Algumas pessoas não se vacinam, porque simplesmente são contra qualquer vacinação como forma de proteção perante doenças. No limite, podem até recusar medicação. Contam, por conseguinte, com a capacidade do seu sistema imunitário para, sem ajuda, vencer a doença. A História prova que isso é possível. Nem todas as pessoas afectadas pela peste negra na Idade Média morreram. Sempre se salvaram entre 10 e 30%, dependendo dos locais. Como na época não existiam vacinas, ninguém teve a oportunidade de perguntar aos 90% que faleceram prematuramente, se gostariam de ter sido vacinados.
A varíola, provavelmente a doença que mais matou na história da humanidade, foi erradicada ao fim de séculos e hoje já não necessitamos sequer de tomar tal vacina. Mas foi pela vacinação massiva mundial que a erradicámos. Sem esse processo intensivo e planetário contra este fabuloso vírus, de que hoje já quase ninguém fala, ainda estaríamos a testar a capacidade do nosso sistema imunitário para o vencer, com uma possibilidade de vitória muito menor que qualquer ambição do Casa Pia Atlético Clube em golear o Real Madrid.
As convicções destas pessoas têm de ser aceites, mas tal não significa que quem discorde dessa opção – também no exercício da mesma liberdade – seja obrigada a conviver com tais pessoas se não o desejar. Portanto, se o exercício da liberdade individual não exige qualquer justificação, justificada está a opção de cada um.
Mas existe um segundo grupo de pessoas que não recusa a vacinação de todo, inclusive porque já se vacinou no passado ou no presente contra outras doenças, tais como o tétano ou a febre amarela (obrigatórias para certas viagens) para já não falar na gripe comum.
Este grupo de pessoas não se vacinam quanto à Covid-19, porque a vacina é recente, foi testada em pouco tempo e não é 100% segura quanto a efeitos secundários ou sequer, 100% eficaz.
Tudo isto é verdade, mas à excepção da rapidez da sua produção (fruto provável da evolução científica e tecnológica) todas as restantes vacinas ou medicamentos também não são 100% seguros nem 100% eficazes.
Temos, portanto, que há uma parte da população – no caso português, a maioria – que decide correr esse “risco”, por motivos certamente de segurança pessoal, mas também por solidariedade com os que o rodeiam e são mais vulneráveis. Por outro lado, sendo certo que cada um deve ser dono de si próprio, uma parte dos nossos cidadãos opta por esperar sentado e quando então já tiver passado um tempo e sejam avaliadas as possíveis sequelas da actual vacina, ou até que seja produzida outra mais segura e eficaz, então lá irão tomar a vacina. No entretanto, os outros – as cobaias – vão sendo inoculadas. De certo modo, quem tem amigos destes não precisa de inimigos.
Entre estes amigos, conta-se agora mais um, por acaso uma figura pública. Citado pelo Observador, diz o líder do Chega, André Ventura: “Não tem a ver com ideologia nem nada. Não é uma questão de ser estruturalmente contra as vacinas por uma ou outra razão. Quero ter mais elementos científicos sobre a vacina, como pessoa responsável. Sei que para outros é suficiente o que existe, mas eu quero ter mais informação sobre a vacina e acho que estou no meu direito.”
Claro que está no seu direito. Mas o nível de solidariedade para com o interesse público e com a comunidade, por parte de alguém com ambições políticas, está bem patente e não deixa dúvidas: apesar de, após a vacinação, o número de mortos ter descido de 300 por dia para 20, o melhor é esperar por “mais elementos científicos, como pessoa responsável”. Os seis milhões de pessoas irresponsáveis já vacinadas, ficam esclarecidas: estamos perante a cobardia de um político em inocular um produto farmacêutico “sem mais elementos científicos” e, já agora, que não perde a oportunidade de, com isso, obter a simpatia eleitoral já se está a ver de quem. André Ventura, tal como dizem os futebolistas, igual a si próprio.