O Twitter foi concebido originalmente para ser uma forma de comunicação em massa, fazendo com que pela primeira vez tal fosse possível em tempo real. Elon Musk comprou recentemente a rede social e logo descobriu que a empresa distorceu os seus propósitos iniciais e começou a manipular frequentemente o discurso. Documentos colocados a público provam que foram suprimidas notícias e moderados (censurados) conteúdos que prejudicavam determinados candidatos políticos em detrimento de outros. Mas entretanto o bilionário sul-africano comprou o Twitter e desregulou completamente o sistema estabelecido – em outras redes sociais e na própria imprensa. O que tem sido conhecido desde então é revelador do “estado a que chegámos” – utilizando uma expressão de Salgueiro Maia, pouco antes de nos dar a liberdade. Temos ouvido e lido muitas opiniões sobre o tema repetido da cultura woke e da necessidade de censura por parte de corporações e governos. Mas mais interessante ainda é analisarmos a questão para além da política e do direito. E focarmo-nos no que esta situação revela sobre a sociedade atual e vermos o Twitter como um tubo de ensaio gigante sobre o comportamento de adolescentes, jovens e adultos em plena década de vinte do século vinte e um.

A primeira observação é sobre o decréscimo dos valores tradicionais e consequente influência social, psicológica e humana. Podemos concordar que a cultura woke e principalmente o direito transgénero são justos e relevantes, mas ninguém é suficientemente ingénuo para negar que o bombardeamento súbito sobre o despertar destas questões foi bem pensado e planeado, tem uma forte componente ideológica progressista e teve desde o início como objetivo principal a destruição da família como célula principal e raíz da sociedade. Quem disser o contrário, das duas uma: não é honesto ou tem um grande problema de compreensão. E mais óbvia ainda é a decadência dos valores tradicionais do Ocidente. Sem essa base de pensamento e conduta capaz de alinhar a estrutura da forma de ser, agir e sentir, as pessoas ficaram perdidas e a sociedade tornou reféns os direitos ou interesses dos indivíduos. A primazia passou a estar no interesse da sociedade. Em nome de algo maior, as leis deixaram de existir para servir as pessoas e, como deixámos de estar no centro, passámos a existir para servir as leis e o Estado. Perdemos liberdades todos os dias e assistimos impávidos ao sucedido.

No caso do Twitter, a censura e os ataques à liberdade de expressão foram considerados justos pela unanimidade das corporações e da imprensa. Elon Musk voltou a dar grande parte dessas liberdades e foi considerado um louco, um transfóbico desestabilizador, um fascista perigoso, um machista sem pudor. Ou seja, aquilo que era considerado o mais importante no nosso mundo (a liberdade exercida pela pessoa humana) foi rapidamente substituído por novos valores e quem ousar ser livre é um perigo público que urge ser difamado. Tal como o Twitter na era pré-Musk, vivemos agora numa sociedade em que, em vez de serem os indivíduos a colocarem limites ao que o Estado pode ou não fazer, é o Estado que aparece como entidade paternal e sagrada, a colocar os limites que acha necessário para “proteger” os cidadãos deles mesmos. Agora já entendemos o porquê de todas as críticas à religião: o Estado é a nova religião.

É evidente que a liberdade tem como limite o desrespeito pela liberdade do próximo. A liberdade de expressão não pode significar que se insulte, difame ou calunie de forma impune. E o problema é que outra faculdade que muitos utilizadores do Twitter exigem ter passa pelo pretenso direito de anonimato. Além de favorecer a prática de crimes contra a honra, vem exponencializar o problema do evidente aumento de distúrbios de personalidade nos últimos anos. Se há cada vez mais padrões de comportamento que evidenciam psicopatias e perturbações narcisistas, deixamos os nossos filhos entrarem e afundarem-se nessa lama tóxica?

Sem uma educação sólida e sem valores, é uma forma de abrir a jaula a pessoas mentalmente doentes e incapazes de pensar ou refletir por si próprias – que são os alvos preferidos de quem quer fazer lavagens cerebrais com ideologias radicais de esquerda e direita. Se tivermos vinte por cento destes trolls cobardes, já é o suficiente para estragar o debate salutar dos oitenta por cento de pessoas moderadas e capazes de se envolver numa discussão salutar, equilibrada e envolvente. É o mesmo fenómeno que acontece nos estádios de futebol: por causa de um par de claques violentas e radicais, já não é seguro famílias inteiras irem ver o jogo. Resumindo, acabar com o anonimato cobarde na internet, é o primeiro passo para a responsabilização pessoal, a imputação de crimes penais e o comedimento dos discursos em espaços públicos.

No entanto, é fundamental ter a consciência de que a liberdade de expressão é pedra basilar da nossa civilização. Nela residem a capacidade de protestar contra as guerras, as injustiças e a pobreza. Nela estão assentes a mudança e a inovação, os motores que levam a sociedade adiante.  Com ela, podemos evoluir na ciência e em melhores formas de governação. Não podemos desistir de nenhuma liberdade, muito menos desta, sob nenhum pretexto.

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