Esta semana, quase todos tiveram direito ao seu Panamá. O Panamá de alguns, como no caso dos primeiro-ministros da Islândia ou do Reino Unido, fica mesmo no Panamá. O Panamá de outros fica noutros sítios, por exemplo na Venezuela, donde veio o dinheiro secreto com que o governo chavista financiou ilegalmente os radicais do Podemos. Os Panamás também não têm todos os mesmos efeitos. Os Panamás que ficam no Panamá provocaram já a demissão do primeiro-ministro islandês e embaraços a David Cameron. Mas os Panamás que estão na Venezuela, esses não justificaram mais do que uns desmentidos.

Os Panamás perturbaram muita coisa. No caso do Podemos, foi a lenda do movimento espontâneo, sustentado pelo povo humilde com pequenas contribuições. Além do governo venezuelano, também se suspeita que o Irão e o Qatar tenham dado para o peditório do radicalismo espanhol. O livro sobre o fim do bipartidarismo em Espanha terá talvez um inesperado capítulo “petrolífero”.

A circulação internacional de dinheiro serve, portanto, para muitos fins. Serve para alguns indivíduos e entidades colectivas fazerem operações discretas, mas legais. Mas serve também para muitos indivíduos e entidades esconderem rendimentos inconfessáveis ou fugirem às suas obrigações legais. O hábito manda dizer que só capitalistas neo-liberais recorrem a offshores. O Panamá dá outra ideia. Os herdeiros políticos de Mandela e os colaboradores dos Kirchener argentinos também por lá andam, ao lado de uma boa amostra dos campeões mundiais do “progressismo” e da resistência contra a “hegemonia americana”. A lista é rica: íntimos de Putin, parentes dos Assad, compinchas de Mugabe, amigos do presidente da Autoridade Palestiniana, comunistas chineses, teocratas do Irão, revolucionários chavistas. A explicação geralmente dada para os offshore é a da fuga à lei. Mas estes tiranos não fogem a uma lei que, em países à sua mercê, não têm que respeitar. Previnem-se apenas contra a mortalidade do seu próprio poder.

Mas não se preocupem: na Rússia, o porta-voz de Putin já explicou que os jornalistas são agentes da CIA, e tudo ficou resolvido. É improvável que a admiração que rodeia os cleptocratas progressistas diminua um milímetro só porque agora sabemos que, coitados, têm os seus pés-de-meia panamianos, para o caso de a malvada CIA os impedir de continuar a contribuir para a libertação dos povos.

Nas democracias, a lista vai também além dos habituais burgueses fascistas. Chega, por exemplo, à aristocracia progressista da arte. Parece haver muita gente que, cultivando em público a contestação ao sistema, aproveita muito bem o sistema. Mas o sistema está feito para isso. O Estado fiscal que tem absorvido as democracias ocidentais precisa do Panamá. Precisa do Panamá para criar o mito de que “há dinheiro para resolvermos todos os nossos problemas”, e que esse dinheiro é dos “outros” (o tal 1%). Precisa do Panamá, porque a regra do jogo é que cada Estado é o Panamá do próximo: foi assim que Portugal, ao mesmo tempo que tortura os seus contribuintes, se tornou o paraíso fiscal dos franceses que compram casas em Lisboa Mas precisa do Panamá ainda por outra razão: se não houvesse offshores e os sistemas fiscais não fossem suficientemente complexos para poderem ser manipulados por advogados e contabilistas, a revolta anti-fiscal seria muito mais vasta e incontrolável. No dia em que acabarem os offshores, acabará o Estado fiscal com que a demagogia está a destruir as liberdades ocidentais. É por isso que os offshores deviam acabar, e é por isso que não vão acabar.

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