Emmanuel Macron concedeu à revista The Economist uma importante entrevista na qual reproduziu o que tem dito desde que é presidente da França: que a Europa precisa de se reorganizar para enfrentar os novos tempos. Apesar da importância da entrevista não há nada de muito novo nas palavras de Macron. Desde o seu livro ‘Révolution’ passando pelo famoso discurso na Sorbonne de 26 Setembro de 2017 que Macron propugna uma reforma da União Europeia pós-Brexit. A agressão militar da Rússia à Ucrânia, a aliança China/Rússia, o recuo francês no Sahel em detrimento de um avanço russo que já chega a São Tomé e Príncipe, as divisões no seio dos estados da UE fomentadas pela propaganda de Moscovo, a incapacidade de os EUA, sozinhos, fazerem frente a todas as ameaças, mais a possível vitória de Trump nas presidenciais de Novembro dão força aos alertas de Macron. A discussão que o Eliseu pretende abrir é urgente e se há conclusões que são unânimes, outros pontos merecem a nossa reflexão.

Por muito que haja União Europeia a França nunca deixará de ser a França e Paris ambiciona ser o centro da Europa. Não há nada de ilegítimo neste aspecto e, para o bem e para o mal, um projecto como a UE precisa de um centro político. É nesse sentido que as propostas de Macron devem ser lidas. Veja-se o argumento que utiliza sobre o poder de dissuasão nuclear da França. Macron propõe alargar à Europa a interpretação do que seja o interesse francês de modo a que o chapéu-de-chuva nuclear de Paris abranja o continente europeu por inteiro. No entanto, também salienta que essa interpretação não pode deixar de ser feita pelo presidente da França. Ora, foi precisamente esse o argumento de Washington que o general de Gaulle recusou e o levou a insistir na necessidade de a França ser uma potência nuclear. Basicamente, as propostas de Macron são uma tentativa de colocar a Europa debaixo da asa francesa. Um plano para, através da Europa, a França se confrontar em pé de igualdade com os EUA, Rússia e China. Em nome dos interesses da Europa, certo, mas devidamente interpretados por Paris.

Sucede que, se as alterações no equilíbrio de forças tornaram prementes os alertas de Macron, há uma mudança que Paris não se apercebeu ou finge que não está a acontecer. E essa é a postura da Alemanha que se modificou radicalmente desde que a Rússia atacou a Ucrânia. A partir do momento em que a Alemanha começou a investir em defesa, Berlim assumiu, mesmo que não verbalmente, a sua capacidade de ser o centro da Europa em termos políticos e militares.

É por este motivo que se torna perigoso deixar a defesa da Europa sem o chapéu-de-chuva norte-americano e britânico, pois a França vai ficar ansiosa quando a Alemanha tiver uma força militar  equiparável à sua. Até agora, os franceses compensaram a frustração de uma Alemanha economicamente mais poderosa com o facto de deterem a dissuasão nuclear e o exército convencional mais poderoso do continente. Na mesma entrevista à The Economist, Macron defendeu uma defesa europeia paralela à da NATO e, subliminarmente, debaixo da tutela de Paris. Dificilmente a Alemanha vai aceitar essa proposta e, por alguma razão, Berlim aposta as suas fichas na NATO. Não só porque conta ter um exército equiparável ao da França, mas também porque os alemães estão na primeira linha do combate à Rússia e não querem ficar dependentes de outra potência europeia.

É curioso como este tema dividiu de Gaulle e Adenauer nos exactos termos em que separa Macron de Scholz. Em meados do século XX, Bona precisava dos EUA e da UE para alicerçar a sua supremacia sobre a RDA; actualmente, precisa dos dois para fazer recuar a Rússia e conter os ímpetos da França. Segundo o historiador britânico, Andrew Roberts, foi Aldous Huxley quem disse, “Que há quem não aprenda com as lições da história é a mais importante das lições que a história nos pode ensinar”. A União Europeia vai ter de se adaptar aos novos tempos e de se reorganizar. Terá de investir em defesa e, sem perder a ligação com Washington, criar meios para que os EUA se foquem noutros desafios importantes para o estabelecimento da nova ordem mundial que está na forja e a manutenção da segurança ocidental (europeia incluída) noutros locais. Mas isso vai requerer, da parte de todos, de alguma imaginação, um elementar bom senso e muitas outras qualidades negociais que advêm do conhecimento da história. A verdade é que é importante pensar alto desde que se tenha os pés bem assentes no chão.

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