Em grande parte da opinião publicada sobre os acontecimentos de 7 de Outubro em Israel, o método de comentário segue a seguinte norma: abre-se o texto com três linhas de condenação dos homicídios cometidos pelo HAMAS e assim, hipocritamente, garante-se uma certa proporcionalidade, que justificará as restantes cinquenta linhas de texto em que se enunciarão e condenarão os actos censuráveis que Israel tem cometido contra os árabes da Palestina desde 1948. No fim do texto, já ninguém se lembrará dos acontecimentos de 7 de Outubro e estaremos apenas a discutir, ao fim ao cabo, tal como faz o HAMAS, a legitimidade da existência do Estado de Israel. Segue-se nessa oratória, os costumados apelos ao respeito da Convenção de Genebra por parte de Israel.

A agora tão citada Convenção é de facto constituída por quatro convenções e três protocolos adicionais, alguns deles não subscritos, por exemplo, pelos EUA, Israel ou Irão, que são os mais direta ou indirectamente envolvidos no conflito.

Durante a carnificina que foi a Grande Guerra 1914-1918, os beligerantes estiveram sujeitos às regras da Convenção de Genebra de 1864, respeitando, na medida do possível em qualquer guerra, nomeadamente a evacuação de feridos, desde que transportados em veículo identificado, e a proibição de bombardeamento de hospitais.

Em 1929, com uma renovada Convenção, os prisioneiros de guerra passaram a beneficiar de critérios de tratamento específico, mas a noção de prisioneiro de guerra – que veremos mais adiante – é ainda hoje algo fluida, e isso vai ser relevante para o acompanhamento dos próximos desenvolvimentos do conflito em Gaza.

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Apenas após a II Guerra 1939-1945 foram introduzidas na Convenção disposições especificas para a proteção de civis. De facto, com o avanço da tecnologia na aviação na década de 30 do século XX, o bombardeamento indiscriminado de cidades passou a ser corrente e reclamou milhões de vítimas. Em abono da verdade histórica, cumpre referir que os EUA foi a potência beligerante que mais tarde e relutantemente realizou “bombardeamentos de área”, tendo realizado na Europa durante meses “bombardeamentos de precisão diurnos”, com grandes perdas nas respectivas tripulações. Ao invés, alemães, ingleses e russos realizaram desde o início, bombardeamentos destinados exactamente a atingir populações civis ou instalações militares com grandes danos colaterais. Mais tarde, os EUA também decidiram abandonar os bombardeamentos de precisão.

Durante a II Guerra o tratamento dado aos prisioneiros de guerra foi simplesmente miserável, tendo uma boa parte dos prisioneiros, sobretudo alemães e russos, morrido de fome em campos de prisioneiros de ambas as partes.

No que respeita às populações civis, a Convenção de 1949, determina, entre outras regras a cumprir (a guerra tem regras), a proibição de sequestro de civis e a sua utilização como “escudos humanos”. Acresce que exército ocupante é obrigado a providenciar comida para os habitantes dos locais que controla.

Por seu turno, os prisioneiros de guerra devem ser tratados com humanidade, protegidos da violência e é proibido matar quem se tenha rendido.

Resta agora verificar, o que devemos considerar como “prisioneiro de guerra” face à Convenção de Genebra, tal como se encontra definido na Convenção de 1929. Importa, para isso, separar os capturados que não estiveram envolvidos directamente nos combates, mas que devem ser considerados “prisioneiros de guerra”. Estes são: correspondentes de guerra; membros civis da tripulação de aviões militares; tripulações da marinha mercante e aviação civil dos beligerantes, bem como algumas situações similares.

Apesar de envolvidos nos combates, embora não sejam militares, pode ser considerada prisioneira de guerra uma população civil em “levantamento de massa” para travar o avanço de tropas inimigas, desde que usem abertamente armas e respeitem as leis e costumes da guerra.

No lugar de maior destaque na tutela da Convenção encontrar-se-ão naturalmente os combatentes regulares: os membros das forças armadas de qualquer das partes em conflito, incluindo milícias e voluntários. Note-se, que para beneficiar do estatuto, o prisioneiro tem de declarar a identificação e patente. A recusa ou a mentira, implicam a perda do estatuto.

Finalmente – e aqui começam as confusões típicas dos tratados multilaterais – também podem ser considerados “combatentes” membros de movimentos de resistência, mas apenas em certas condições: obedecerem a uma cadeia de comando; usar armamento abertamente; estarem identificados com distintivo fixo e identificável à distância e respeitarem as leis e costumes da guerra. Entre as leis e os costumes da guerra, encontra-se a proibição de utilização de prisioneiros ou reféns como escudos humanos.

Apesar de se auto intitular um movimento de resistência, o HAMAS é entendido e classificado pela quase totalidade da comunidade internacional como um movimento terrorista. Apenas por essa razão os seus membros já não poderiam ser considerados combatentes.

Mas, ainda que por mero exercício teórico, fosse considerado um movimento de resistência, o HAMAS, não cumpre nenhuma das condições exigíveis aos membros desses movimentos, para efeitos do artigo 4º A da Convenção de 1929, e os acontecimentos de 7 de Outubro passado são disso uma prova ineludível.

Assim e em conclusão: Israel não tem de considerar os membros do HAMAS, como prisioneiros de guerra, nem está obrigado quanto a eles a cumprir as regras da Convenção de Genebra.