteiras, que deverá ser ratificada e entrar em vigor nos próximos tempos. |
Na região onde se ergue o famoso Matterhorn, uma das mais altas montanhas da Europa (sim, a montanha que ilustrava as embalagens do chocolate Toblerone), a fronteira entre a Suíça e a Itália é definida pelas linhas do cume dos glaciares. Trata-se de uma área célebre pelas estâncias da esqui que atraem milhões de turistas — e onde existem várias regiões de neve eterna. |
Mas, nos últimos anos, o degelo na região tem acelerado. Os dados mais recentes revelam que só em 2023 os glaciares suíços perderam 4% do seu volume. Só em 2022 a perda tinha sido maior: 6%. Esta acentuada quebra do volume dos glaciares fez com que a linha do cume, que historicamente definia as fronteiras, também mudasse de sítio. As elevadas temperaturas durante o verão, bem como a redução da quantidade de neve que cai na região, deverão contribuir para que este panorama se prolongue no futuro. |
Com os glaciares a mudarem consideravelmente de forma, Suíça e Itália viram-se obrigadas a mudar também as suas fronteiras, num acordo que já foi ratificado pela Suíça e que deverá ser aprovado por Itália nos próximos tempos. A ideia é que as fronteiras voltem a respeitar a linha de cume do glaciar, ao mesmo tempo que tenham em conta os interesses económicos dos dois países na região. |