No final do ano, o Governo nomeou uma comissão para gerir o Plano de Nacional de Vacinação Covid-19. A referida comissão começou por publicar, a 3 dezembro de 2020, um documento informativo. Lamentavelmente, na sua elaboração não foram envolvidas a Ordem dos Médicos nem as estruturas envolvidas no tratamento dos doentes e administração das vacinas. Talvez por isso, o seu conteúdo em termos científicos esteja insuficientemente fundamentado, tendo o documento sofrido várias críticas por apresentar diversas omissões. Considero espantoso que se produza um texto oficial desta importância com uma série de afirmações clínicas, científicas e epidemiológicas sem qualquer suporte bibliográfico.
Entretanto, estabelecidos os critérios dos grupos prioritários, a primeira fase da vacinação teve início, priorizando médicos, enfermeiros, técnicos de saúde, etc. Pouco tempo depois, surge a primeira “contaminação ideológica” do Plano Nacional de Vacinação. A Ordem dos Médicos recebeu várias denúncias de médicos que trabalham no sector privado da saúde, referindo que não estavam a ser vacinados, nem tão-pouco havia data prevista para o início da vacinação. O Governo, perante o escândalo desta discriminação, iniciou uma “vacinação simbólica” em alguns hospitais privados. Apesar disso, a percentagem da vacinação destes profissionais de saúde está longe de se equiparar à do sector público.
Mais recentemente, o Governo emitiu um despacho em que define que os titulares de órgãos de soberania, deputados, funcionários da Assembleia da República, etc., vão começar a ser vacinados, integrando esta primeira fase do plano de vacinação. Mas isto faz algum sentido? Quais são os critérios clínicos e científicos que fundamentam esta decisão? Será que os Portugueses compreendem que um deputado com 30 anos, saudável, seja vacinado à frente de um indivíduo com 60 anos, obeso e diabético? É com estas medidas que se pretende prevenir a mortalidade e a sobrecarga dos serviços de saúde?
Obviamente que poderia haver uma ou outra exceção, ponderada e justificada, nos critérios de vacinação. Por exemplo, o Presidente da República, uma vez que se trata de um cargo institucional unipessoal, e tendo em consideração a sua provecta idade, poderia ser uma exceção justificada. Certamente que os contribuintes agradeceriam, tendo em conta os custos associados às dezenas de testes que o PR já realizou nos últimos meses, terminando-se deste modo com a histeria mediática recorrente sobre o resultado do seu último teste à Covid-19.
A vacinação contra o SARS-COV-2 reveste-se de uma enorme importância para se poder aliviar a pressão sobre os hospitais, salvar vidas e ajudar a economia a recuperar. O governo tem de ser totalmente claro, rigoroso e transparente no processo de vacinação. Governar em tempo de pandemia é penoso. Infelizmente, alguns ministros têm mostrado sinais de cansaço e desnorte. Mas convém lembrar que vida dos Portugueses não tem sido fácil. Há muita gente que não tem a sorte de ser funcionário publico e está a passar por enormes privações. Não é apenas o stress da pandemia e do confinamento obrigatório, mas também a angústia do “estômago vazio” e a certeza do desemprego ou a destruição do seu pequeno negócio.
A tolerância para erros políticos e injustiças na gestão da pandemia vai sendo cada vez menor. Há uma enorme tensão na sociedade que tem de ser gerida com prudência e sabedoria. É tempo de exigirmos rigor técnico à comissão que está a implementar o Plano Nacional de Vacinação Covid-19 para que esta, devidamente apoiada por especialistas, tome decisões com critérios científicos e princípios éticos, sem pressões políticas ou sequestros ideológicos.
Termino com um apelo aos políticos e detentores de cargos públicos selecionados por decreto para serem vacinados nos próximos dias. Deem um sinal de coerência, coragem e respeito pelos Portugueses. Recusem a vacinação nesta primeira fase. Na verdade, nem tudo o que é legal é ético e este é um bom exemplo.