Após os protestos dos agricultores europeus, que decorreram com mais intensidade no início deste ano, mas que ainda estão longe de terminar – ainda esta semana tivemos duas iniciativas dos agricultores franceses e espanhóis — a constatação de que a agricultura e alimentação estão fora dos temas e do perfil dos candidatos portugueses às eleições europeias não nos deixa tranquilos, sobretudo quando se avizinha, no quadro da União Europeia (UE), uma disputa com pronúncia portuguesa.

Pese embora os protestos tenham mais diretamente a ver com os agricultores, no quadro das ajudas e simplificação da Política Agrícola Comum (PAC), existem questões centrais a toda a cadeia de abastecimento, com impacto na vida de todos nós.

Por exemplo, a Lei da Desflorestação, muito complexa, ainda não tem resolução e aparentemente ela não será célere, o que constitui motivo de grande preocupação, apesar da indiferença que tem merecido em termos políticos, mesmo num quadro de eleições europeias. Um dos cenários das consequências desta iniciativa legislativa preconiza que, a partir de 2030, as restrições provocadas pela legislação, combinadas com as dinâmicas da oferta e da procura, provocarão aumentos de até 50% no preço das commodities com origem no Brasil, um dos países fortemente impactados por esta lei e primeiro fornecedor de soja a Portugal. O tema não seria grave se esta matéria-prima em particular não fosse um dos principais fatores de produção na alimentação de animais que dão origem a géneros alimentícios: carne, peixe, leite e ovos. Portugal importa, anualmente, cerca 640.000 toneladas de soja para a alimentação animal, 60% das quais tem origem no Brasil. O facto também não seria grave se o Brasil aceitasse de bom grado o que entende como uma ingerência no seu próprio quadro legislativo e, assim, na sua soberania, mas tal não acontece. Este gigante do agronegócio defende, como seria de esperar, que o seu próprio quadro legislativo deve prevalecer sobre as leis europeias.

Chegados a este ponto é expectável uma discussão judicial internacional acerca desta legislação entre Europa e Brasil no quadro da Organização Mundial do Comércio, a somar à deslocalização de exportações brasileiras para a Ásia (China), em detrimento da Europa, se esta for a única região do Mundo a impor restrições ambientais, e ainda, um sobrecusto de 25% no preço das matérias-primas, atribuível exclusivamente aos custos de rastreabilidade e certificação, uma das ações essenciais para verificar se determinada matéria-prima tem origem no que a Europa considera área desflorestada. A consequência, uma vez mais, é o aumento do preço dos alimentos e, neste clima de incertezas, o facto de que alguém terá de o pagar não é uma delas.

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O tema tem gerado tal inquietação que motivou, por parte dos agentes do setor agroalimentar várias tomadas de posição conjunta, algumas das quais ao nível dos Estados nacionais. Por exemplo, 22 Estados-membros da UE, entre os quais Portugal, pediram, já, à Comissão Europeia, a revisão ou adiamento da entrada em vigor da EURD (designação da legislação no acrónimo em inglês), tal como está preconizada, alegando a impossibilidade da sua aplicação em tempo útil. Ainda assim, este tema tem vindo a ser completamente arredado dos debates e da agenda político-mediática inerente às eleições europeias, o que nos causa enorme perplexidade.

Tendo em conta as suas consequências, a relação estratégica que temos com o Brasil e o facto de partilharmos uma mesma língua, tal como o facto de podermos assumir, em termos geoestratégicos, uma posição de negociação com um dos principais intervenientes na organização do Sul Global não deveria impelir-nos a colocar esta discussão entre os assuntos-chave das campanhas às eleições europeias? Recordemos que esta Lei tem impacto, não só na soja, como também no café, no cacau, na borracha, na madeira e na carne de bovino e em múltiplos fornecedores no mercado mundial, com repercussões em muitos setores da economia nacional e europeia.

Uma vez que a União Europeia não é uma Ilha, enquanto agentes do setor, pensamos que não nos devemos resignar perante uma legislação que apenas vê a árvore (Europa) e não a floresta (Mundo).

Sem resposta para estas questões só podemos deixar um alerta: meus senhores, a comida, já percebemos, não dá votos, mas, aparentemente, a falta dela também não!