Há coisa de um ano, o presidente do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) foi mandado comparecer no parlamento para explicar às luminárias do BE as razões de um abuso inaudito: apesar da proibição de incluir nos questionários feitos aos dadores de sangue perguntas sobre o seu comportamento sexual, tais perguntas continuavam a ser feitas. O professor Hélder Trindade bem tentou explicar que há uma diferença entre “orientação” sexual e “comportamento” sexual, e que o “contacto sexual de homens com outros homens” (e não a orientação hetero ou homossexual) comporta um risco especialmente elevado para doenças como a SIDA: não se livrou da acusação de preconceituoso e homofóbico. Que as suas posições fossem suportadas por todos os estudos epidemiológicos dos últimos trinta anos foi absolutamente irrelevante para os seus inquisidores. O que o presidente do IPST dizia não estava conforme com a cartilha aprovada pelos activistas do politicamente correcto, logo não era aceitável.
Já em 2009 a secretária de Estado da Igualdade (do governo PS), fervorosamente secundada pela ILGA, “desafiava” o presidente do então Instituto Português do Sangue (IPS) a retirar dos questionários feitos aos dadores perguntas “discriminatórias” e do “foro privado”, a saber: se o dador “nos últimos seis meses teve novo(a) parceiro(a) sexual” e se “alguma vez teve contactos sexuais a troco de dinheiro ou drogas”. Para a secretária de Estado da Igualdade e para a ILGA, o facto de o IPS, baseando-se no estado da arte sobre as vias de transmissão das doenças infecciosas, considerar como factores de risco a promiscuidade sexual, a prostituição e a toxicodependência, e pretender questionar os potenciais dadores sobre esses temas em entrevistas sujeitas a sigilo profissional, constituía uma intolerável “discriminação”, que devia ser, como todas as prepotências, “desafiada”.
Agora a Direcção-Geral da Saúde emitiu uma norma onde se aceita a dádiva de sangue de “homens que tenham feito sexo com outros homens”. Desde que – atenção – o candidato não tenha relações com outros homens há mais de um ano. Deixemos de lado a extraordinária ideia de que alguém possa estar disposto a ser celibatário durante um ano apenas para poder dar sangue. A questão que interessa é: para quê? Qual é a utilidade desta norma?
O problema não é que uma decisão política se sobreponha a considerações técnicas. O problema é a ausência de racionalidade da medida. Não se está a resolver nenhum problema real. Ninguém é prejudicado por não dar sangue. Não se perde o emprego, não se é perseguido na rua. As normas que os activistas da ILGA e o BE contestam não são sequer exclusivas dos homossexuais. Aplica-se o mesmo tipo de reserva a qualquer pessoa que tenha relações sexuais com doentes de SIDA, hepatite B ou C, ou com pessoas oriundas de regiões onde essas doenças são endémicas, ou com novos parceiros. O mundo não se juntou agora para conspirar contra os homossexuais.
Esperemos que o bom senso dos profissionais prevaleça mais uma vez. Os problemas de auto-estima de grupos minoritários não podem ser resolvidos à custa da segurança colectiva. O despacho do ministério da Saúde que, meses atrás, encomendava à DGS a norma agora publicada, já apontava que “em situações de dúvida deverá sempre aplicar-se o princípio cautelar de segurança máxima”. Que é como quem diz: podem, mas é melhor não.
Médico