Desejo um excelente ano novo a todos os leitores do Observador. Mas o meu desejo limita-se às vidas privadas, o que já é muito. No caso da vida política e económica, as coisas vão piorar e não vale a pena ter ilusões. Esqueçam os desejos piegas e hipócritas de muitos nos jornais e nas televisões. Quem os faz, sabe bem que nada melhorará, respeita apenas o hábito de fim de ano.

Em Portugal, o diabo não chegará, sobretudo porque a União Europeia não deixará. Mas a vida será mais dura, os preços dos bens essenciais não vão baixar, e a qualidade dos serviços sociais de que os portugueses tanto precisam vai diminuir (não há milagres depois de tantos anos de cativações e de falta de investimento público). A contestação social irá aumentar, assim exige a sobrevivência do PCP. O Bloco e o Chega, cada um do seu lado, vão competir com o PCP pelo domínio dos protestos das ruas.

Politicamente, a aliança entre Marcelo e Costa continuará a ser o centro da democracia nacional. Aqueles, sobretudo na direita, que continuam à espera do momento em que Marcelo decide enfrentar o governo não vivem em Portugal, mas noutro mundo. Mais do que uma aliança, Marcelo e Costa construíram uma fórmula de poder, indispensável a ambos e que, de momento, ainda agrada à maioria dos portugueses. Num mundo instável, é uma espécie de bloco central que garante um mínimo de estabilidade.

Também foi uma aliança feita contra Cavaco, e contra Passos Coelho. Ou melhor, feita contra o passado de Cavaco (o político português com mais sucesso eleitoral, o que numa democracia não é um feito menor). Por isso, são necessárias tantas sondagens a mostrar que Marcelo é mais popular do que Cavaco. Mas a aliança entre o PR e o PM também é feita contra um possível futuro político de Passos. O regresso de Passos é grande pesadelo de Marcelo e de Costa, para quem o antigo PM é o maior adversário político. É verdade, Marcelo passará à história como o Presidente que se aliou a um PM socialista contra dois antigos líderes do seu partido.

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O PM continuará prisioneiro da sua maioria absoluta, sem saber o que fazer com ela. Foi uma das piores partidas que os portugueses fizeram a António Costa. Está obrigado a governar mais quatro anos, a aturar o seu partido, e sem a mínima ideia do que fará até 2026. António Costa tinha um plano – tentar conquistar a Presidência do Conselho Europeu, mas a guerra na Ucrânia estragou-lhe os planos. Agora, está perdido, sem rumo, e condenado a gerir a pequena política do dia a dia. Com Costa farto, com pouca energia, e ainda menos paciência, o PS terá caminho livre para continuar a ocupar o Estado sem vergonha e sem hesitações. 2023 estará recheado de casos e casinhos que, obviamente, o PM desconhece. Melhor, nem os quer conhecer. Depois da maioria absoluta, Costa julga que é maior do que Portugal (e muito maior do que o seu partido). Mas Putin destruiu o seu destino europeu, o único que lhe servia, e que estava à sua altura, depois do resultado de Janeiro de 2022.

Fora de Portugal, a guerra na Ucrânia continuará, e muito provavelmente de um modo mais brutal. Putin é o Presidente das guerras. Foi a guerra na Tchétchénia que lhe entregou o poder na Rússia (não foi Yeltsin, na altura um alcoólico moribundo). Depois, a guerra na Geórgia ajudou a consolidar o poder na Rússia A conquista da Crimeia aumentou a sua popularidade interna, e a guerra na Ucrânia – que na verdade começou em 2014 – é a aplicação da estratégia revisionista contra o poder americano. Putin estará em guerra até ao fim da sua vida política. Prefere uma má guerra a uma má paz.

Com eleições em 2024, Zelensky sabe que a sua sobrevivência política não permite aceitar uma paz com perda de territórios ucranianos. Os Estados Unidos e os países europeus também não têm margem política para aceitar uma “paz russa” na Ucrânia. Seria uma derrota ocidental e uma vitória russa. Além disso, Biden também tem eleições em 2024. E pode enfrentar Trump, que conseguiu a proeza extraordinária de transformar a sua parte do partido republicano no “partido russo” nos Estados Unidos. Com as primárias republicanas, a guerra na Ucrânia será cada vez mais parte da política interna norte Americana, com Trump a defender o fim do apoio americano aos ucranianos. Biden irá, naturalmente, aumentar o seu apoio a Zelensky. As eleições que ambos enfrentam em 2024 vão reforçar a aliança entre os dois.

No plano mais global, a competição geopolítica entre os Estados Unidos e a China continuará a intensificar-se. Os países europeus, sobretudo a Alemanha, terão cada menos margem para contruírem uma terceira via. Essa via exigiria uma separação entre a política e a economia, com os europeus a manterem a aliança de defesa com os Estado Unidos, mas relações económicas com ambos. O mundo multipolar acabará com a separação entre política e economia. Essa separação foi um luxo permitido pela hegemonia americana. Não se pode desejar um mundo multipolar e, simultaneamente, a separação entre a política e a economia mundiais. Berlim e Paris não entendem o óbvio porque têm (a Alemanha) um Chanceler que ainda não deixou de ser um ministro das Finanças, e a (França) tem um Presidente acidental, um antigo banqueiro, que nunca será um estadista. Quem viu as imagens confrangedoras de Macron a discursar no balneário da seleção francesa após a final do Mundial de futebol, e ter dado ordens para as gravar, não tem qualquer dúvida que o Presidente francês nunca estará à altura da chefia do Estado, sobretudo em tempos de guerra.

Poderá não ser em 2023, mas mais tarde ou mais cedo, a Europa terá que escolher se quer os EUA ou a China como primeira potência mundial. É o que está em jogo: os Estados Unidos querem manter o seu lugar de número um, e a China quer ocupar o trono global. Resta saber se a guerra na Ucrânia dura até à invasão de Taiwan pela China, a qual será inevitável.

Se a guerra na Ucrânia não se tornar uma guerra entre a Rússia e a NATO, ou não se alargar aos Balcãs, ao Kosovo e à Bósnia; se Putin não usar armas nucleares; e se a China não invadir Taiwan, o ano de 2023 já não será mau.

PS: Há livros que se vão lendo, com paragens e regressos; há livros que se leem com tempo para serem devidamente apreciados; há livros que se leem ao mesmo tempo com outros livros; há livros que apenas se consultam; até há livros que não merecem mais do que a introdução; mas não há muitos livros que se leiam quase de seguida. Livros que nos prendem de tal modo que temos de os terminar rapidamente. Com o tempo, encontramos cada vez menos livros desses, mas quando encontramos um é uma alegria (e não significa que sejam melhores do que outros que não despertam a mesma urgência). Este Natal, encontrei um: O Mago do Kremlin. Não vou escrever sobre ele, seria desnecessário. Um bom livro é bom de maneiras diferentes, sendo o leitor a decidir. Digo apenas que merece ser lido.