Durante quatro anos, entre 2011 e 2015, todas as culpas em Portugal foram do governo de Passos Coelho. Sócrates chamou a troika? Não importava: a culpa era de Passos. E agora, dez meses depois, de quem são as culpas? Pois ainda e sempre de Passos. Os bancos estremecem? A comissão europeia ameaça com sanções? É culpa de Passos, por mais que os comissários em Bruxelas expliquem, no caso das sanções, que tudo depende do presente governo tomar as providências necessárias.
A actual coligação de derrotados tem sido um grande sucesso para os accionistas. Salvou o lugar de Costa, resgatou os sindicatos do PCP, e deixou finalmente o BE fazer colocações. Mas no resto? Daquelas que foram as bandeiras das antigas oposições, o que é que ainda flutua nos mastros da maioria? A primeira bandeira era a economia: Passos dera prioridade à consolidação orçamental; as oposições queriam focar tudo no crescimento económico. A segunda bandeira era uma nova relação com a Europa: Passos cultivara a Alemanha; as oposições iam isolar a Alemanha.
Comecemos pela Europa. Na semana passada, em Setúbal, António Costa reconheceu finalmente que o ministro das finanças alemão “não está sozinho”. Pois não está. Quem esteve sozinho, nas reuniões de ministros europeus, foi Mário Centeno. Hollande disse coisas simpáticas? Disse, mas não impediu o procedimento contra Portugal. Os espanhóis fizeram tudo para se distanciarem de Portugal. Luís de Guindos deu até uma lição sobre as diferenças entre os dois países. Ninguém quer estar sentado no mesmo banco com o governo português.
Costa não gostou nada de ouvir Luís de Guindos. Mas Guindos limitou-se a constatar a evidência: a competitividade e a produtividade portuguesas são demasiado baixas para o país sair de uma estagnação de quinze anos. O Núcleo de Estudos de Conjuntura Económica da Universidade Católica já não espera, para este ano, uma taxa de crescimento do PIB acima de 0,9%. O governo tem outro plano, dissipada a quimera do consumo? Não, o governo só fala da meta do défice, porque é disso que depende o financiamento do BCE. Onde é que já tínhamos visto esta obsessão?
Ontem, constou que Costa estava preocupado. Depois, constou que não estava. Não sei se está ou não. Também não sei se o governo vai conseguir enrolar a Europa. Talvez consiga. Mas o que não vai é tornar Portugal um melhor lugar para trabalhar e investir. E sem isso, tudo se esfumará um dia, quando o BCE acabar com o dinheiro barato. Dir-me-ão: será como em 2011. Passos Coelho terá de vir limpar a casa, e lá ficará outra vez com as culpas. O próprio Passos, no conselho nacional do PSD de quarta-feira, ter-se-ia muito cristãmente conformado com esse destino. Mas acontece que o mundo já não é o mesmo de 2011, a Europa não é a mesma, nem Portugal é o mesmo. A paciência de Passos para fazer o que já fez, como o personagem de Bill Murray em Groundhog Day, pode-nos induzir em erro: o erro dos pessimistas que são optimistas sem o saber
Não esperem muitas repetições da história. Em Portugal, no caso de uma segunda ruptura de crédito, o desespero será muito maior: em 2011, morreram as primeiras ilusões; agora, morreriam as últimas esperanças. Da Europa, talvez venha um segundo resgate, como Schauble já prometeu, mas talvez não: a tendência, que se acentua, é para separar as contas e cada um pagar a sua. No mundo, um presidente Trump, tão improvável como o Brexit, pode mudar muita coisa, a começar pelo preço da defesa dos europeus. Receio bem que da próxima vez, ao contrário da anedota dos economistas, as coisas possam ser mesmo diferentes.