Em Julho de 2014, a Amazon anunciou o Fire Phone, desenhado para competir com o crescente domínio da Apple e Google no mundo dos smartphones. Cedo se percebeu que não teria sido a melhor aposta: a empresa foi cortando o preço do produto até chegar aos 99 cêntimos. Passado um ano, reportou uma perda de 170 milhões de dólares em stock não vendido, terminando assim a breve história do Fire Phone.

Apesar da má leitura do mercado em relação aos smartphones – que não era o produto certo a produzir – a Amazon pouco depois lançou algo novo, que tem neste momento uma enorme vantagem competitiva sobre a Apple e Google e cerca de 70% de quota de mercado: Alexa, um assistente virtual inteligente.

Não são só as multinacionais com recursos virtualmente infinitos que hoje procuram saber que produtos desenvolver, mas também as novas empresas. O desafio atual para ambas é lançar produtos que respondam às necessidades dos consumidores. Apesar da queda drástica dos custos de lançar produtos no mercado, não é suficiente investir em melhores formas de produção de bens ou serviços que já existem.

Tal significa que os processos regulares de uma empresa, como o planeamento e os estudos de mercado, ficam menos relevantes antes de se tornarem úteis.Neste sentido, como podemos gerir e lançar novos produtos e serviços?

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Passar do planeamento à experimentação

Há vários autores que têm estudado e desenhado processos de inovação para apoiar as empresas no contexto actual, como Eric Ries, Steve Blank ou Clayton Christensen. Todos convergem num ponto: a informação é cada vez mais difusa e imperfeita, por isso a única forma de aumentarmos a probabilidade de sucesso é testando os produtos o mais rapidamente possível.

Se esta metodologia vos soa familiar, não é estranho: existe há mais de 2.000 anos. Sofreu várias iterações, mas hoje conhecemo-la como o método científico, a forma mais eficaz que o ser humano desenhou para adquirir conhecimento.

No mundo da gestão, o método científico não é possível de se aplicar de forma plena, ao contrário do que muitos autores da área desejariam. Nunca vamos conseguir, por exemplo, replicar resultados ou desenvolver proposições refutáveis como Karl Popper defendia.

Ainda assim, este método tem várias componentes que são muito relevantes:

  1. as equipas trabalham hipóteses sobre o que o mercado precisa, e não crenças.
  2. são desenhadas experiências para testar essas hipóteses no mais curto espaço de tempo possível;
  3. com os dados das experiências, mudamos as nossas hipóteses iniciais até encontrar uma que seja repetível e nos satisfaça.

Em Junho de 2013 a Google anunciou o Projecto Loon: balões de ar que distribuem internet em áreas rurais e de difícil acesso. Os seus engenheiros começaram com um problema específico para resolver: metade da população mundial ainda não tem acesso à internet.

O primeiro passo foi perceber o porquê de não terem acesso, e depois explorar algumas hipóteses de como chegar a zonas rurais onde por terra seria muito difícil de o fazer. Ao longo dos anos, foram testados vários designs diferentes dos balões até chegar ao actual onde conseguem fazer uma rede de balões com 100 quilómetros de distância entre si, e atingem uma velocidade de download em telemóveis de 10 Mbps.

O processo interativo, em vários países e com vários parceiros permitiu um avanço muito mais rápido do que seria possível se estivessem fechados internamente.

O sucesso do projecto não foi um acaso, mas sim o resultado de um processo de adquirir informação através de protótipos sucessivos. Tal como no projecto Loon, é possível replicar em vários contextos esta forma de inovação.

Inovação nas empresas – apenas casos de sorte?

Todas as funções nas empresas – como Recursos Humanos, Marketing, Finanças ou Vendas – possuem métricas de sucesso, com as quais podemos avaliar a sua produtividade e competência. Quando falamos de inovação, tudo parece mais etéreo e difícil de comprovar o valor.

O professor americano Clayton Christensen escreveu no seu livro mais recente, “Competing Against Luck” (Competir contra a sorte, tradução livre), sobre este fenómeno e aborda algumas metodologias para tornar a inovação mais mensurável.

O seu ponto central é que não é possível criar produtos perguntando às pessoas o que querem; temos que interpretar apenas os seus comportamentos. Esta perspectiva não é, de todo, recente: Henry Ford parece ter dito, no início do século XX, que se perguntasse aos seus clientes o que queriam, estes diriam “cavalos mais rápidos”.

Assim, a melhor forma de compreendermos o que os consumidores precisam é através de dados empíricos e observáveis, e em alguns casos até intuição. Testar, adquirir conhecimento validado por experiências e ajustar os nossos pressupostos permite-nos lançar produtos mais depressa e com uma taxa de sucesso muito superior. Num mundo onde a velocidade de criação e morte de empresas nunca foi tão alta, esta competência passará de uma vantagem competitiva para uma necessidade de sobrevivência.

Daniel Araújo, 30 anos, é o CEO da Attentive.us, uma empresa tecnológica criada em 2015, considerada “Top 10 B2B Startup in Europe” em 2016. Em 2017, participou no programa de aceleração Techstars em Boulder, EUA. Antes de lançar a empresa, foi durante cinco anos Analista de Indústria na Google em Dublin e Londres. Juntou-se ao Hub de Lisboa dos Global Shapers em 2017.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.