Na quarta-feira, o primeiro-ministro fez uma declaração ao país sobre a operação “Portugal Sempre Seguro”. Em horário nobre, Luís Montenegro anunciou a compra de cerca de 600 veículos para as forças de segurança e informou-nos que reunira com as ministras da Justiça e da Administração Interna, bem como os mais altos responsáveis das várias forças de segurança, para acompanhar a operação da PJ que está a investigar os responsáveis pelos tumultos na Área Metropolitana de Lisboa que se seguiram à morte de Odair Moniz.

Todos percebemos que a declaração foi exageradamente solene para o seu conteúdo e que Montenegro quis, acima de tudo, marcar território em matéria de segurança e criminalidade face às críticas do Chega, que faz das matérias securitárias um dos seus assuntos bandeira. Só assim poderemos entender tamanho destaque dada a este assunto, tendo em conta os inúmeros problemas do país e as dezenas de decisões quotidianas da mesma magnitude que o Governo toma. E só assim poderemos entender uma frase como esta: “[a segurança do país] não significa que devamos fechar os olhos a algumas circunstâncias que contribuem, como foi o caso dos incidentes da Área Metropolitana de Lisboa, para a insegurança”.

Nada aqui é novo ou original. Quando um partido de direita radical entra no sistema partidário e parece estar em crescimento, o partido de centro-direita mainstream frequentemente decide tomar posições mais firmes, mais salientes e mais à direita nos assuntos bandeira do partido radical, nomeadamente em matérias de imigração, segurança e criminalidade. A esperança é que o posicionamento firme nestes assuntos consiga estancar o crescimento do partido à sua direita e convença alguns eleitores, tentados a votar no novo partido de direita radical, a votarem no partido de centro-direita. Em 2005, num artigo de ciência política que ficou muito famoso, a politóloga Bonnie Meguid chamou a esta estratégia dos partidos mainstream uma estratégia de acomodação.

Será que esta estratégia de acomodação funciona? Será que os grandes partidos mainstream de centro-direita conseguem mesmo travar o crescimento dos novos partidos à sua direita ao adoptarem posições mais securitárias em matéria de criminalidade e mais restritivas em matérias de imigração? O discurso prevalecente no espaço público afirma que tal estratégia não funciona e não consegue estancar o crescimento da direita radical. Parece que já ouvi centenas de vezes a frase “os eleitores preferem o original à cópia” proferida em programas de comentário político e colunas de jornal ao longo dos anos, referente aos mais variados países. Mas o que nos diz a investigação mais rigorosa? A realidade corresponde a esse senso comum?

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Na verdade, não sabemos. Os estudos rigorosos sobre o assunto revelam que, em algumas situações, a acomodação parece funcionar e consegue travar o crescimento da direita radical, mas que, noutros casos, não funciona e não é capaz de diminuir as votações no partido de direita radical. O estudo original efectuado por Meguid em 2005 argumentava que a acomodação funcionava porque os partidos mainstream de centro-direita conseguiam captar alguns votos que, de outra forma, iriam para o partido mais radical. Na verdade, Meguid chega mesmo a escrever que “a cópia é melhor do que original” (o inverso da frase comum). Porquê? Porque os partidos mainstream de centro-direita e centro-esquerda têm a capacidade de oferecer não apenas uma posição mais firme no que toca à imigração, tornando mais inútil o voto no novo partido, mas também um conjunto de posições credíveis e conhecidas em muitas outras matérias como a economia, a política externa, ou os assuntos sociais. E oferecem ainda algo muito importante que o partido novo não consegue oferecer: experiência governativa.

