1. Um governo entre o PS e o Bloco de Esquerda é ainda o cenário mais provável para depois das eleições de 2019, mas menos do que até há um mês atrás. Um bloco central (ou um entendimento parlamentar entre o PS e o PSD) é um cenário possível, desde a eleição de Rui Rio para a liderança dos sociais democratas, mas a possibilidade aumentou desde há um mês. O que aconteceu há um mês foi a decisão do PS para acabar politicamente com Sócrates.

A maioria do país politico está neste momento unido no que poderíamos chamar o ‘momento Leopardo’ da política nacional. Na seu famoso livro, O Leopardo, Tomasi Di Lampedusa coloca a personagem principal, Dom Fabrizio, o Príncipe de Salina, a afirmar, no meio das revoluções que levaram à unificação de Itália, “é necessário que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma.“ Neste momento, em Portugal, já se percebeu que a ‘condenação’ de Sócrates (e talvez de mais alguns dos seus antigos ministros) permitirá a ilusão de que muito mudou para que fique (quase) tudo na mesma.

António Costa percebeu que seria necessário terminar de vez com a herança de Sócrates cerca de um ano antes das eleições. Ao contrário do PS de Sócrates, o PS de Costa sabe gerir as finanças públicas, de tal maneira que o seu ministro das Finanças foi escolhido para presidir o Eurogrupo. O PS de Costa lidera o combate à corrupção, de tal modo que os seus principais dirigentes sentem “vergonha” pelos actos praticados por Sócrates. Para chegar de cara lavada às eleições de 2019, o PS tem que deixar cair Sócrates e o seu segundo governo, entre 2009 e 2011.

Também já se percebeu que a oposição não pretende atrapalhar a estratégia do PS e de Costa. A recusa da liderança de Rio para aproveitar politicamente o problema Sócrates sugere que há um acordo entre o líder do PSD e o PM. Aliás, Rio parece empenhado em fazer o contrário do que sempre disse. No passado, defendeu, e com empenho, o combate à corrupção, mas agora como líder do PSD facilita a estratégia socialista de se libertar do caso mais embaraçoso da sua história.

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O CDS, quase sempre agressivo no combate ao governo, também não quer capitalizar com o caso Sócrates, e o seu silêncio até chega a ser perturbador. O BE e o PCP também estão calados, mas com estes já nada espanta. A verdade é que fica a ideia de que se sabe como começaram as investigações a Sócrates e a Salgado mas ninguém sabe como poderão acabar. O receio exige prudência. Se o PS não deixa que a investigação a Sócrates o destrua, os outros partidos também não permitem que as investigações a Sócrates e a Salgado enfraqueçam a democracia portuguesa(ou os seus partidos para ser mais rigoroso).

O que está em causa não é pouco. Não sabemos como vai progredir a investigação a Sócrates e a Salgado. Também desconhecemos como será o combate de Sócrates pela “sua verdade”, mas a entrevista que deu à Visão mostra um homem convencido que está certo e preparado para a luta. Tendo em conta o desenvolvimento das investigações judiciais e a luta de Sócrates, a questão que se colocará em 2019 é a seguinte: será uma aliança com o BE ou mesmo uma nova geringonça suficiente para concluir a estratégia Leopardo ou será necessário um entendimento político mais alargado entre PS e PSD? A verdade é que Costa quer lavar a imagem do PS perante o eleitorado e Rio é o melhor aliado para o fazer. Por outro lado, Rio precisa de poder para se manter na liderança do PSD após 2019 e, como PM, Costa pode ajudar.

2. A evolução da situação política europeia também poderá favorecer um entendimento entre o PS e o PSD. As incertezas do Brexit (em Março) e as crises políticas em Itália e em Espanha vão fazer de 2019 um ano complicado e instável. Em 2019, a Itália estará em conflito com a União Europeia, por causa das regras do Euro, ou a preparar-se para novas eleições. E a Espanha continuará entre eleições, governos minoritários e o conflito entre Madrid e a Catalunha. Neste ambiente político, Portugal terá que mostrar que é o país mais estável no sul da zona Euro e isso poderá exigir mesmo um bloco central.