Dia 16 de Maio deu entrada na Assembleia da República a Conta Geral do Estado. Isto passou quase despercebido no espaço mediático e político. No fundo trata-se apenas da prestação de contas de um governo sobre as receitas cobradas e a despesa efetuada no ano 2021. Estamos a falar só de pouco mais de noventa e dois mil milhões de euros de despesa do Estado, financiada sobretudo com os impostos dos portugueses, e alguma dos cidadãos europeus. Coisa pouca, portanto.
Na qualidade de deputado não inscrito tive ocasião de dizer que considerava que a Assembleia da República (AR) não dava importância nenhuma à Conta Geral do Estado (CGE), e que se desse talvez não tivéssemos ido três vezes à bancarrota. O melhor indicador dessa desvalorização da CGE era a grelha de tempos – decidida em conferência de líderes — atribuída à discussão da CGE, que tem sido a menor possível (três minutos por grupo parlamentar).
O responsável pela elaboração da CGE é o governo, cabe ao Tribunal de Contas (TC) dar um parecer sobre a Conta, e à Assembleia da República (AR) receber em audição o Tribunal para apresentar esse Parecer e finalmente à AR discutir e votar a Conta. Cumpre-se a lei formalmente, mas não se faz o escrutínio político do governo em funções. Ficámos agradados de saber que o TC vai agora antecipar o seu parecer de Dezembro para Setembro de modo a que na discussão do OE2023 já se possa contar com a informação não apenas do governo, mas também a opinião do Tribunal sobre as contas, e já em Junho um relatório sobre o PRR.
A CGE contém muita informação financeira e alguma informação não financeira associada aos programas orçamentais. Afinal de contas não interessa apenas saber onde foi realizada a despesa pública, interessa também saber se os objetivos das políticas públicas foram ou não alcançados. Anúncios programáticos vagos em “normas cavaleiras” do Orçamento de Estado são fáceis de fazer. Autorizações legislativas para o governo tomar medidas também. Agora o que verdadeiramente interessa é o desempenho do governo. Para ilustrar dou apenas um bom, um péssimo e um mau exemplo.
No âmbito das políticas de habitação existem dois programas, um (o 1º Direito) dirigido a pessoas carenciadas que têm necessidades habitacionais graves e outro (o Porta 65 Jovem) para melhorar a acessibilidade dos jovens ao arrendamento. Os programas de despesa são relevantes se mobilizam elevados recursos financeiros ou se têm um impacto significativo em termos de número de indivíduos ou empresas que deles beneficiam. Na CGE 2021 no programa de infraestruturas e habitação existe um quadro com informação sobre os objetivos, os indicadores, as metas e os resultados. Neste ano, e pela primeira vez, aparece também a entidade responsável pelo reporte da informação. Ficamos a saber que houve quase vinte mil jovens que foram apoiados no acesso à habitação e um pouco mais de nove mil e quinhentos agregados familiares carenciados que beneficiaram de programas de apoio à habitação. Em ambos os casos as metas definidas foram superadas.
Se passarmos agora para as políticas de justiça, é inadmissível que não haja nenhum quadro na CGE 2021 com objetivos e indicadores na área da justiça. Não é porque eles não existam, porque existem (veja-se aqui dados sobre pendências e tempos médios dos processos nos tribunais administrativos e fiscais por exemplo), mas porque aparentemente não há uma cultura de prestação de contas no Ministério da Justiça. A AR não deveria pura e simplesmente aceitar que não haja objetivos, indicadores e metas na área da justiça politicamente escrutináveis.
Um mau resultado da implementação do Orçamento de 2021 foi noticiado no Público e tem a ver com uma execução muito abaixo do orçamentado (3,3%) do acesso a crédito a micro e pequenas empresas afetadas pelo COVID. Se é certo que o acesso a essa linha de crédito depende da procura por parte das empresas, percebe-se que essa baixa execução tem a ver com os cinco meses e meio até sair uma portaria a regulamentar as regras de acesso a esta linha de crédito, o que reduziu drasticamente o prazo para candidaturas apresentadas pelas empresas.
É verdade, a Conta Geral do Estado não é nada sexy, e dá trabalho a analisar. O primeiro-ministro deveria obrigar todos os ministros setoriais a definir os objetivos e indicadores relevantes para os respetivos ministérios setoriais. As oposições na Assembleia da República deveriam analisar e utilizar a CGE como um instrumento de fiscalização e combate político.