Conservadorismo. Ultraconservadorismo. Espírito pacóvio. Saloismo… — é assim que está ser definida a decisão de Luís Montenegro de mudar o logótipo que identifica a comunicação governamental. O pacóvio, o saloio e o ultraconservador são figuras que invariavelmente aportam aos governos quando estes por erro do eleitorado passam para o “outro hemisfério” como agora soe dizer-se.
Na verdade as pessoas que agora se insurgem contra a mudança determinada pelo governo de Montenegro estão atrasadas, muito atrasadas mesmo. Mais ou menos estão atrasadas oito anos. Ou apenas um. Mas agora só se podem queixar de si mesmas e do seu silêncio perante o poder quando este é de esquerda.
Recuemos portanto ao glorioso ano de 2016. Na comunicação do Governo que tomara posse no final de Novembro de 2015, a expressão “Governo de Portugal” fora substituída por “República Portuguesa”.
Esta fora uma decisão tomada mal o governo de António Costa tomou posse, informou em Março de 2016 o executivo ao jornal PÚBLICO. A imagem da bandeira mantinha-se mas a comunicação, alegava o Governo, tornava-se “mais abrangente”. Ao optar por escrever “República Portuguesa” onde antes estava “Governo de Portugal” escolhia-se uma designação que representava “o Estado português no seu todo e não apenas uma parte deste”.
Marcelo Rebelo de Sousa que tomara posse como Presidente da República em Março de 2016 deixou passar esta alteração em que a comunicação do Governo passava a comunicação da República Portuguesa: “Stricto sensu, do ponto de vista dos símbolos, seria o Presidente da República que deveria usar essa assinatura” – declarou então o historiador António Costa Pinto ao jornal Público. Mas em 2016, tudo isso eram minudências. À época tudo foi justificado pela vontade de mudança, algo que em Portugal é um direito e um dever da esquerda. Quando a direita, mesmo que vencedora de eleições, quer fazer escolhas, não aplica uma vontade de mudança mas sim um retrocesso num caminho que garantidamente temos de percorrer. Como se percebe o pacóvio, o saloio e o ultraconservador são os principais agentes deste retrocesso.
Mas voltemos à imagem do Governo. Em 2016, institucionalmente falando, a comunicação do Governo passou a ser a comunicação da República Portuguesa. Ora esta tem os seus símbolos constitucionalmente definidos no ponto 1 do artº 11º da Constituição: “A Bandeira Nacional, símbolo da soberania da República, da independência, unidade e integridade de Portugal, é a adotada pela República instaurada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910.”
Até que chegou 2023. Nesse ano o Governo de António Costa resolve mudar a imagem que diz ser do Governo. O caso aparentemente, mas só aparentemente, parecia estar reduzido a ser uma discussão sobre design que partilhamos com os cidadãos do Benim, Lituânia, Granada, Mauritânia, Senegal, Guiné, Bolívia, Burkina Faso, Camarões, Congo, Guiana Francesa, Suriname e Mali pois, por razões que não vêm ao caso, a paleta de cores das bandeiras é reduzida e dentro dessa paleta reduzida vários países têm uma fixação no verde, vermelho e amarelo/dourado. Portugal e os países atrás referidos (e quiçá algum mais que me tenha escapado) partilham estas cores nas suas bandeiras. Diferente disposição das riscas e a inclusão de símbolos são precisamente uma forma de distinguir as bandeiras umas das outras. Portanto, e ao contrário daquilo a que nos querem convencer, o apagamento dos símbolos não simplifica a comunicação, pelo contrário só cria confusão.
Mas não era duma mudança de imagem do Governo que se tratava. O que lá está escrito é “República Portuguesa” não “Governo de Portugal”. Mais uma vez Marcelo Rebelo de Sousa deixou passar.
Como Miguel Morgado bem explicava na SIC:, os socialistas criaram uma anormalidade em 2016 ao passarem a tratar como imagem da República Portuguesa o que até aí fora imagem do Governo de Portugal, O logótipo do Governo pode mudar à vontade, mas desde 2016 não é do Governo que estamos a tratar mas sim da República Portuguesa, E a República Portuguesa não tem logótipos. Tem símbolos. Logo acaba-se a escolha, o gosto mais ou menos inovador, mais ou menos avançado, mais ou menos saloio. Curiosamente (ou talvez não) os próprios autores da petição que agora exige que o governo de Montenegro volte atrás nesta decisão não dão pela diferença. Escrevem grandiloquentes: “Nós, o povo de Portugal, unidos além de fronteiras profissionais ou ideológicas, manifestamos por este meio nosso repúdio veemente e inabalável contra a recente decisão do Primeiro-Ministro Luís Montenegro de reverter a inovadora identidade visual do Governo de Portugal“. Note-se, o sublinhado é meu, escrevem “Governo de Portugal” mas o que lá está escrito é “República Portuguesa”.
A mudança de logótipo decidida por Montenegro é, assim e tão só, uma reposição dos símbolos da República. Mas igualmente importante seria que o governo separasse a sua comunicação da imagem da República e voltasse a chamar Governo de Portugal ao que é Governo de Portugal.