Na verdade, Meguid argumenta que a estratégia de acomodação funciona não apenas para os partidos de direita radical e a imigração, mas também para outros assuntos e partidos.  Em particular, afirma que os partidos de centro-esquerda (e centro-direita) podem estancar o crescimento de novos partidos Verdes ao adoptarem posições mais proactivas no combate às alterações climáticas e que os partidos mainstream também podem travar o crescimento de partidos regionalistas ao acomodarem algumas medidas de descentralização territorial. De facto, não deixa de ser irónico que muitas das pessoas que afirmam que a acomodação não funciona no que toca ao crescimento da extrema-direita, simultaneamente argumentam que os partidos sociais-democratas devem adoptar algumas posições retiradas de programas de novos partidos Verdes ou que um governo como o de Pedro Sanchéz em Espanha foi eficaz a esvaziar os partidos independentistas da Catalunha. Segundo estas pessoas, a acomodação parece funcionar para alguns mas não para outros. Talvez assim seja, talvez os partidos de direita radical e a sua capacidade de atracção eleitoral seja especial e qualitativamente diferente de todos os outros assuntos e partidos. E devemos sempre separar aquilo que nós desejamos que seja verdade, porque concordamos ou discordamos com as propostas do ponto de vista ético e político, daquilo que é, de facto, a realidade. Nem sempre o sucesso eleitoral dos partidos vem da defesa das propostas que preferimos.

Os estudos empíricos mais recentes confirmam o que afirmei no título: ninguém sabe se a acomodação realmente funciona, porque parece haver resultados positivos e negativos em contextos diferentes. Para além do estudo original de Meguid, outros estudos comparativos concluem que a estratégia de acomodação pode funcionar. Um estudo mais recente, realizado no contexto Dinamarquês, analisa as estratégias e posicionamento do partido social-democrata Dinamarquês, que recentemente adoptou posições mais restritivas na imigração. O estudo encontra que tal trouxe benefícios eleitorais aos partidos do governo de esquerda. Mas com uma nuance: ao alterar a sua posição quanto à imigração para a direita, o partido social-democrata Dinamarquês perdeu eleitores pró-imigração mais ou menos em igual quantidade aos novos eleitores cépticos na imigração que ganhou. No entanto, como os eleitores pró-imigração foram para outos partidos de esquerda, tal estratégia acabou por aumentar o campo da esquerda Dinamarquesa como um todo que, em conjunto, formou um governo de coligação.

No entanto, todos estes estudos estão longe de ser definitivos. Até porque, simultaneamente, há alguma evidência de que a estratégia de acomodação pode não funcionar. Olhando para o caso Alemão, Rafaela Dancygier e co-autores revelam que existem eleitores da AfD que votariam nos partidos mainstream se estes adoptassem posições mais próximas das do partido radical no que toca à imigração. Mas alertam que tal estratégia não traria apenas benefícios para os partidos mainstream, mas que traria custos elevados, uma vez que muitos dos seus eleitores abandonariam o partido caso ele adoptasse essas posições mais restritivas. Entre o deve e o haver, não é certo que que os partidos mainstream conseguissem aumentar as suas votações. E a verdade é que outros artigos que analisam dados de vários países chegam a conclusões totalmente diferentes das indicadas no parágrafo anterior, sugerindo não só que a acomodação não funciona como pode até resultar num backfire e aumentar ligeiramente os resultados do partido de direita radical. Afinal de contas, caso as alterações de posicionamento dos partidos de centro sejam demasiado grandes podem correr o risco de parecer falsas e pouco credíveis, devolvendo a autoridade sobre o tema em causa (neste caso, a imigração ou a segurança) ao partido novo.

Em conclusão, gostaria de escrever um texto a afirmar que a acomodação funciona ou que sai sempre pela culatra. Mas a realidade é mais complexa. É impossível de afirmar tal coisa em abstrato e, no contexto português, não é possível de perceber se estas e outras jogadas de Montenegro terão sucesso. Os resultados eleitorais e a competição partidária não dependem apenas do posicionamento dos partidos num único assunto, mas sim da plataforma sobre múltiplos temas que os partidos apresentam e as alternativas concretas em jogo. E, para lá do posicionamento, o sucesso eleitoral depende ainda dos temas que se tornam dominantes e mais importantes para o eleitorado, da imagem de credibilidade e responsabilidade dos partidos nesses temas, e das opiniões e preferências dos cidadãos que, no decorrer das suas vidas concretas, evoluem de forma substantiva e não apenas como marionetes comandadas através de elites políticas e mediáticas.