A presunção de inocência é algo que é estruturante numa sociedade que advoga o Estado de Direito. Deve ser dada a qualquer pessoa, seja um cidadão, um agente da autoridade ou um governante. Contudo, creio ser indiscutível que o respeito pelo exercício da autoridade está a esmorecer. Infelizmente, tal como escrevi há dez meses, é o Estado, em particular o Governo, quem frequentemente não possibilita condições para o exercício da autoridade.

Exagero? Ora vejamos. O Tribunal de Contas queixa-se das regras da Assembleia da República que impossibilitam a fiscalização aos pagamentos aos deputados. O Orçamento do Estado para 2021 contém empréstimos feitos pelo Estado sem nomear os respectivos destinatários. Por mil euros, o ajuste directo da Oliver Wyman (749 mil euros) dispensou o visto prévio do Tribunal de Contas. E os agentes da PSP e da GNR continuam sem as condições e o equipamento necessário ao cumprimento das suas funções. O assunto voltou a estar na ordem do dia por causa da posição de André Ventura relativamente à proibição das imagens feitas por cidadãos da interacção policial com as minorias. Sou totalmente contra esta posição, assim como contra qualquer meio que sirva para diminuir a transparência e a verdade. E penso que os agentes da autoridade também não concordam em restringir a liberdade. É por serem essenciais para o esclarecimento da verdade que as bodycams devem urgentemente fazer parte do equipamento das polícias. Mas existem outras vertentes que estão a contribuir substancialmente para a banalização da autoridade. A falta de transparência dos nossos governantes é uma delas.

Há dias, foi notícia uma investigação ao Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, e ao Secretário de Estado Adjunto e da Energia, João Galamba, por suspeita de favorecimento do consórcio EDP/Galp/REN no projeto do hidrogénio verde para Sines.

No caso em questão, a investigação resultou por causa de uma queixa anónima. Ora, a queixa anónima é uma espécie de zona cinzenta. Tem tanto de bom como de mau. Por um lado, pode ser instrumentalizada para atingir pessoas sem qualquer fundamento ou substância, visando apenas o denegrir da sua reputação. Por outro lado, parece-me ser indesmentível, que sem as denúncias anónimas, muitos casos, de manifesta gestão danosa da coisa pública, não teriam conhecido a luz do dia.

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Infelizmente, é usual os decisores políticos portugueses serem acusados de práticas ilícitas. Mas os principais responsáveis por isso são os próprios decisores políticos. A prática comum é a do segredo ou da divulgação mínima, i.e., a maioria dos nossos decisores não divulga a totalidade da informação referente aos assuntos que estão sob a sua responsabilidade. Por outras palavras, devia haver mais transparência. E este é o ponto em questão como veremos a seguir.

Na sequência da divulgação desta investigação, tanto Pedro Siza Vieira como João Galamba reagiram à mesma. A 7 de Novembro, o gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Energia fez sair uma nota explicativa, onde detalhou exaustivamente todos os passos dados durante a discussão da Estratégia Nacional para o Hidrogénio e sua implementação. Para esse efeito, na nota explicativa lia-se o seguinte: “(…) foram realizadas várias reuniões, com diversos interessados, que são, agora, tornadas públicas.

Ou seja, aquela que deveria ser a prática normal e habitual, a divulgação e o acesso público a toda a informação, a qualquer momento, só excepcionalmente é tornada pública. Se esta excepção fosse a norma, a probabilidade do Ministro Pedro Siza Vieira e do Secretário de Estado João Galamba, terem sido, ou virem a ser futuramente, alvo de uma queixa anónima teria diminuído consideravelmente. Para além disso, é conveniente não esquecer o comportamento dos portugueses. Os portugueses gostam de ser juízes de rua e as explicações de pouco valem. Mesmo após uma validação de inocência em tribunal, as suspeitas, apenas por uma questão de preferência pessoal ou afiliação ideológica, perduram. E esta constatação só reforça o argumento da transparência.

É indubitável que se deve retirar daqui uma lição. Como liberal, a defesa e a prática da transparência é algo que me distingue dos socialistas e de André Ventura. A transparência não é um instrumento de conveniência. É, pelo contrário, um valor que deve ser praticado diariamente e ao sê-lo reafirmará o respeito pela autoridade.

Dito isto, reitero o que anteriormente afirmei sobre a presunção da inocência e reafirmo que é indiscutível que politicamente, e não só, a prática da transparência é a melhor solução.

E sugiro, entre outras, as práticas sobre transparência e de acesso documental utilizadas na União Europeia como exemplo. Facilmente poderiam ser implementadas em Portugal. Mas não creio que o Governo altere a sua postura.