A perícia médica às condições de saúde mental de Ricardo Salgado concluiu que sofre de doença de Alzheimer mas que pode prestar depoimento, apesar das informações que der – ou seja as suas declarações em tribunal, se decidir falar – poderem não ser fidedignas.

O designado caso BES dura há cerca de dez anos, ainda durará seguramente outros dez e tem sido recheado de todas as possíveis e imaginárias peripécias, desde o experimentalismo da Resolução Bancária ao desinteresse generalizado de todas as instituições bancárias em adquirir os despojos do Banco. Acabou por ser oferecido, vários milhares de milhões de euros de dinheiro público depois, a um fundo abutre como a Lone Star, que fez o favor interessado de ficar dona da operação bancária.

Directamente lesados pela gestão ruinosa de Ricardo Salgado foram várias dezenas de milhares de portugueses que compraram produtos financeiros oferecidos “à falsa fé“, ou indirectamente encontram-se lesados pelo menos os três milhões de cidadãos que pagam impostos, de onde saíram os milhões para salvar os depósitos de todos os cidadãos e empresas clientes do BES.

Aos advogados de Ricardo Salgado cabe naturalmente defender o interesse do seu cliente e se o que importa a Ricardo Salgado é não ser julgado pela acusação de autoria ou co-autoria de 65 crimes, incluindo associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada, branqueamento, infidelidade e manipulação de mercado, os seus advogados estão a desempenhar as suas funções e mal seria que não estivessem.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Se o colégio de peritos médicos que o examinou concluiu que, apesar da doença, pode prestar depoimento e, portanto, comparecer em tribunal, nada indica que estes peritos não tenham apreciado a sua situação com a independência e rigor que lhes é exigido.

Desde o início deste tortuoso assunto, que ficou evidente, até pela sua idade e garantias de defesa de que dispõe e legitimamente iria usar, que Ricardo Salgado, ou não seria sequer julgado ou, a ser julgado, não seria condenado e se o fosse nunca cumpriria qualquer pena efectiva. A primeira fase nem sequer está concluída e a justiça fará, por conseguinte, o seu infelizmente longo e lento caminho. De todo o modo não está em causa que Ricardo Salgado algum dia vá cumprir uma pena, mas isso com toda a razoabilidade já o sabíamos, desde 2014.

Então qual o interesse em julgar Ricardo Salgado, melhor dito em fazer com que Ricardo Salgado responda perante um tribunal pelos crimes de que vem acusado e nesse local se defenda através dos seus advogados de cada uma das acusações que sobre ele impendem e das quais, até transito em julgado da sentença, constitucionalmente se presume inocente?

A razão principal para que Ricardo Salgado compareça em julgamento é o cerne de toda a lógica da justiça: Saber, perante um tribunal – um poder independente – e com todas as garantias de defesa, se é considerado culpado ou inocente. E isso é relevante primordialmente para o acusado, mas também para todos os lesados directa ou indirectamente. O que o tribunal decidir, permitirá que se conclua se afinal as pessoas perderam as suas poupanças confiadas ao BES porque foram vítimas de manipulação, burlas e falsificações por uma associação criminosa ou porque esses investimentos eram um risco normal, que apenas correu mal pelas vicissitudes do mercado.

É este o desiderato da justiça que tem de ser cumprido. No caso concreto, estão acusados Ricardo Salgado e mais 24 pessoas, salvo erro. Seria incompreensível que, sendo óbvia e não posta em causa a liderança e o poder hierárquico e funcional de Ricardo Salgado sobre praticamente todos os restantes, este estivesse ausente do tribunal e os restantes arguidos apenas a confessar – ou não confessar sequer – que se limitaram a cumprir ordens do ausente.

A idade dos acusados, deve ser levada em consideração e quase sempre o é, no cumprimento das penas a que os acusados venham eventualmente a ser condenados. Claro que Ricardo Salgado nunca cumprirá uma pena de prisão. Mas não ser julgado, isso é algo diferente e seria inadmissível que acontecesse, pois tanto Ricardo Salgado como muitos dos lesados estão vivos e é obrigação dos tribunais esclarecê-los antes que morram – já que ressarcidos nunca vão ser – se a justiça entende que foram burlados ou não. É a justiça pela quota mínima.